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Guerreiros não dizem não

Uma China de Budas gigantes, soldados de terracota e pandas fofos encantam Cassia e Danilo em nova fase da Volta ao Mundo

Por Cassia Dian (texto e fotos)
Atualizado em 24 set 2021, 16h37 - Publicado em 30 nov 2012, 16h14

Cavalos, deserto, Genghis Khan. Isso era quase tudo o que eu e o Danilo sabíamos sobre a Mongólia. Foram dias cruzando a vasta paisagem mongol na companhia de dois casais e um guia. Dormindo sempre em gers, as barracas dos nômades, passamos por Karakorum, a antiga capital do império de Khan, pelo lindíssimo Lago Branco, pelo vulcão inativo Khorgo e por uma versão reduzida do Deserto de Gobi. Cavalgamos, camelamos e fomos ainda guiados pelos cães de nossos anfitriões. Terminamos o tour no ger da pequena Amar, que, com 4 anos de idade, já demonstrava muito mais talento sobre um cavalo do que qualquer um de nós. Voltamos ao velho trem em Ulan Bator, a capital, para deixar a Mongólia e adentrar a China, a formidável China. A chegada ao antigo Império do Meio não foi nada discreta. Todos os altofalantes da estação de fronteira, Erlian, tocavam o hino do país. Passado o espetáculo, o trem – com todos nós dentro! – foi levado a um galpão onde teve início a bizarra troca de bitolas. Por questões de segurança militar, Rússia/Mongólia e China não possuem o mesmo sistema de trilhos. Enquanto o trem era suspenso por macacos gigantes, oficiais da imigração checavam passaportes.

Chegamos na manhã seguinte a Datong, primeira cidade da nossa incursão de um mês pela China. A parada foi planejada de última hora, seguindo a dica de uma amiga que fizemos na Rússia. Ao redor da cidade estão as fantásticas Cavernas Yungang, com 51 mil estátuas de Buda esculpidas nas rochas desde o ano 460. A mais alta delas mede 17 metros. Também nos assombrou o Mosteiro Suspenso, encravado em um paredão montanhoso e construído por monges 1 500 anos atrás. Começamos com pé direito na China, exceto pela nossa relação com os taxistas. Em Datong e em toda China, aliás, não houve jeito de fazêlos ligar o taxímetro. E a língua é aquele problema. Para não se dar mal, peça ao pessoal dos hotéis que escreva em mandarim, num papel, os seus destinos.

Eu já tinha ouvido muita gente reclamar do céu cinza de Pequim. Mas, para minha gratíssima surpresa, um céu azulíssimo foi nosso companheiro por quatro dias, o que tornou ainda mais fotogênicos o lindo Parque Jingshan e, claro, a Cidade Proibida. Também tivemos céu de brigadeiro no dia da visita ao enorme Mausoléu de Mao, na Praça da Paz Celestial, e durante a ida ao enlouquecedor Silk Market, onde realizamos nossos caprichos consumistas com gosto (onde o comunismo foi parar!). Os negócios ali são totalmente da China, mas a necessidade de barganhar por absolutamente tudo torna a coisa um tanto cansativa.

Na Grande Muralha

Decidimos então visitar uma parte da Muralha da China menos muvucada. Optamos por Mutianyu, a que se chega com um ônibus direto, o 936, desde a estação Dongzhimen. Mas é preciso transpor degraus e degraus para a Muralha surgir. E a malhação não acabava aí: andar pela atração exige quase a mesma energia da subida. Se quiser ter fôlego para percorrer o trecho completo, de 2,2 quilômetros, considere o cable car (Y 50, ou R$ 16, ida e volta). É redundante registrar aqui o que já foi dito milhares de vezes, mas, me perdoem, esta é a minha vez: WAAAAL! Estar ali compensou todas as dores que eu sentiria nas pernas no dia seguinte.

Pegamos leve no último dia e fomos conhecer o icônico Templo do Céu, o Cubo d’Água e o estádio Ninho de Pássaro. E, claro, não deixamos Pequim sem experimentar sua mais autêntica receita de pato no restaurante Quanjude Roast Duck. Que saudade desse sabor…

A fortificada Pingyao, 650 quilômetros a sudoeste de Pequim, nos abrigaria pelos próximos três dias. Perambular pelas vielas, ainda mais bonitas quando as lanternas vermelhas se acendem, já era uma maravilha, mas o passeio só fica completo com uma visita ao Templo de Confúcio, construído em 1163, e às torres de observação das muralhas da cidade. Para acentuar ainda mais a sensação de volta ao passado, escolha um dos albergues instalados nos lindíssimos casarões com arquitetura típica e jardins internos – como o Yamen Hostel.

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Esses dias tranquilos de Pingyao viraram uma lembrança nostálgica assim que desembarcamos do trem na caótica Xian. A cidade abriga quase 5 milhões de habitantes e é a base para visitar os famosos Guerreiros de Terracota. Com uma horinha de ônibus, você chega ao sítio arqueológico onde foram descobertos. São cerca de 7 mil estátuas de homens e cavalos em tamanho real, cada um com rosto, cabelo e roupa diferente. Se você deixar para ver só mais um, só mais um, não sai mais dali. Supõe-se que as esculturas estejam lá há mais de dois milênios, ao redor da tumba do imperador Qin Shi Huang, que desejava um exército para protegê-lo também no além.

De Xian seguimos para o centro do país, para as montanhas de Wudang Shan. Aí começamos a viver as emoções do maior feriado nacional, o dia da fundação da República Popular da China. Pense em bilhões de habitantes se deslocando de trem para curtir a rara folga anual. Até lugares em pé são vendidos no trem. Para não passar perrengue, peça aos funcionários de seu hotel que comprem as passagens. Trem é barato e liga todo o país. A comissão de R$ 10, portanto, é café-pequeno diante da impossibilidade de se fazer entender nas estações.

Se você algum dia já fez tai chi chuan, talvez saiba que foi nas sagradas montanhas de Wudang Shan que a prática surgiu. Enfentar os 4 quilômetros de escadas até o topo exige fôlego de praticante – ou de atleta –, mas a paisagem e os templos taoístas compensam. Recuperamos o fôlego admirando sem pressa as camadas de montanhas no horizonte e as nuvens abaixo de nós.

Pegamos o pico do feriado nacional em Fenghuang, 800 quilômetros mais ao sul, e, embora a cidade seja lindíssima, foi difícil enfentar o turismo made in China. Entendemos, de todo modo, por que o Centro Histórico desse pequeno vilarejo atrai tanta gente: resistem ao tempo as palafitas às margens do Rio Tuó, além de templos e pagodes inspiradores. O arremate fica por conta dos barquinhos com cobertura de palha e das belas pontes. Com pesar, encurtamos a estada ali por causa dos preços altos. E prometemos a Fenghuang que um dia para lá regressaremos.

Chongqing estava vazia quando chegamos. Seriam duas noites nessa cidade próxima de nosso destino final na China, Chengdu. Mas tiramos boas surpresas dessa pequena Hong Kong dos cafundós. Delicioso lembrar dos passeios pelo Rio Yangzi à noite e do gosto do picantíssimo hot pot, comida que lembra vagamente um fondue, feito com vegetais, peixe e carne de porco. Estávamos no lucro: vencemos o mandarim do cardápio graças a um simpático grupo de adolescentes doido para colocar em prática o inglês ensinado na escola. Eis aí a grande notícia hoje na China: com muita fequência turistas como nós são abordados – ou salvos – por jovens interessados em treinar o novo idioma.

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Nós e os pandas

Enfim chegamos a Chengdu. De lá íamos voar para Katmandu, no Nepal; por isso, não havia tempo a perder. No albergue, contratamos dois passeios. O primeiro à vizinha Leshan, abrigo do maior Buda do mundo, de 71 metros de altura, esculpido em uma rocha. Lindo, sem dúvida, mas apenas warm-up para o que viria no dia seguinte.

E o que veio tinha formato de ursinhos panda fofos, fofíssimos. Estávamos no Centro de Procriação e Pesquisa de Pandas Gigantes. Deliramos quando vimos o primeiro grupo no chão, saboreando bambus com os olhos fechados. “Isso não pode ser verdade”, disse o Danilo depois de muitos risos e gargalhadas. Fugi do tiozinho da excursão para fotografar como louca até me dar conta de que havia mais pandas por ali, inclusive vermelhos. Agora mesmo, ao rememorar a cena, escancarei um sorriso. Acho que vai ser assim para sempre.

Passamos semanas namorando a possibilidade de fazer um curso de meditação assim que chegássemos ao Nepal. Não uma meditação qualquer, mas daquelas barra-pesada, em que é vetado falar ou mesmo olhar nos olhos dos demais. Mas tudo mudou em Katmandu, onde nos decidimos por um trekking de 12 dias ao Annapurna, mesmo eu sendo inexperiente na atividade. Contratamos um guia e um porter (carregador de malas), compramos remédios, purificadores de água e um tênis que durou exatos três dias nessa célebre travessia do Himalaia. O que não compramos, porém, talvez seja mais importante revelar: jaquetas para o fio. O calor da capital fez com que confiássemos demais nos nossos casacos brazucas. Foi a pior economia de nossas vidas.

No segundo dia de trekking, viramos piada. “Vocês podiam estar na praia com caipirinhas”, falava um alemão. “O Rio continua lindo”, dizia um fancês. Andávamos em média sete horas por dia cercados por um visual arrebatador e mutante: de verdes vales e arrozais na base a um solo marciano no topo. Subíamos 500 metros de altitude por dia e bebíamos água como animais da savana. Fazíamos exercícios de aclimatação diários, subindo e descendo montanhas próximas às bases. Em uma das vezes, em Manang, recebemos a bênção de um lama de 95 anos! A dificuldade para respirar começou a atrapalhar o sono – e a vigília – acima dos 3 500 metros. Felizmente, o povo nos alojamentos sempre dava força a quem chegava. Estávamos tão empolgados que só nos demos conta dos sérios problemas que a altitude pode causar quando começamos a ver o povo desistindo. A dor de cabeça se consegue remediar, mas, se vierem enjoos e desmaios, melhor é descer imediatamente: há risco de edema pulmonar ou acidente vascular. Mas qualquer um de nós é capaz de se adaptar a altitudes elevadas. Basta proporcionar a hidratação e o ritmo certos para o nosso corpo.

O último e temido dia rumo ao pico do trekking em Torung La, a 5 416 metros de altitude, começou às 3 da madrugada, sem o vento da manhã. Deixamos os 4 400 metros de altitude do alojamento Thorung Phedi com lanterna em punho e respiração de iogue. Aí começou uma subida intransigente de quase mil metros. Ao fim, com a ajuda do santo guia Hari, chegamos ao objetivo em bom estado. Os últimos 200 metros não foram isentos de dramaticidade. Tivemos um tanto de confusão mental e sofemos com o frio de 15 graus negativos. Foi duro, duríssimo, mas isso virou fumaça diante da emoção louca da chegada, quando caímos no choro ao lado de duas amigas francesas que nos acompanharam na jornada.

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Respondendo à sua pergunta: sim, faríamos tudo de novo. Mas sem economizar os 300 mangos da jaqueta.

. . : GUIA VT DA CHINA E MONGÓLIA  : . .

O DDI da China é +86 e o da Mongólia é +976 

Ficar

Para saber aproximadamente o valor dos preços abaixo em real, divida o valor por 3. Em Datong, o Garden Hotel (352/586-5825; diárias desde Y 880; Cc: M, V) é bom para organizar passeios. Em Pequim, o Happy Dragon Courtyard (108/402-1970, happydragonhostel.com; diárias desde Y 50; Cc: M, V) tem um restaurante delicioso. Em Pingyao, encante-se pela arquitetura milenar do Yamen Hostel (69, 354/568-3975, yamenhostel.com; diárias desde Y 120). Em Xian, o Shuyuan International Party Hostel (298/725-8593; diárias desde Y 30; Cc: A, M, V) é bem localizado. Em Wudang Shan, os recepcionistas do Shèngjingyuàn Binguan (719/566-2118; diárias desde Y 278; Cc: M, V) falam bem inglês. Pegue um quarto com varanda para o rio de Fenghuang no Koolaa’s Home (743/433-9597; diárias desde Y 120). Em Chongqing, o Sunrise Míngqing Hostel (236/393-1579; srising.com; diárias desde Y 200; Cc: V) fica em um casarão chinês. Em Chengdu, faz boa escolha quem opta pelo Sim’s Cozy Garden Hostel (288/335-5322; diárias desde Y 85; Cc: A, M, V).

Comer

No Haochi Jie Xiaopáidàng (Food Street, 12; Cc: V), prove o famoso hot pot de Chongqing. No Quánjùdé Roast Duck Restaurant (Shuaifuyuan Hutong, 9; Cc: A, M, V), em Pequim, peça o pato (Y 300).

Passear

Impressione-se com os Buda esculpidos nas Cavernas Yungang (yungang.org; 9h/16h20; Y 150) e sinta frio na barriga no Mosteiro Suspenso (8h/18h; Y 150), em Datong. Na capital, a entrada da Cidade Proibida (dpm.org.cn; 8h30/16h30; Y 60) fica a poucos metros do Mausoléu de Mao (Praça Tiananmen; 3a/dom 8h/12h; grátis). A coluna do Parque Jingshan (6h/21h30) foi feita com a terra escavada do fosso do Palácio Imperial. No Templo do Céu (Tiantan Donglu; parque 6h/21h e templos 8h/18h; Y 30), assista a práticas chinesas e prepare-se para regatear no Silk Market (silkstreet.cc; 8h30/21h). Depois das Olimpíadas, o Cubo d’Água (water-cube.com; 9h/21h; Y 30) seguiu como parque aquático, agora aberto aos locais, e o Estádio Ninho de Pássaro (n-s.cn; 9h/16h30; Y 50) abriga eventos esportivos diversos. Não deixe de fotografar um dos mais preservados trechos da Muralha da China em Mutiányu (6h30/18h; Y 50), a 70 quilômetros de Pequim, mas guarde bateria para os Guerreiros de Terracota (bmy.com.cn; 8h30/17h; Y 90), em Xian. Programe-se para passar o dia em Hubei, nas Montanhas de Wudang Shan (6h/19h; Y 160, com traslado em ônibus incluído). Em Leshan, só as orelhas do Grande Buda ( 8h/17h30; Y 90) medem 7 metros. Chegue cedo ao Centro de Procriação e Pesquisa de Pandas Gigantes (panda.org.cn; 8h/18h; Y 58), em Chengdu, para ver os bichos fofos ainda acordados.

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Transporte

Melhor maneira de se deslocar pela China, o trem tem cinco tipos básicos de bilhete: soft sleeper (quatro camas em uma cabine), hard sleeper (seis camas), soft seat (assento confortável), hard seat (desconfortabilíssimo e apinhado de gente) e standing (em pé!). O site china-train-ticket.com vende trechos nacionais e internacionais. Considere também pedir para o recepcionista do hotel comprar as passagens, mesmo mediante pequena comissão.

Quem leva

A Interpoint (11/3087-9400, interpoint.com.br) tem sete noites por Pequim, Ulan Bator e outras quatro cidades na Mongólia desde US$ 7 319, sem aéreo. Na China, a Raidho (11/3383-1200, raidho.com.br) tem quatro noites em Pequim, duas em Xian e duas em Shangai desde US$ 3 042, sem aéreo. No Nepal, a Venturas (11/3872-0362, venturas.com.br) tem trekking de dez noites até Annapurna, além de três noites em Kathmandu e duas em Pokhara, desde US$ 5 350.

Veja na página anterior a reportagem Guerreiros não dizem não completa

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