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Quase fui preso em Angola – até descobrirem que eu sou brasileiro

No dia em que botei os pés e respirei o ar quente de Luanda, quase fui preso por fotografar um prédio público - e fui liberado por ser do Brasil

Por Sérgio Túlio Caldas
Atualizado em 2 mar 2017, 16h11 - Publicado em 22 fev 2017, 16h18
Prédios de Luanda, cujos andares vão aumentando conforme os prédios se distanciam do fotógrafo, até a fotografia cortar o topo dos prédios do fundo
O skyline de Luanda num clique perigoso (Paulo Franco/Flickr/creative commons/)
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Ao descer no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, em Luanda, capital de Angola, uma lufada de ar quente me deu as boas-vindas. Em minha primeira visita ao país do oeste africano, aterrissei em pleno cacimbo – a estação seca do ano, de maio a agosto, quando a chuva só cai em sonhos e o céu é cinzento como chumbo.

Depois de instalado no hotel, o corpo pedia descanso. Mas o desejo de explorar a cidade venceu o cansaço. Câmera fotográfica na mão, passaporte, garrafa d’água e alguns kwanzas (o dinheiro local) na bermuda: meu kit desbravador estava em cima.

Diante de um edifício colonial português, saquei a câmera e cliquei. Antes de tirar o olho do visor, vi um policial a dois passos de mim, metralhadora atravessada no peito. Ele me olhou feio.

– Opá, estás a fotografar? A desrespeitar as leis d’Angola? – ele disparou. – E estou a perceber que não és um cidadão nacional! Cá, temos leis a cumprir, ‘tás a ver?

Sem explicações, me pediu para acompanhá-lo até o prédio do outro lado da rua, onde se lia numa placa: “Comando Geral da Polícia Nacional de Angola”.

Tentei puxar uma conversa qualquer, na esperança de amenizar o clima.

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– Qual é o nome do senhor? – perguntei.

– Primeiro, o nome do “SENHOR” é Jesus. E não é “como posso te chamar”, mas “como posso TRATÁ-LO”.

– E como posso?

– Podes o quê?

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– Tratá-lo!

– ‘Tás a gozar ou o quê?

Numa última cartada, perguntei se ele conhecia o Brasil. Prontamente, o militar cantarolou: “Ci-da-de… Ma-ra-vi-lho-sa…” Saquei novamente a câmera – não para uma selfie. Mostrei fotos da minha família, do Cristo Redentor, de praias e Mata Atlântica. Ele sorriu e me deu um tapinha nas costas:

– Pode ir, meu kamba.

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Mais tarde, soube que o governo angolano, repleto de leis não escritas, coíbe fotos de seus prédios históricos. Eu me lembrei do escritor e viajante Paul Theroux: “A essência de uma viagem é o inesperado”. E o inesperado é o que faz as viagens inesquecíveis.

Sérgio Túlio Caldas, autor do texto O viajante flagrado no clique é Sérgio Túlio Caldas, jornalista, escritor e diretor de TV. Lançou recentemente o livro Com os Pés na África (editora Moderna)

 

 

 

 

Texto publicado na edição 255 da revista Viagem e Turismo (janeiro/2017)

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