De Kuala Lumpur à George Town: um tour completo pela Malásia
Emergente, cosmopolita, com paisagens lindas, a Malásia é uma mistureba cultural e gastronômica para ser devorada com fome
Já era noite e eu merecia aquele dry martini com vista. Que não poderia ser mais urbana, aliás. Daquele heliponto transformado em bar, eu mirava a Torre de TV Menara KL e as Petronas Twin Towers – aquelas torres futuristas de 460 metros que já foram por uns bons anos as mais altas do mundo –, saindo de montes de concreto e vidro, com uma ou outra grua gigantesca despontando no horizonte. Nada que me surpreendesse tanto assim: era exatamente essa a imagem de Kuala Lumpur, a capital da Malásia emergente e cosmopolita, que eu imaginava encontrar. O que eu não fazia ideia era de todo o resto.
Kuala Lumpur, cidade de 150 anos e 1,5 milhão de habitantes, é não só um dos centros financeiros do Sudeste Asiático como um extrato do multiculturalismo da Malásia, país difícil de entender até geograficamente. A península que vai do sul da Tailândia até a minúscula Cingapura é só metade do país – a outra fica do outro lado do Mar da China, no norte da Ilha de Bornéu, e compartilha o território com um pedaço da Indonésia e o pequeno Brunei.
Ali há lindas praias, florestas tropicais com orangotangos, picos que ultrapassam 4 mil metros e tribos remotas. A parte de cá do país também tem praias e ilhas tão belas quanto as tailandesas e uma diversidade cultural invejável. Mas, na Malásia, o potencialmente explosivo mix de malaios, que são muçulmanos, com chineses e indianos não produz conflitos. Produz mercados gastronômicos.
Nesse ponto, a Malásia está bem longe do feijão com arroz. A variedade gastronômica é a manifestação mais visceral do “Truly, Asia” – ou “Verdadeiramente, Ásia” –, slogan que o país escolheu para chamar de seu. Passear por Kuala Lumpur é esbarrar com comida em todas as suas apresentações, mesmo no bairro mais moderno, o Bukit Bintang. A região é conhecida como o Triângulo de Ouro, onde monorail e passarelas à la Bangkok conectam hotéis de luxo, shopping centers e as próprias Petronas Twin Towers.
No subsolo, os centros de compra escondem paraísos gastronômicos. No nível do solo, há ruas inteiras como a Jalan Alor – repleta de restaurantes típicos e barracas de comida de rua, quase intransitável todas as noites. Bom para experimentar de tudo, caso você tenha espaço no estômago depois dos bufês chineses, indianos e outras surpresas bem ocidentais, como patisseries servindo impecáveis canelés.
Tal qual seus famosos food courts, Kuala Lumpur é compacta e cheia de experiências para degustar. A mais fora de mão, mas imperdível, é visitar as Batu Caves, gigantescas cavernas de 400 milhões de anos sagradas para os hindus e guardadas por 272 degraus e um deus gigante. Fica a 13 quilômetros do Centro, mas literalmente ao lado da estação final de uma linha de trens urbanos. Escapando ileso dos macacos famosos por pilhar celulares de turistas, conhecer o resto de “KL” (a essa altura, você já estará se referindo a ela pelo apelido) é bolinho.
A geografia de KL é simples. De Chinatown e todos seus Rolex falsificados a Masjid India, são dez minutos de caminhada, passando pela colonial Praça Merdeka. É nessa região que estão os principais templos hindus, chineses, mesquitas, o Mercado Central, o Museu Islâmico e resquícios colonialistas. De lá ao futuro, ou seja, o Triângulo de Ouro da cidade, basta atravessar a floresta. Bukit Nanas (ou, em malaio, Morro do Abacaxi), é uma floresta protegida que ganhou uma rede de passarelas suspensas, em que se anda na altura da copa das árvores, com o surrealista skyline da cidade ao longe.
No centro de Bukit Nanas, está a Torre Menara KL, mais baixa que as Petronas, mas com uma vista até melhor, um deque aberto e um restaurante giratório. E, por fim, do emaranhado de shoppings que é o Triângulo de Ouro consegue-se chegar às Petronas sem tocar no solo, por uma rede absurda de passarelas – a tempo de pegar o show sem graça das águas dançantes na frente das torres ao anoitecer.
Esse havia sido meu dia merecedor do dry martini. Sim, dá para conhecer KL em apenas 24 horas, o que muita gente de fato faz nesse grande hub asiático, a caminho de destinos como Indonésia ou Filipinas. Poucos escolhem simplesmente ficar na Malásia, a despeito de ser um dos países mais fáceis de viajar do Sudeste Asiático, com voos internos a preço de ônibus barato. Além de ser superseguro e ter um povo simpático que fala inglês muito bem. Depois daquele aperitivo, deu vontade de provar o resto.
Portuguesinha
“Os pastéis de nata são tão bons quanto os de Lisboa.” Sissi Alves, minha amiga portuguesa, não precisou falar mais nada para eu me debandar a Malaca, pequena cidade cortada por um rio tortuoso. A duas horas de ônibus do sul de KL, é uma espécie de sede da ONU da época das navegações. Os portugueses chegaram lá vindos de Goa, na Índia, e dominaram o pedaço nos séculos 16 e 17, deixando marcos arquitetônicos como a Porta de Santiago, pedaço que restou de uma fortaleza, e a Igreja de São Paulo. Até o interessante Museu Marítimo é um prédio no formato da Flor do Mar, caravela portuguesa que afundou ali em 1511. Depois, vieram os holandeses e britânicos.
A praça central da cidade chama-se Dutch Square e tem um moinho típico. Lá, tuc-tucs temáticos disputam passageiros coreanos, com suas luzes piscantes, som no último e cheios de penduricalhos de Minions ou Hello Kitty. Mais impressionantes que os pastéis de nata. Patrimônio Cultural pela Unesco desde 2008, o Centro de Malaca pode ser todo percorrido a pé e seu coração é Chinatown, emaranhado de ruelas, onde antigos comércios e casarões históricos foram transformados em hotéis e galerias.
Sua rua central, a Jonker Walk, vira uma festa nas noites de sexta a domingo, um animado mercado de rua em que você encontra de suvenires a “dragon breath”, uma espécie de cereal doce feito com nitrogênio líquido; de adivinhos lendo a sorte a barracas de quitutes mais tradicionais, como o laksa, um tipo de noodle com frutos do mar, que, nessa região, é servido com leite de coco.
BORNÉU EXPRESS“Kuching, a capital de Sarawak, é única, romântica e improvável. Como todas as cidades de Bornéu, ela existe por causa do rio.Contrate um sampan, barco tradicional, para descer devagar o Rio Sarawak e ver pitorescas aldeias malaias, uma mesquita com cúpula de ouro e um imponente palácio com montanhas ao fundo. Prove carne de veado, samambaia da selva e brotos de bambu. E beba um copo de tuk, o vinho de arroz. Kuching é a base ideal para ver Gunung Gading e as flores gigantes de Rafflesia. Ou Kubah e suas palmeiras e orquídeas. Ali perto ficam as ‘casas longas’ das tribos Iban e Bidayuh. Visite Semenggoh e Matang Wildlife Centers, para ver os orangotangos, e o Parque Nacional de Bako, lar dos macacos-narigudos.” Rick Roger Tius. É guia de turismo em Sarawak |
Gastronômica
Malaca pode ser um grande contraponto a KL para o caso de se ter pouco tempo – aliás, cabe até num bate e volta no mesmo dia. Mas, para quem tem mais disponibilidade e fome de devorar esse caldeirão cultural que é a Malásia, é preciso ir mais longe. George Town, a capital da Ilha de Penang, a um curto voo ou cinco horas de ônibus ao norte de KL, é o lugar. “Viajo para cá sempre que tenho vontade de comer uma boa comida indiana”, me conta Martin, um inglês que mora em Bangkok com a família. Pode parecer exagero, até você perceber que a cidade é uma celebrada meca foodie não só da Malásia, mas do Sudeste Asiático inteiro.
Sim, na Little India de George Town, há restaurantes indianos tão autênticos quanto as famílias – mulheres de sari, obviamente – que os frequentam. Mas, em termos gastronômicos, a cidade vai muito além das preferências de Martin. Basta chegar a qualquer hotel e você vai encontrar na recepção um bonito mapa, com fotos, explicações e onde comer várias iguarias, muitas típicas de Penang. São dezenas de mercados de comida de rua, restaurantes de aparência muito simples mas com filas na calçada, gente se digladiando por uma cumbuca de cendol – inusitada combinação de sorvete de coco com noodle verde e feijão (!).
O frenesi gastronômico de George Town acaba te afetando de um jeito que, quando você percebe, está devorando um nazi lemak – arroz com peixe, ovo duro e pimenta, enrolados em uma folha – no café da manhã, como os malaios, para não perder a chance de comer algo novo. George Town tem tours gastronômicos e um museu dedicado apenas a isso. E, melhor, entre um char koay teow (irmão do pad thai, mas melhorado) e outro popiah (primo de segundo grau do rolinho primavera) você circula por uma das mais lindas cidades do Sudeste Asiático.
O Centro de George Town também é Patrimônio Cultural pela Unesco, mas impressiona bem mais que Malaca. Também tem um labirinto de ruelas, mas com a arquitetura bem mais expressiva de uma proeminente cidade mercante que foi nos séculos 18 e 19. Clãs de mercadores chineses, como os Chew e os Khoo, esmeravam-se em construir luxuosos QGs com templos, um mais lindo que o outro. Na parte portuária da cidade, cada família tinha ainda um píer exclusivo – os jetts, onde até hoje há casas particulares, em que moram seus descendentes.
Junte a isso, lindos exemplos da arquitetura colonial britânica e um verniz descolado de um passado bem recente. Por toda a cidade, artistas fizeram grafites e esculturas muito originais. Descobrir essas artes de rua virou um divertido caça ao tesouro, que acaba revelando também cafés e bares muito bacanas. A única coisa que não se encontra em George Town é praia.
KL DOS LOCAIS“Há muita aventura nos arredores de Kuala Lumpur. Para fazer um trekking, vá a Bukit Batu Chondong. São cerca de 30 minutos para atingir o pico, que tem vista maravilhosa do Vale Klang. O ponto de partida fica à beira da estrada, a dez minutos do famoso Kemensah ATV Adventure Park, um parque para dirigir quadriciclos motorizados. Ainda para ver como os malaios se divertem, vá ao Kampung Beca, um parque às margens do Lago Putrajaya, com atividades como passear em Fuscas e Kombis enfeitados com luzes de LED ou andar no Chu Chu Train, que foi construído a partir de barris reciclados. Famílias com crianças adoram.” Humaira Hassan. É executiva de operações em KL |
Pé na areia
Apesar de Penang ser uma ilha, ali a aventura é urbana. A uma esticada de ferry boat de distância, a Ilha de Langkawi tem algumas boas praias. Nesse quesito, entretanto, a urbanizada costa oeste da Malásia peninsular pode decepcionar um brasileiro que viaja tão longe para ver areias no mínimo excepcionais. A solução é ir para a costa leste. As Ilhas (ou Pulau, em malaio) Perhentian, ao norte, a 40 quilômetros da fronteira tailandesa, aí sim são o caminho a seguir.
O arquipélago protegido por um parque marinho tem duas ilhas principais: Perhentian Besar, com mais resorts e mais infraestrutura, e o paraíso mochileiro Perhentian Kecil. Em ambas, esqueça a possibilidade de achar um mísero caixa eletrônico. O negócio ali é fazer quando muito snorkeling por fantásticos bancos de corais, andar de caiaque e se deliciar com versões praianas do talento culinário malaio. Tem também trilhas na selva, mas só para os fortes que conseguem se afastar daquele mar cheio de nuances de azul-turquesa.
Parte da mística em torno das Pulau Parhentian é que nem todo mundo que quer ir consegue. As monções lá vão de novembro até fins de fevereiro. Durante fevereiro inteiro, “Perhentian já abriu?”é questão recorrente em fóruns de viajantes nas redes sociais. Fechar quer dizer isso mesmo: durante as chuvas, os barcos de linha que partem para lá de Kuala Besut nem dão as caras. Nessa época, melhor desbravar a costa leste ou o sul. Pulau Tiaman, por exemplo. Bem mais próxima de KL, essa ilha reúne idílicos vilarejos praianos, onde se pode mergulhar em corais e naufrágios e ver tartarugas. Mas, é bom dizer, Bornéu tem tantas outras enseadas e corais perfeitos. Do outro lado do Mar da China, ainda há muita Malásia para explorar.
SERVIÇO
MALÁSIA
KUALA LUMPUR
Onde ficar?
O colonial Majestic Hotel, operado pela rede Marriott, é uma espécie de Copacabana Palace de KL. Tem até um britânico chá da tarde. Com imbatíveis vistas urbanas – com as Petronas Twin Towers incluídas, o Grand Hyatt fica nos arredores do KLCC Park. Para sentir a energia pulsante da cidade, vale ficar na região de Bukit Bintang. O Wolo é um hotel-butique todo moderninho bem no centro da ação.
Onde comer?
Por mais que você tenha fobia a shoppings centers, os food halls de KL são uma experiência gastronômica obrigatória. O Pavilion é o mais chique mall da cidade e tem no subsolo a Food Republic, com mais de 30 restaurantes diferentes e um design industrial bacana. É, no entanto, no Lot10, um shopping menor, que está o considerado melhor food hall da cidade, o Hutong Food Court, com design inspirado nas ruelas da Pequim antiga, com uma boa seleção de tudo o que há de melhor na Ásia. Para um drinque de fim de tarde com a melhor vista de 360 graus da cidade, vá ao Heli Lounge Bar, no heliponto do hotel Menara KH. Ao comprar um drinque, você pode subir e, quando o tempo permite, há festas e serviço de bar no próprio heliponto.
Lindo e Baratex
- O Pangkor Laut Resort é um pequeno resort membro do Small Luxury Hotels of the World, com 45 bangalôs no mar. Fica na Ilha de Pangkor, ao norte de Kuala Lumpur.
- O Avani Sepang Goldcoast Resort é famoso por ter os mais baratos bangalôs flutuantes do mundo. Tudo bem que são muitos – 392 (!) – e que as águas nesse trecho de litoral, entre Kuala Lumpur e Malaca, não é o azul-turquesa em vários tons de outros trechos do país, mas…
- O Lexis Hibiscus Port Dickson fica um pouco mais ao sul do Avani e é ainda maior – são mais 500 bangalôs em estilo mais moderno que rústico. E também é uma barbada. Ali, os mais simples bangalôs sobre as águas têm painel de vidro no chão para observar peixinhos e, na varanda, uma piscina privativa com sauna.
MALACA
FICAR E COMER
Cheio de personalidade, o Majestic Malacca é uma mansão de 1920, antiga residência de um negociante chinês. Seu restaurante, o Melba at the Mansion, tem cardápio assinado pela chef Melba Nunis e sua gastronomia malaca-portuguesa. Viajantes mais econômicos vão amar o Heeren House, charmoso casarão histórico muito bem localizado. Para uma refeição despretensiosa à beira-rio, vá ao The River Café. Para drinques e agito, vá ao charmoso The Geographer Café no coração de Chinatown.
GEORGE TOWN
FICAR E COMER
O Seven Terraces ocupa casas históricas em uma linda rua do Centro antigo. Cuidadosamente restauradas, virou um dos hotéis mais charmosos da Ásia. Já o Ren I Tang é uma antiga farmácia de medicina chinesa transformada em pequeno hotel econômico. Para comer em George Town, nenhum restaurante vai superar a comida de rua.
O site mypenang.gov.my traz recomendações de vários lugares, além de possibilitar o download do superútil miniguia Penang Street Food, um verdadeiro mapa do tesouro.
PULAU PERHENTIAN
Em Perhentian Besar, o Tuna Bay Resort tem 46 bangalôs de frente para o mar e uma vista linda para a ilha vizinha. Na mesma ilha, o Reef Chalet conta com 12 chalés ainda mais simples, mas que ficam em um trecho também ótimo da praia.
Prepara
Quando ir? Em Kuala Lumpur, o clima (quente e úmido) não muda muito durante o ano, com menos chuvas em junho e julho. A época boa para a costa oeste é de novembro a fevereiro. Para a costa leste, vá entre março e novembro.
Dinheiro: o ringitt malaio (MYR 1 = R$ 0,81).
Língua: o idioma oficial é o malaio (Bahasa Melayu). O inglês é a segunda língua. Além de mandarim, cantonês, árabe, tamil e dezenas de dialetos.
Comunicação: Há bom wi-fi até nos hotéis simples. Vale comprar um chip pré-pago, encontrado até nos 7 Eleven. Os da Hotlink custam MYR 35 por um plano de 5 GB, válido por um mês.
Fuso: +11h
Transporte: Em Kuala Lumpur, o Klia Express vai do aeroporto ao Centro em 28 minutos. Se estiver em trânsito, compre bilhete de ida e volta, por MYR 100 (US$ 22). Os voos locais são baratos; os ônibus, confortáveis; e as estradas, boas.
Documentos: Brasileiros não precisam de visto para ficar até 90 dias. É necessário passaporte com validade de seis meses e certificado de vacinação contra febre amarela.
Como chegar? Não há voos diretos do Brasil a KL. As melhores conexões: Qatar, via Doha; Emirates, via Dubai; Turkish, via Istambul; e KLM, via Amsterdã.