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Como funcionam os ashrams, os centros de retiro espiritual da Índia

Ioga, meditação e gurus: veja o que encontrar nestes lugares

Por Laura Capanema
Atualizado em 16 dez 2016, 07h44 - Publicado em 15 dez 2014, 18h34

A expressão “efeito Índia” define o curioso fenômeno coletivo em que turistas saem pelo país colecionando xales coloridos, saias com estampas de elefante, calças à la Jeannie É um Gênio, sempre distribuindo “Namastês” (a saudação local).

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Para vê-los reunidos, basta pisar num ashram, centro de retiro espiritual onde qualquer gringo se veste como um local, come como um local, venera um guru local. Para além do lado insólito da coisa, os ashrams estão bem no centro da explosão de um tipo de turismo no qual o que se busca é uma jornada interior, às vezes mais espiritualizada, às vezes mais secular – mas quase sempre vista como uma oportunidade de respirar fundo, de aquietar a mente.

A Índia é pop

Os ashrams alcançaram as cabeças ocidentais em 1968, quando os Beatles chegaram a Rishikesh, cidadezinha indiana aos pés do Himalaia. O mundo lá, na crista da contracultura. E John, Paul e Ringo, encabeçados por George, seguindo o guru Maharishi Mahesh Yogi, o nomão da meditação transcendental. A vida da maior banda do mundo em terras indianas deu em caos. Ringo debandou na segunda semana; Paul, no primeiro mês. John se empirulitou também – teria escrito a música Sexy Sadie para o guru, que se dizia celibatário, mas na prática não controlava seus instintos primitivos.

Ainda assim, George insistiu em que a Índia, “com a ioga, a meditação e todas essas coisas”, abriu “a porta de sua consciência”. E o negócio explodiu: Rishikesh ganhou dezenas de ashrams e virou a capital da ioga. Maharishi morreu bilionário, em 2008. A Índia foi invadida por ocidentais.

Steve Jobs e a escritora Liz Gilbert estiveram por lá, buscando boas inspirações para criar a empresa mais valiosa do mundo e um baita best-seller. E mais gente, muito mais gente. A motivação é quase sempre a mesma: olhar para dentro de si. O fato é que poucos voltam desencantados. É comum ouvir fases como “a experiência é transformadora”.

Beatles e o guru Maharishi Mahesh Yogi, em Rishikesh, Índia, 1968 Os Beatles e o guru Maharishi Mahesh Yogi, em março de 1968

Como funcionam os ashrams

Cada ashram é território de um guru com pregação, estilo e motivação particulares. Muitos levam vida simples e contemplativa, outros andam em carrões e defendem que a iluminação não depende de renúncia material.

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Há centros para todos os perfis de viajante. É possível achar ofertas de elevação em quartos cinco-estrelas, acomodações básicas com trabalhos comunitários e até propostas sexualmente liberalizantes, que pedem teste de HIV aos hóspedes e promovem meditações “ativas”.

Muitos ashrams têm lojinhas de suvenires – pense em barbudos estampando barras de cereais, bolsas e shakes de emagrecimento. E não se limitam a Rishikesh – estão em todos os estados. A maioria fala de filosofia hindu, mas não segue religião específica. Juntos, são o sumo da nova espiritualidade, em que se montam combos particulares de crenças, cultos, objetivos, expectativas. E até os ateus vão.

Olha o trem

Vale muito fazer pelo menos um trecho da Índia de trem. Os indianos dizem que a melhor herança dos ingleses foram seus 63 mil quilômetros de ferrovias (a quarta maior malha do mundo). Sem elas, o país pararia. Os turistas costumam viajar de primeira classe, que não sai caro. Compre passagens no hotel ou em agências de viagens. Os guichês das estações são bem confusos. Há também o Maharaja’s Express, um trem de luxo com mordomo que passa por várias cidades. Compre pelo site.

 

De busão e avião

Também dá pra rodar tudo de ônibus. Pesquise com a RedBus, ótima buscadora online. Para voar, considere a Jet Airways, a melhor companhia aérea do país, seguida da Air India e da IndiGo.

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Minha experiência nos ashrams

Em Amritapuri, no estado do Kerala, no sul, passei uma tarde no centro de uma divindade feminina, a Amma, a famosa “Guru do Abraço”. Todo o seu poder estaria concentrado em sua maneira de segurar alguém nos braços. O ashram é um complexo de prédios de cor ocre perto do mar, e qualquer um pode chegar e pegar um quarto. A regra é “não recusar hospedagem a ninguém”.

Entre as atividades, duas horas por dia de trabalho comunitário (lavar os pratos, servir os visitantes, organizar as filas do abraço), ioga, meditação e palestras sobre os benefícios das práticas. Todos se vestem de branco, e a imensa maioria é gringa, entre jovens, senhores e casais com bebês no carrinho.

O ashram reúne mais de 2 mil pessoas por dia, população que cresce em 40% quando a Amma está em casa. Dei sorte: ela estava lá. A superdedicação impressiona – há dias em que ela passa 15 horas abraçando os devotos. Fiquei duas na fila para ganhar o meu abraço, ao som de belíssimos cânticos. Não senti nada muito diferente. Mas, como é comum em grandes concentrações de fiéis, é uma experiência forte.

Amma, a Guru do Abraço, de Kerala, Índia, abraça pessoas em Nova York A guru do abraço, em um sessão especial em Nova York, em julho de 2012

Mas eu ainda queria me hospedar num ashram. Segui para Rishikesh, cidade dos Beatles. Lá fui para o Parmath Niketan, complexo de mais de mil quartos, que existe desde 1940 de frente para o Ganges (que por ali corre translúcido).

O guru atual, o moderninho Pujya Swamiji, que tem mestrado em filosofa e fala diversas línguas, infelizmente não estava lá. A diária de US$ 8 garante acomodação simples com três refeições diárias, e pode-se ficar quantos dias se desejar.

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Um papel no mural da recepção informa a programação, bem parecida com a do ashram da Amma. Mas ali havia mais indianos, e o esquema era “liberal” – sem trabalho comunitário nem obrigação de participar de tudo. Frequentei as aulas de meditação da tarde (a primeira sessão do dia, 5 da manhã, era cedo demais).

A dedicação de alguns impressionava: tinha gente que ficava três, quatro, cinco horas em posição de lótus. Eles faziam o “om” e pareciam voar num tapete mágico. Não consegui a proeza, mas gostei da vibe de paz.

Só me incomodava com o cartaz que pedia “silêncio absoluto” no refeitório. Uma mudez desconcertante, em que só se escutava o barulhinho das colheres dos estrangeiros batendo nos pratos de metal (os indianos comiam com as mãos). Outro cartaz com a foto de Krishna pedia para não desperdiçarmos comida diária: pão, arroz, lentilha e legumes cozidos. Alguns meditavam até depois de comer, ali mesmo.

No último dia fiz uma pequena enquete para saber por que as pessoas estavam lá. Falei com nove. A resposta “Quero me conectar comigo mesmo (a)” foi dita cinco vezes. Aksel, indiano de Bangalore, completou: “Cada alma é potencialmente divina, e temos de aprender isso”. Maria, uma inglesa, disse que “estava feliz, mas não aguentava mais o banho de balde”. Às 21 horas as luzes se apagavam e os hóspedes se recolhiam. Ao fim, três dias dormindo cedo e meditando me fizeram bem, é claro. Mas é preciso mais tempo, e mais dedicação, para sentir os efeitos reais daquele planeta.

Experiência Ananda — Um spa cinco-estrelas. Ou um ashram sem guru

No meio da cordilheira, 40 minutos morro acima de Rishikesh, está o Ananda at Himalayas (diárias desde US$ 400), o único spa da Índia que é também um destino – as pessoas se deslocam horrores só para ficar lá. Oprah Winfrey já foi duas vezes, Michael Moore fez um detox, Rick Martin tinha acabado de ir embora quando eu cheguei.

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Não é apenas um spa: é um imenso resort com um cardápio de ioga, meditação, alongamento, palestras sobre a cultura hindu e mil terapias holísticas num entorno verde de babar. O grande momento são as massagens, como a Ananda Fusion, mistura de técnicas orientais que incluem óleos aromáticos e paninhos quentes, e a Abhyanga a quatro mãos, essa coisa fantástica aí da foto embaixo. A experiência do Ananda é como estar em um ashram ultraconfortável, mas sem guru. Porém, a vibe é… de iluminação total.

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Revista Viagem e Turismo — julho de 2014 — edição 225

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