A cerca de uma hora e meia de Lisboa, já próxima à fronteira com a Espanha, a região de Reguengos de Monsaraz, no interior profundo do Alentejo, tem se tornado um feérico destino de peregrinação para aqueles que querem conjugar tranquilidade com boa comida em uma das zonas mais emblemáticas de Portugal. O tempo alentejano tem outro compasso entre os sobreiros – árvores de onde se extrai a cortiça e que formam os montados – e a culinária local, conhecida por sua devoção gulosa ao porco e aos ingredientes que brotam da terra.
Não à toa o famoso chef português José Avillez decidiu abrir sua nova empreitada, a Casa Nossa, ali, às margens do lago artificial Alqueva: uma residência de luxo instalada em uma herdade com 65 hectares de paisagem natural que é um misto de alojamento com restaurante, em que as refeições são todas geridas pela equipe do chef, que também organiza provas de vinhos e outras atividades.
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O potencial gastronômico da região, entretanto, começou a ser trabalhado muito antes (há pelo menos uma década), por projetos como a Herdade do Esporão, vinícola pioneira em apostar na combinação tranquilidade e culinária que rendeu ao restaurante próprio uma estrela Michelin — sem que, para isso, o jovem chef Carlos de Albuquerque tivesse que recorrer a trufas, caviar, nem nada disso. Bastou a ele olhar para o entorno, de onde vêm quase todos os ingredientes que usa em sua cozinha regional ao mesmo tempo rústica e elegante.
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Mas é uma propriedade local que há 200 anos segue nas mãos da família de José António Sousa Uva que está ajudando a transformar, por meio do turismo e da arquitetura, o potencial de descanso e de hedonismo à mesa da região a partir de uma antiga fazenda atualizada para o século 21:
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São Lourenço do Barrocal
Com a assinatura do arquiteto português e vencedor do Pritzker Eduardo Souto de Moura, a herdade transformou-se no hotel rural de luxo moderno e discreto São Lourenço do Barrocal: são 22 quartos espaçosos, duas suítes e 16 chalés separados, além de spa, restaurante, loja e bar.
Tudo isso sem esquecer seu passado agrícola — foi uma das fazendas mais prósperas do Alentejo até o processo de nacionalização que tomou o país durante o regime salazarista. Ali, dezenas de famílias em esquema de cooperativismo se dedicavam à produção de vinho, azeite e outros produtos.
Ainda bem que esse passado se manteve preservado. Quase tudo o que é servido — do café da manhã aos coquetéis do charmoso e discreto bar montado ao lado da imponente recepção — vem das hortas e das plantações da propriedade: dos 760 hectares de área, 560 deles são voltados para a produção. Há enormes oliveiras centenárias, vinhas recém-plantadas, animais pastando livremente e até espaços exclusivamente dedicados à apicultura, em uma busca de equilíbrio do ecossistema com produção 100% orgânica.
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Tudo foi pensado para respeitar e valorizar a produção agrícola da herdade. Antigos edifícios originais da propriedade foram modernizados com sensibilidade para se transformar nas áreas comuns do hotel. Onde hoje está o restaurante principal funcionava um antigo canil para os cães de caça. Já a loja, que vende desde produtos portugueses até os vinhos produzidos localmente, está localizada onde costumava ser o galinheiro. Tudo foi reaproveitado respeitando o legado agrícola do Barrocal, algo que transparece também nos menus supervisionados pelo chef executivo Celestino Grave.
Receitas tradicionais alentejanas fazem parte dos pratos oferecidos aos visitantes — tanto os hóspedes quanto aqueles que estão de passagem, mas que têm a chance de comer nos restaurantes ou aproveitar os drinks do bar sentados em cadeiras sob aquele que é considerado o céu mais limpo e estrelado de todo Portugal. Um luxo ao alcance de todos.
Entre o que é servido, há escabeches avinagrados (como têm de ser), bochechas de porco cozidas lentamente e entradas a partilhar feitas com os vegetais que são colhidos pouco minutos antes de irem para a brasa. Em um dos restaurantes, o Hortelão, tudo é feito no fogo em uma cozinha aberta em volta da horta: não há geladeira nem fogão.
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Queijos e embutidos locais feitos de porco preto alimentados por bolotas integram as sugestões, até mesmo no café da manhã — que foge ao esteriótipo “internacional” que infelizmente dominou os hotéis, com “avocado toasts” e congêneres. No São Lourenço do Barrocal, os cozinheiros inspiram-se na cozinha tradicional alentejana com pratos deliciosos e aparentemente simples, como gaspachos (para combater os dias de calor), ensopados lentos, migas alentejanas, peixes de água doce e sobremesas criadas com frutas e ervas locais, como a poejada — um saboroso e fresco doce de poejo com maçã verde.
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Os dois séculos de herança vinícola honram a produção dos rótulos atuais, com variedades nativas, incluindo Roupeiro, Alicante Bouschet e Touriga Nacional, aliados a inovações de blends com outras castas francesas. A amplitude térmica da região — com noites mais frescas a partir da brisa que sopra do Alqueva, o maior lago artificial da Europa, a poucos quilômetros de distância — ajuda a produzir vinhos frescos e com boa acidez. Repousando também em tanques de granito e argila, os vinhos chegam a levar 48 meses para chegar ao mercado: o tempo, aqui, é parte do processo e uma característica regional.
A mesma arraigada herança também é traduzida nos azeites, a partir de olivais já aclimatados para um clima menos mediterrânico e mais semi-árido, onde as variedades galega e bical são produzidas em rótulos individuais ou em um equilibrado blend. São mais de duas toneladas de azeitonas colhidas a mão todos os anos, em uma produção artesanal que busca fazer chegar nas garrafas o líquido dourado e mais fresco possível.
Interessante que os produtos do campo estão tão integrados no DNA do Barrocal que eles se tornaram parte da programação oferecida pelo hotel: degustações e provas de vinhos e azeites, assim como experiências no apiário integram os roteiros oferecidos aos hóspedes além da observação de estrelas, passeios a cavalo e oficinas infantis na horta.
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Ali, onde o passado rural impõe o ritmo da natureza que em nada combina com a pressa dos nossos dias atuais, a paisagem ensolarada pontuada por sobreiros, oliveiras e carvalhos em que cavalos selvagens pastam nos prados com vista para Monserraz — o tradicional povoado fortificado com um castelo imponente no topo da colina —, o Barrocal é um convite a dias para serem vividos devagar em um cenário idílico, com os pés na grama em frente à piscina construída em meio aos prados, com taça de vinho na mão e estômago cheio.
Para mais dicas, me siga no @tononrafa
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