Para um texto de estreia, talvez eu devesse ter começado com um título um pouco menos frontal e lacrador. Mas se é para construir uma boa relação com quem veio até aqui cheio de boa vontade para ler as minhas linhas tortas, a honestidade deveria ser a base da nossa confiança mútua, certo? Então prometo, desde o princípio, dizer a verdade, nada mais que a verdade. Doa a quem doer (e espero que não haja nenhum napolitano por aqui).
Por isso, repito: a melhor pizza do mundo não está em Nápoles, a cidade onde a receita italiana mais famosa do mundo nasceu e se desenvolveu, se espalhando depois por todo o planeta. A opinião não é (só!) minha: para Faith Willinger, por exemplo, autora do reconhecido livro Eating in Italy, para saborear a melhor pizza que ela já provou é preciso percorrer 50 km ao norte da capital da Campania e chegar até a pequena Caiazzo, uma aldeia de 4000 habitantes. Eu fiz esse caminho duas vezes e faria muitas outras para comer as preparações de Franco Pepe, o melhor pizzaiolo do meu mundo.
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Claro, preciso ser sincero mais uma vez (cumprir minha promessa): essa história de melhor pizza ou melhor pizzaiolo não existe. São falácias construídas para criar prêmios, listas marqueteiras e divulgação para os restaurantes. Até porque, em um mundo tão polarizado, seria impossível que todo mundo tivesse as mesmas opiniões.
Mas nos centremos nas tais listas: no mundo das pizzarias, a mais importante delas é a 50 Top Pizza, que elege um ranking com cinco dezenas de estabelecimentos pelo mundo. Nos últimos dois anos, o número 1 ficou com a I Masanielli, em Caserta, a 30 quilômetros de Nápoles, este ano empatada com a Una Pizza Napoletana, situada, veja só, em Nova York. Nenhuma delas em Nápoles — eu disse!
Há, entre outras melhores pizzas do mundo, estabelecimentos de Londres, Portland, Dubai e Tóquio, cidade onde uma nova leva de pizzaioli está se aperfeiçoando — e superando, em alguns casos — as técnicas que aprenderam com mestres napolitanos. Quem tiver planos de ir à capital japonesa, agora que o país reabriu ao turismo, não deixe de provar as redondas da Pizza Strada, da PST e da Pizza Dada (1-11-2 Yukinoshita, Kamakura-shi, Kanagawa-ken, +81 80 2338 1127, não tem site).
Mas voltemos a Franco Pepe, que já esteve algumas vezes no topo do ranking da 50 Top Pizza (2017, 2018 e 2019), e cujas mãos fazem a minha pizza preferida. No caso dele, aliás, são as mãos que garantem a massa perfeita — elástica e macia na medida — que acolhe as coberturas criativas. Pepe talvez seja um dos únicos pizzaioli do mundo que ainda faz a massa de forma manual.
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É um legado que veio com o pai, que inaugurou na década de 1960 a pizzeria Piazza Porta Vetere, no centro de Caiazzo (uma herança iniciada antes com o avô Ciccio com sua padaria aberta em 1938). Pepe aprendeu a abrir a massa, medir com a mão a temperatura do forno a lenha, conhecer o tempo exato em que a mistura de farinha, fermento e água assa por inteiro, tornando o corniccione (a borda) também perfeito.
Antes de se tornar o melhor Pizza Chef do mundo — reconhecimento que obteve no Best Chefs Awards, que criou em sua última edição um prêmio especial sob medida para Pepe — ele se desvirtuou da pizza. Passou anos dando aulas de educação física para crianças de uma escola local. A pizzaria da família era a sua casa. A mãe cuidava do salão; o pai, das pizzas. “Era um trabalho muito exigente, duro e pesado. Decidi seguir meu próprio caminho”, conta.
Mas ainda corria um sangue cor de molho de tomate em suas veias, o que o atraiu de volta a se dedicar às redondas. Em 2012, ele abriu a Pepe in Grani em uma charmosa mansão do século 18 que foi reformada com poucos investimentos. Pepe nasceu para a pizza: em pouco tempo, seu projeto se converteu em um espaço de culto para os amantes da receita tradicional — um feito e tanto para alguém que decidiu montar seu negócio afastado de Nápoles, o epicentro da receita.
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O beco estreito de San Giovanni Battista, onde está localizada a pizzeria, recebe hordas de visitantes todos os dias antes das 18h para ocupar as mesas do restaurante — há distintos ambientes, de salões internos mais introspectivos até as varandas onde é possível ver a paisagem idílica e montanhosa da região enquanto se degusta uma pizza feita com os ingredientes vindos dali. São cerca de 400 pessoas por dia, a metade do que recebia antes da pandemia, quando as mesas podiam estar mais próximas. Em um dia com poucos clientes, por exemplo, ele calcula fazer mais de 800 pizzas.
Muitas delas nem tão tradicionais como as que ele servia na pizzaria do pai, que faleceu anos antes dele abrir a sua. Pepe traçou um caminho próprio, buscando inovar o que até então se conhecia como pizza: novos ingredientes, apresentações mais modernas e combinações menos ortodoxas. Em um universo em que pesa a tradição, a decisão custou algumas polêmicas e o fato de alguns pizzaioli virarem a cara para o seu trabalho. “Separar-me dos negócios da família não foi fácil e havia muita tensão; meus irmãos e eu paramos de nos falar. Muita gente criticava o que eu fazia”, conta.
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Mas o reconhecimento do público e da crítica ajudaram a projetar internacionalmente o nome de Pepe, o que fez muitos italianos (e até mesmo napolitanos) terem que engolir o seu trabalho. A modernidade aplicada à gastronomia na Itália sempre foi um desafio. No mundo da pizza ainda mais, já que em Nápoles basicamente existem dois sabores: margherita e marinara.
Para Pepe, é uma questão de olhar para o passado para desenvolver o futuro. Uma de suas pizzas autorais é a Margherita Sbagliata, em que os ingredientes tradicionais estão ali (tomate, mozzarella, manjericão), mas apresentados de uma forma mais moderna, como por exemplo os tomates, que são colocados em pequenos riscos de pasta vermelha alinhados sobre o disco, criando um desenho bem inovador. Ou quando ele usa damasco da região para criar pizzas doces, ou fritar bolas de massa recheadas com queijo e finalizadas com pó de azeitonas cultivadas por pequenos produtores de Caiazzo — a massa fofa e cortada ao meio abraça o queijo derretido com o pó dando mais potência de salinidade à receita.
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Pepe é um obstinado em aprimorar o que serve: desenvolveu com uma empresa local uma farinha exclusiva e mais fina que usa para fazer a massa leve e fofa de suas pizzas (cuja receita é um segredo guardado por quatro homens, dois da família e outros dois braços direitos de Pepe). Recentemente, fez uma parceria com o Comitê da Associação Italiana para Pesquisa do Câncer para comprovar que umas fatias podem ser tão saudáveis quanto um prato de comida.
Franco Pepe é o homem que decidiu criar seus próprios caminhos além da pizza napolitana mais tradicional. Aposto que a fila de pessoas que querem provar deve ter aumentado exponencialmente desde que o episódio com ele da temporada sobre a pizza, no Chef’s Table, recém-lançado pela Netflix, foi ao ar. Prova de que Pepe conseguiu mostrar que existe vida além de Nápoles — e do hype em torno de endereços como o Da Michele, que virou febre depois que Liz Gilbert colocou-o no radar no livro Comer, Rezar, Amar.
Pepe in Grani
Vico S.Giovanni Battista. 3
81013 Caiazzo
O site do Pepe in Grani traz link com o horário de funcionamento e também informação sobre trem e ônibus entre Nápoles e Caiazzo. Para quem não quiser voltar para Nápoles depois de comer, é possível passar a noite em um casarão de 1700 onde Pepe reformou dois quartos. No dia seguinte, a pedida é fazer tour por vinhedos e outros produtores da região; informe-se aqui.
Veja outras viagens que eu fiz no meu Insta @tononrafa