Rio que Shake

As descobertas, as furadas, as novidades e o eterno do Rio e cercanias por Letícia Sorg. Paulista do interior que vem "cariocando" há 3 anos
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Dias Ferreira, Leblon: encara ou foge?

A rua, que já era famosa por seus restaurantes, ganhou uma notoriedade que colocou em xeque sua fama

Por Leticia Sorg
Atualizado em 14 dez 2020, 14h18 - Publicado em 14 dez 2020, 13h28

Para muitos, ela ficou conhecida como a rua onde a vacina contra covid-19 já chegou. Só isso para explicar a galera aglomerada sem máscara desde o dia em que o primeiro bar reabriu no Rio. Para outros, entrou no imaginário com o famigerado barraco do Leblon. Garrafa d’água voadora, mulheres de biquíni, sopapos e um conversível com som alto. Nenhum dos dois casos depõe a favor da rua mais movimentada de um dos mais tradicionais bairros cariocas. E ambos colocam uma pergunta que, há alguns anos, seria impensável: a Dias Ferreira é um programa imperdível ou uma furada?

A fama da rua não nasceu por ela ligar o Leblon à Gávea, dois bairros que, no início do século passado, eram só dois pontos longe do centro. Mas por sua vocação comercial, com lojas, lavanderias e… restaurantes. A matriz do La Mole, que virou uma instituição carioca, já está ali desde 1958. O Galeto, que apareceu na década de 1970, durante a pandemia ganhou até uma reforma e mesinhas na calçada. Em 1982, surge o Celeiro, em que o preço da salada inclui a presença de um global – a minha foi Letícia Spiller. E, em 1986, o Sushi Leblon, que instalou uma cobertura metálica sobre a fachada de vidro, talvez para proteger a privacidade dos clientes famosos. Até Madonna já passou por ali! 

Fachada do Sushi Leblon após reforma: mais privacidade
Fachada do Sushi Leblon após reforma: mais privacidade aos clientes famosos (Letícia Sorg/Reprodução)

Interessante notar que esses dois restaurantes vieram muito antes da onda de naturebas e japoneses invadir a gastronomia e pouco depois da inauguração da Livraria Argumento, em 1979. O empreendimento, que ocupou dois números na Dias Ferreira, tornou-se um endereço importante da comunidade intelectual. Celso Furtado, João Cabral de Mello Neto, Caio Fernando Abreu, Barbara Heliodora e José Mindlin fizeram ali suas noites de autógrafo.

Não é preciso dizer que, quanto mais fluxo, mais comércio. E que pessoas, especialmente intelectuais, puxam bares como bolinhos fritos puxam chope. E assim foi tomando forma a atual alma da rua: a vida noturna.

Não que não haja opções diurnas, como a Pain Perdu, para o café da manhã, ou a Momo Gelato, na medida para a tarde. Ou ótimas opções para almoço ou jantar, como o contemporâneo Quadrucci, o carnívoro CT Boucherie, parte do império de Claude Troisgros, o simpático Massa (recomendo o fideuá com camarão e molho de moqueca) e o variado Nola, onde eu poderia almoçar todo dia – confesso.

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Para todos os gostos

É do entardecer em diante que o cenário se transforma. E o Embalo, único pé-sujo na rua, com cerveja barata, batidinha e churrasquinho na calçada, é testemunha dessa transformação desde 1968. Do seu tradicional balcão viu surgir um pouco mais adiante o fervo Belmonte. O bar originário do Flamengo e famoso pelos petiscos (a empada de camarão e muuuuito catupiry é obrigatória) abriu em 2002 sua filial lebloner. E desde então só vem agregando público. 

Tem desde famílias, grupos em happy hour e solteiros em geral (quando cheguei à cidade, me disseram que ali era um famoso “meat market” carioca). Certeza de lotação em dias de jogo do Flamengo – informação especialmente relevante em tempos de pandemia – e alvo constante de ações da polícia contra aglomerações. Do outro lado da rua, há ainda as cervejas artesanais do Brewteco (que acaba de abrir uma filial na Gávea) e a tradição do Colinda. 

Boa Praça, de São Paulo, revitalizou a Praça Cazuza e trouxe multidão polêmica para a Dias Ferreira
Boa Praça, de São Paulo, revitalizou a Praça Cazuza e trouxe multidão polêmica para a Dias Ferreira (Letícia Sorg/Reprodução)

Mas é preciso reconhecer que o principal empurrão na popularidade da Dias Ferreira veio de… São Paulo. O arrumadinho Boa Praça, aberto em maio de 2019, renovou a Praça Cazuza, abandonada há uma década. Iluminada e bem cuidada, a esquina virou um convite à ocupação. E, antes da pandemia, o clima era de bloco de carnaval – para o bem e para o mal. Com cerveja comprada na banca de jornal (?!) ou de um dos vários ambulantes.

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Não que tenha mudado muito com a pandemia, mas a resposta dos barzinhos próximos foi “institucionalizar” a ocupação das calçadas. Com mesinhas delimitadas por estruturas metálicas e um certo ar de organização. É o que acontece no Stuzzi, que combina ótimos petiscos com drinques deliciosos e um atendimento atencioso. Na Ferro e Farinha, filial da melhor pizza do Rio, segundo a Veja Rio. No Iara Mar e Bar, irmão do Canastra e alegria de queijólatras como eu. No Garoa, da turma dos bons drinques, no Esch, que reúne os amantes de charuto. No variado Gusto, no japonês Togu ou no bar de tapas Venga (que fica ao lado do Embalo, lembra?!).

Mesmo com essa lista de perder o fôlego, certamente deixei passar várias opções. Como o Sabor D.O.C, especializado em carnes. O bar português Rainha (e suas viciantes empadas de camarão). E o novinho Liz, que, fora do trecho de maior burburinho e a despeito da pouca idade, conseguiu ganhar o título de melhor carta de drinques do Rio. Por falta de competição, como se vê, é que não foi!

Diante dessa lista extensiva – que denuncia o quanto já andei por aquelas calçadas – pode-se saber que a minha resposta para a Dias Ferreira é: vale! Nem que seja para ver no que dá a mistura de aficionados por charutos com quem bebe drinque no copo de plástico e saca uma caixinha de som tarde da noite. Com todos os tipos de clientes e estabelecimentos no meio disso tudo. 

É uma experiência completa. Sem contraindicações. Depois da vacina, claro.

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