O assédio começou antes mesmo de eu pisar no Egito. O primeiro sinal de alerta aconteceu ainda no Aeroporto de Istambul, na fila do check-in do voo que me levaria dentro de algumas horas para Hurghada, um balneário do Mar Vermelho. Um grupo de egípcios que estava logo em frente me encarava obcecadamente — a ponto de eu me sentir coagida a virar de costas, escondendo-me atrás do mochilão que eu despacharia na sequência.
Àquela altura da minha viagem (eu já tinha passado por Israel e Turquia), estava ciente de que o mochilão em si costumava atrair olhares curiosos. Ao mesmo tempo, já tinha ouvido e lido relatos de mulheres que passaram por maus bocados em países do norte da África, como o Marrocos e o próprio Egito. Sem concluir nem uma coisa, nem outra, embarquei.
A situação ganhou contornos mais ameaçadores na chegada a Hurghada. A fila andava relativamente rápido até chegar a minha vez. Entreguei o passaporte ao agente de imigração, que alternou o olhar entre mim e a foto repetidas vezes. Finalmente, ele carimbou o papel e fez menção de me devolver o passaporte. Quando estendi a mão para pegá-lo, porém, o policial recolheu o braço para que eu não alcançasse o documento. Ele repetiu a “brincadeira” algumas vezes, me fazendo sentir ridícula e impotente, até finalmente me liberar.
No entanto, antes de deixar de vez o aeroporto, os passageiros precisavam passar por um detector de metal e as malas, por um raio-X. Segui as instruções e nenhum dos equipamentos acusou que eu estivesse carregando algo proibido. Ainda assim, o policial responsável fez menção de que iria me revistar. Dei três passos para trás e falei firmemente que não deixaria ele me tocar. Se quisessem me revistar, que chamassem uma funcionária mulher. Não chegou a isso. Diante da minha reação, ele logo recuou com uma risadinha irônica e fez um gesto para eu fosse embora.
Hora de pegar o táxi para o hotel. Em dado momento da corrida, sentada no banco de trás do carro, reparei que o motorista ajustava o retrovisor de uma forma estranha, sem sentido, até. Quando ele acertou a posição que queria, entendi do que se tratava: ele tinha ajustado o espelho para conseguir me ver e, desde então, alternava o olhar entre a estrada e o meu reflexo no retrovisor. Foi assustador.
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Talvez você esteja pensando que tudo isso aconteceu porque eu estava viajando sozinha e, consequentemente, numa posição de maior vulnerabilidade. Mas não. Esse tempo todo eu estava acompanhada de um homem, meu então namorado e hoje marido. Talvez isso te choque ainda mais. Me choca também, principalmente ao imaginar o que poderia ter acontecido se eu estivesse de fato viajando sozinha. Mas há uma problemática por trás disso: seguindo a lógica do machismo ao qual o nosso cérebro está habituado, já pressupomos que uma mulher acompanhada de um homem seria tratada com o mínimo de respeito e que uma mulher viajando sozinha, não.
Na maioria das vezes, isso se aplica. Uma das estratégias comuns utilizadas por mulheres que viajam sozinhas é usar uma aliança falsa e/ou mencionar na primeira oportunidade que namora, que é casada, que o dito cujo ficou no hotel e já está indo te encontrar… Mas, pelo que aprendi no Egito, às vezes nem a presença física de um homem é o bastante para te garantir sossego viajando mundo afora.
Nos dias que se seguiram, continuei sendo encarada, abordada e até seguida nas ruas e atrações turísticas de Luxor, Abu Simbel, Aswan, Gizé, Cairo e Alexandria, entre uma e outra situação ainda mais absurda. Meu namorado não assistia a tudo aquilo impassível. Algumas vezes, ele usou os próprios braços para criar uma barreira entre mim e os homens que vinham para cima sem pudor. Alguns empurrões também se fizeram necessários para frustrar tentativas de encostar em mim ou pegar no meu braço. Mas eu e ele tentávamos reagir o mínimo necessário. Afinal, não estávamos no nosso país e os assediadores em questão geralmente andavam em grupos grandes.
Roupa nenhuma justifica um assédio. Ainda assim, acrescento aqui que era pleno inverno no Egito, onde faz, sim, frio: as temperaturas ficam entre 8ºC e 20ºC. Por isso, eu só andava com calças compridas e blusas de manga longa. Me permiti usar camiseta em um único dia, porque fazia calor e pretendia conhecer o lugar mais turístico de todo o país, as Pirâmides de Gizé, onde imaginei que esse tipo de roupa seria mais tolerado. Não chamei nem mais, nem menos atenção do que nas vezes em que usei mangas longas. Em certo dia, fiquei tão incomodada com os olhares que usei o lenço como as mulheres muçulmanas, cobrindo o cabelo – quem sabe não era isso que estava chamando tanta atenção? A tática não só não adiantou como pareceu atrair ainda mais olhares.
Em suma, eu não tinha paz. Por isso, costumo dizer que amei e odiei o Egito na mesma intensidade. Porque, sim, houve momentos incrivelmente positivos. Não só pela grandiosidade das Pirâmides de Gizé, dos templos de Abu Simbel, das tumbas no Vale dos Reis ou das ruínas de Karnak, mas também pelas pessoas. Com a mesma frequência em que eu era incomodada, também era abordada de forma simpática por locais que se aproximavam pedindo para tirar fotos comigo e perguntavam meu nome, de onde eu era, o que fazia da vida… Tirei inúmeras selfies com crianças, adolescentes, mulheres e idosos. Algumas vezes, pedia para repetir a foto com o meu celular, para guardar de recordação.
Perde-se muito fazendo generalizações. Por isso, acho importante enfatizar que o que eu passei no Egito não é regra entre países de cultura árabe ou de religião muçulmana. Digo por experiência própria — e pretendo escrever sobre isso aqui no futuro. Por outro lado, também vivi um episódio bizarro e constrangedor na imigração dos Estados Unidos. Prova que os desafios de viajar sendo mulher aplicam-se tanto ao Oriente quanto ao Ocidente. Seguimos.