Longe vai o tempo em que vinho português, no Brasil, era sinônimo de Periquita, o clássico da vinícola José Maria da Fonseca, e nada mais. Ou, mais recentemente, de Casal Garcia. Há anos que boas garrafas do Alentejo, do Douro e de outras regiões menos conhecidas do país enchem os olhos e as prateleiras das importadoras, dos restaurantes, dos supermercados. Mas você conhece as castas tipicamente portuguesas? Melhor ainda: sabe como combiná-las com pratos brasileiros? Em busca dessas respostas, entrevistamos Alexandre Relvas, um dos nomes por trás da Casa Relvas, vinícola localizada nos arredores de Évora, no coração do Alentejo.
Produtora de cerca de 6 milhões de garrafas por ano, a Casa Relvas destina 65% deste montante para exportação, rumo a 30 países – sendo o Brasil um de seus principais mercados. Ciconia e Herdade de São Miguel estão entre seus vinhos mais conhecidos no país. A seguir, Alexandre, formado em viticultura em Bordeuax, na França, fala sobre a nossa relação com os vinhos da Terrinha e dá boas dicas de combinações perfeitas:
Como é a relação do brasileiro com o vinho português?
O vinho português tem uma relação histórica com o povo brasileiro, relação que está cada vez mais forte nos últimos anos. O Alentejo em particular é uma das regiões portuguesas preferidas. O que o brasileiro aprecia nos vinhos desta região é a sutileza dos taninos, os aromas frutados e o excelente custo benefício que estes vinhos normalmente apresentam.
Que dicas você daria a quem não conhece o mercado de vinhos portugueses e quer começar a conhecê-lo? Por onde começar?
Portugal é um país bastante complexo quando se fala de vinhos, a nossa enorme quantidade de castas, diversos climas e muitas regiões fazem de Portugal uma ‘’Disneylândia’’ para os enólogos. A minha sugestão seria sempre começar por conhecer e degustar as nossas principais castas, tais como a Touriga Nacional, Touriga Franca, Trincadeira e Aragonez… tentar entender as castas e a forma como elas se comportam nas diferentes regiões.
Alguma dica especial do que escolher e como beber em virtude do clima e das altas temperaturas brasileiras?
O Brasil é dos países, que eu conheço, que melhor trata o vinho no que diz respeito ao acondicionamento e serviço. As adegas na maior parte dos restaurantes e o trabalho que a ABS (Associação Brasileira de Sommeliers) fez na formação de profissionais nos últimos 20 anos são sem dúvida exemplos a seguir, até para muitos países produtores como Portugal. Neste momento, os tintos ainda são os líderes de venda no Brasil, mas os brancos e rosés começam a ganhar mercado, o que no meu ponto de vista é normal, devido ao clima e ao espírito descontraído do povo brasileiro.
Como harmonizar o vinho português com as comidas típicas brasileiras?
A culinária brasileira é de uma riqueza incrível, mas algumas comidas não são fáceis de harmonizar com vinho devido à mistura e intensidade de sabores.
Vou citar alguns exemplos…
Feijoada: embora concebido de diferente forma, é um prato também muito típico de Portugal. Harmoniza bem com vinhos mais encorpados e com taninos mais vivos, com algum estágio em madeira. Dos nossos, sugiro o Herdade São Miguel Reserva Tinto.
Moqueca de peixe: é um prato que, pela sua complexidade de aromas e sabores, é mais difícil de harmonizar, contudo um vinho branco com acidez média, sem grande exuberância aromática e com boa estrutura/corpo, pode ser a escolha certa. A minha opção da Casa Relvas seria o Herdade São Miguel Esquecido ou um Chardonay com estágio em barrica e alguma idade.
Frango ao molho pardo: este prato também tem alguma influência portuguesa. Dependendo do apuramento da receita, pode ir bem com diferentes vinhos. Se for mais apurado e apimentado, um vinho tinto mais jovem, de tanino suave, frutado e com mais doçura pode ser a opção correta – caso do nosso Ciconia Tinto ou do Barricado Tinto. Se a opção for a de fazer um molho menos apimentado pode harmonizar bem com um vinho um pouco mais complexo, com algum corpo e tanino, mas sem exagero – a minha escolha seria o Herdade de São Miguel Colheita Seleccionada Tinto.
Churrasco: se for churrasco simples, com grelhados rápidos, a minha escolha seria um rosé bem seco, aromático e com algum corpo e acidez – talvez o nosso Herdade de São Miguel Rose. Se for um churrasco gaúcho, de grelha longa e carnes mais gordas, sem dúvida escolheria um tinto mais intenso mas com taninos suaves e fácil de beber – porque não o Herdade de São Miguel Pé de Mãe?
E em relação aos doces?
Com o brigadeiro eu iria para um vinho licoroso intenso e com boa acidez. Se o brigadeiro for mais intenso, um vinho do Porto da classe dos Ruby, por exemplo o Poças Ruby; se o brigadeiro for menos intenso, um vinho do Porto da classe dos Tawny, mais complexo e com menos intensidades.