Há anos eu sonhava conhecer o Parque Nacional da Peneda-Gerês, ou simplesmente Gerês. Sempre nutri uma simpatia extra por este canto português intocado, pouco conhecido do resto do mundo e dono de alguns dos cenários mais lindos que eu já tinha visto na vida. Então veio a pandemia e o meu desejo de mato ficou mais, digamos, latente. Conversando com um casal brasileiro amigo descobrimos que eles também tinham o parque natural no topo do ranking dos sonhos em Portugal. Tudo parecia se encaixar. Foi então que marcamos a data para umas férias que eu imaginei tranquilas: cinco dias na última semana de agosto.
Passei dias vasculhando blogs, guias, matérias de revistas de viagem. Fiz uma apresentação em PDF reunindo tudo o que eu tinha encontrado de mais imperdível: cascatas, trilhas, vilas perdidas no tempo, restaurantes, ângulos especiais. Comecei a seguir a #geres. Dormia e acordava sonhando com o Gerês. Na mala, tênis, shorts de ginástica e uma indumentária adquirida especialmente para este fim (os anos que me separam de uma academia começaram a fazer falta já na separação da roupa). E então chegou o dia.
As quatro horas e pouco que separaram Lisboa da nossa tenda de glamping à beira-rio foram passadas em longas conversas sobre a transparência surreal da água, os mergulhos que daríamos, os caminhos mais bonitos que seriam percorridos com louvor, as fotos e a sequência de programas que faríamos animadíssimos a partir do dia seguinte. Mal fizemos o check-in e corremos para a praia de lago em frente ao hotel. Não sei se consegui disfarçar minha decepção por ter esquecido meu sapato de mergulho na tenda (daqueles com sola de borracha para andar dentro da água). Desde criança eu nunca gostei da combinação pisos gosmentos e água turva, mas aquilo não haveria de ser nada. Me joguei.
A programação do dia 1 de exploração do Gerês foi decidida nos mínimos detalhes. Sairíamos cedo rumo à fronteira com a Espanha. Passaríamos pela Mata de Albergaria, classificada como Reserva da Biosfera pela Unesco, e daríamos o primeiro mergulho na Cascata Portela do Homem, sempre na lista das top 5 do Gerês. Eu não sei em que planeta estava quando imaginei que este ano, por causa da pandemia, a região estaria tranquila. Ledo engano. O trânsito intenso na estradinha estreita já denunciava a multidão. Mais uma vez, pensei: aquilo não haveria de ser nada. Me joguei.
Minha alegria não durou nem cinco minutos depois de começar a andar pela trilha que dá acesso à cachoeira. O caminho, todo irregular, incluía passagens estreitas e desafiadoras sobre pedras e precipícios. Empaquei. Alerta máximo: eu tenho pânico de altura. Não é uma vertingenzinha, não, eu já fui inclusive resgatada pelos bombeiros uma vez. Eu congelo, passo mal, fico suando frio, tremendo, minha perna pula de nervoso. Não consigo ir nem pra frente nem para trás.
Nem a imagem daquela cachoeira de águas cor de esmeralda que eu tinha vislumbrado da ponte na estrada me aliviava o terror. Uma hora depois, recuperado o fôlego, tentei de novo. Afinal, crianças, idosos e até cachorros de estimação passavam saltitantes por mim. Foi pior. Aconteceu tudo de novo, num trecho mais íngreme ainda, e as lágrimas começaram a pular. Dei vexame. Voltei. As próximas duas horas foram passadas em solo bem firme, debaixo de uma árvore na beira da estrada, enquanto meus companheiros de viagem mergulhavam nas águas límpidas e puras e celestiais do éden da Portela do Homem. Mas… aquilo não haveria de ser nada, não é MESMOOO?
Ao pararmos para comprar um lanche para levar para a segunda cachoeira do dia, não resisti e perguntei ao dono do mercadinho sobre a tal cascata para onde seguiríamos, a do Tahiti, outra que sempre consta das listas das imperdíveis. Ao que ele responde que era a pior de todas, com um acesso horroroso, e começa a listar os 23 acidentes graves que aconteceram no Gerês só este verão, inclusive com remoções de helicóptero, algumas mortes e muitas sequelas. E foi ali, às 2h da tarde do primeiro dia de incursão pelo parque que eu constatei, in loco, incrédula: o Gerês não é para mim.
Ainda teria quatro dias de viagem, mas o panorama não haveria de mudar muito. Consegui fazer uma única trilha até o fim: a do Poço Verde, realmente tranquila (embora as quase 2 horas de subida íngreme na volta me fizessem lembrar com saudade dos meus tempos de spinning e body pump e supino e natação, tudo ao mesmo tempo). Não me atrevi a encarar a trilha das Sete Lagoas, mas ainda tentei uma última, a da Cascata de Pincães, para desistir a meros 50 metros da chegada por causa de uma travessia à beira de um precipício que só de ver ao longe me deu taquicardia, terror e pânico. A Ponte da Misarela, que estava nos meus melhores planos? Talvez numa outra vida. Meu dia perfeito foi passado entre vilas, com direito a um mergulho sem emoção numa represa e um almoço num restaurante incrível – tema para um post futuro.
Até agora eu não consigo explicar o tamanho da minha frustração – não com o destino, que fique bem claro! Mas acho que ela só foi tão grande porque eu não encontrei NENHUMA informação que desse qualquer pista de que eu encontraria este tipo de desafio que, para mim, é incontornável. Só li textos enaltecendo as maravilhas do Gerês – que de fato existem e eu faço coro. Mas ninguém presta este serviço – este meu desabafo tem esta intenção. In loco percebi que o risco é real e não só fruto da minha imaginação: não faltam placas alertando para o perigo de acidentes mortais e algumas atrações têm vaga para ambulâncias estacionarem no início da trilha. Helicópteros de resgate não são raros, graças à dificuldade de acesso de maneira geral. Já rodei o mundo, já dormi em tendas abertas cercadas de lama e escorpiões nas florestas do Bornéu, já passei a noite em colchonetes ao ar livre nos desertos do Rajastão, já me hospedei em plataforma de petróleo na Malásia, já vivi com os nômades nos confins da Mongólia, já voei umas três vezes de balão… mas não, nada me fez conseguir vencer com meus próprios pés os precipícios íngremes do Gerês. Aceita um conselho? Vá! Mas não me chame.