Ovos, açúcar e muita criatividade. Os famosos doces portugueses, nascidos em sua maioria dentro dos conventos séculos atrás, são uma das grandes marcas registradas do país. Praticamente cada confeitaria – chamada por aqui de pastelaria – tem a sua receita secreta (e deliciosa). Curiosa com as suas origens e histórias, a brasileira Juliana Penteado caiu na estrada para mergulhar neste universo. Formada em nutrição, a chef e consultora, que teve passagem pelas cozinhas do Fasano e do Affari, na capital paulista, e cursou o Grand Diplôme da escola Le Cordon Bleu em Londres, comprou um mapa, alugou um carro e, durante um mês, radiografou todas as delícias dos quatro cantos do país. Trinta dias, 4 mil quilômetros e muitas calorias depois, nascia o projeto batizado como Rota Amarela (alguém imagina a razão? ) A seguir, ela lista o seu TOP 10 e dá o caminho das pedras, tintim por tintim, para se jogar nas mais irresistíveis das delícias portuguesas.
NORTE
1) BOLAS DE BERLIM
ONDE COMER: Pastelaria Manuel Natário, em Viana do Castelo
Esta pastelaria é parada obrigatória para quem chega a Viana do Castelo. Todos os dias são feitas mil unidades de bolas de Berlim, um doce de massa frita e passada no açúcar, recheado com um creme à base de ovos. Há dois horários religiosos: 11h30 e 16h30, quando o cheiro invade a calçada. Existe fila real para comprar! E ainda rola aquele desespero de saber se vai ou não conseguir garantir a sua! Assim que peguei a minha, a primeira impressão foi a temperatura daquele tesourinho. A vontade de dar a primeira mordida é tanta que não dá nem tempo de amolecer! Uma curiosidade para os brasileiros e visitantes de outras nacionalidades: durante o verão é muito comum encontrar pessoas vendendo bolas de Berlim nas praias – a versão local do nosso queijo coalho, biscoito Globo ou amendoim!
2) TOUCINHO DO CÉU
ONDE COMER: Pastelaria Clarinha, em Guimarães
Durante muitos anos falou-se em três principais receitas de famílias e regiões distintas de Portugal, mas o fato é que o toucinho do céu tem história associada ao Convento de Santa Clara de Guimarães. É um doce que leva amêndoas, ovos, chila e açúcar! Por fim, ganha camada fina de farinha. Curiosidade que vale ser dita: para àqueles que não conhecem a chila (ou gila), ela é da família da abóbora, tem uma coloração verde com riscas brancas e por dentro traz uma polpa branca, bastante fibrosa. É muito comum encontrar doces à base da fruta no Norte de Portugal ou na região do Alentejo.
3) PAPOS DE ANJOS DE AMARANTE
ONDE COMER: Confeitaria da Ponte, em Amarante
Amarante foi uma das cidades que mais me encantou durante todo o trajeto percorrido. Ruas antigas e estreitas, mas ao mesmo tempo muito iluminadas, repletas de vegetação e o lindo Rio Tâmega que corta todo o centro. Muitos restaurantes, arte, monumentos e pastelarias que trazem a história dos doces conventuais daqui. Ao contrário do que estamos acostumados a ver no Brasil, em Portugal existem diferentes variedades de papos de anjos. O de Amarante é especial: uma folha de hóstia recheada com doce de ovos e amêndoas. O doce é cortado um a um com o auxílio de uma tesoura e, por fim, mergulhado em uma calda de açúcar e passado em açúcar refinado.
4) PÃO DE LÓ DE AROUCA
ONDE COMER: Casa do Pão de Ló de Arouca, em Arouca
A foto explica muita coisa. É uma fatia que quase não cabe na palma da minha mão. Na boca, sente-se uma suavidade nos sabores e muita umidade. Esse bolo é memorável pelo seu tamanho, sabor e maciez. Assado em formas retangulares bem altas, é posteriormente fatiado em uma espessura considerável. O truquezinho final é a calda de açúcar bem quente em que os pedaços são mergulhados antes de serem embalados individualmente.
CENTRO
5) OVOS MOLES DE AVEIRO
ONDE COMER: em qualquer endereço que garanta o certificado DOP. Pode ser, por exemplo, a Confeitaria Peixinho, no centro de Aveiro
A história dos ovos moles é bastante antiga, anterior à criação da cidade de Aveiro. E a receita que comemos hoje não mudou em nada com o passar dos séculos. Existe uma lei local que controla rigorosamente o padrão de qualidade do creme à base de gemas – e que garante que onde houver o selo DOP, a qualidade será sempre a mesma.
6) BRISAS DO LIS
ONDE COMER: Pastelaria LuziClara, em Leiria
Olhando para elas, não tem como negar que parecem o nosso quindim! Mas quando se dá a primeira mordida, logo se nota a diferença! Cadê o coco na base? É nessa hora que desmistificamos as brisas! Conhecido como o doce da cidade desde 1930, inicialmente era chamado de beijinho (graças a trocadilhos desconfortáveis por parte de alguns clientes, o nome foi alterado). A receita leva gema, açúcar e amêndoas – e tem um segredinho especial na hora que vai ao forno!
7) COROA DE ABADESSA
ONDE COMER: Pastelaria Alcôa, em Alcobaça
Alcobaça é uma cidade bastante conhecida pelos doces conventuais que eram feitos no Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, uma das obras primas da arquitetura portuguesa. Logo em frente ao monumento fica a Pastelaria Alcôa, uma das minhas favoritas, com filiais em Lisboa. A coroa de abadessa já conquista pela sua apresentação. É feita com amêndoas, avelã, chila caramelizada, açúcar e gemas. É simplesmente divina para adoçar um final de tarde!
ALENTEJO
8) QUEIJINHOS DE HÓSTIA
ONDE COMER: Casa de Chá Maltesinhas (Terreiro dos Valentes, 7), em Beja
Beja é uma cidade alentejana que tem uma presença bem significativa com relação à doçaria conventual. O Convento de Nossa Senhora da Conceição foi um dos mais ricos do sul do país. Entretanto, em meados do Século 19, a cidade foi palco de grandes destruições patrimoniais e deste antigo convento só se protegeu alguns espaços. Atualmente, encontra-se ali instalado o Museu Regional de Beja, com uma coleção maravilhosa de azulejos. Uma das delícias que me despertou mais atenção foram os queijinhos de hóstia. A massa consiste em uma calda de açúcar, amêndoas e muita gema de ovo. Depois de fria, recheia-se com ovos moles e finaliza-se com duas folhas de hóstia que cobrem as superfícies.
9) TARTE DE PINHÃO
ONDE COMER: Aldegundes Freitas (Rua António Aleixo, lote 16), em Alcacér do Sal
Alcacér do Sal é uma cidade muito conhecida pela vasta plantação de pinheiro manso, a árvore do pinhão português. Aqui, como uma das poucas exceções na lista, o ovo não é a estrela, mas os frutos secos em abundância e o mel. Super delicada, esta torta que, dizem, teria influências árabes, é basicamente uma massa bem crocante com um caramelo de pinhão.
ALGARVE
10) ESTRELA DE FIGO
ONDE COMER: Despensa Algarvia, em Faro
Grande parte dos doces algarvios é feita à base de figo, amêndoas e alfarroba, revelando muito da passagem dos árabes pelo território português. As figueiras são onipresentes na região. Para o consumo do figo fresco fresco, o fruto é colhido de manhã e acondicionado em cestos de cana forrados com folhas de figueira ou de videira. Para a secagem, os figos claros são colhidos em meados de agosto e setembro, onde encontram-se mais maduros e com sabores mais intensos. Após a colheita, são expostos ao sol em esteiras de cana e protegidos quando a noite chega, para não sofrerem com a umidade. Neste doce, são cortados em quarto e recheados com amêndoas. Simples e deliciosos.
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