Digo sem risco de estar cometendo uma injustiça: Portugal nunca foi terra de bons restaurantes japoneses. Quando morei aqui pela primeira vez, entre 2005 e 2008, sashimis e nigiris eram artigos raríssimos. Me lembro apenas de um nome ecoar em Lisboa: Estado Líquido, que já nem me lembro se fui uma única vez ou nunca. Era chique demais para o meu bolso recém-chegado a terras europeias. Soube depois que havia outros nesta época, mas eu nunca tinha sequer ouvido falar. Corta.
No dia 22 de novembro, a gala do Guia Michelin da Península Ibérica anunciou cinco novas estrelas para Portugal na edição de 2023. Cinco restaurantes estrearam na constelação da publicação. Surpresa geral: das três estrelas de Lisboa, duas foram para japas (e uma para o vegetariano do chef José Avillez, o Encanto). As outras duas foram para o Porto. De repente, dois restaurantes japoneses com estrela Michelin em Portugal. Um país onde reina a cozinha portuguesa, onde os estrangeirismos ainda são recatados e algo raros. Agora, cada vez menos.
É inegável que os restaurantes japoneses pipocaram por todo o país nos últimos anos – especialmente em modo fast food. Também é fato que os endereços de qualidade hoje já não são nada raros. Quando conheci o agora estrelado Kanazawa, em 2018, eu morri de amores – leia aqui o texto onde o classifiquei como o melhor japonês do (meu) mundo. Numa loja quase imperceptível em Algés, o sushiman (português, coisa rara ainda hoje!) Paulo Morais preparou delicadezas espetaculares do outro lado do balcão que acomoda apenas 8 pessoas – a capacidade máxima da casa.
O menu, harmonizado com saquês, vinhos e um matchá macerado na hora, ainda dança na minha memória com suas texturas surpreendentes, combinações idem e peixes fresquíssimos. Durante a pandemia, as noites especiais em casa eram comemoradas com take-aways do Kanasawa, e a mesa se enchia de cores, hashis e alegria entre quatro paredes. Era a chance de comer as criações do Paulo a um preço acomodável no dia a dia (os menus degustação variam de € 60, o vegetariano, a € 150 por pessoa).
O outro japonês estrelado nessa edição do Michelin, o Kabuki Lisboa, eu conheci em janeiro deste ano, logo depois que a casa abriu nas galerias do Hotel Ritz Four Seasons, com a proposta de fusão das cozinhas japonesa e mediterrânea. Num ambiente super cool e badalado, com um balcão de seis metros de comprimento onde me sentei, vi desfilarem pecinhas espetaculares e delicadas no menu degustação. Eu costumo torcer o nariz para japas que incluem foie gras e trufas no menu, mas estava tudo tão delicado que deixei me rendi.
Entre nigiris de ovo de codorna com patê de trufas pretas, de wagyu, toro al pastor e tartares variados, merece destaque a carta de vinhos e os incríveis coquetéis criados no bar, estrategicamente posicionado na entrada da casa (onde também é possível pedir ostras, caviar ou pickles para acompanhar).
Na semana passada eu fui ao Porto e, ao pesquisar novos restaurantes, encontrei boas referências acerca de mais um japa, o Tokkotai, por ora sem nenhuma estrela. Alegria geral quando descobri, quase às 22h, que a casa só fecharia às 2h da manhã naquele dia (é assim de quinta a sábado, quando um DJ anima o ambiente). A chegada é pelo izakaya, o bar que tem uma carta de coquetéis especiais.
Qual não foi a minha surpresa quando descobri que a casa é uma recriação fiel do Nakka, de São Paulo (com unidades nos Jardins e no Itaim). Os idealizadores do Tokkotai importaram – literalmente – o conceito do Nakka, inclusive trazendo 15 pessoas da casa paulistana para o Porto (de sushimen a garçons). A proposta da casa é conduzir a uma “viagem por Tóquio, São Paulo e Porto”.
A cozinha, mais uma vez, tem vertente contemporânea e abre espaço para ingredientes como clorofila, trufa e foie, com louvor. Começamos com um delicioso cannoli de atum picante, terminamos com um crumble de banana. Fui embora com uma vontade louca de voltar.