Imagem Blog Além-mar Rachel Verano rodou o mundo, mas foi por Portugal que essa mineira caiu de amores e lá se vão, entre idas e vindas, mais de dez anos. Do Algarve a Trás-os-Montes, aqui ela esquadrinha as descobertas pelo país que escolheu para chamar de seu
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O “alto vegetarianismo” chegou a Lisboa – e veio para ficar

Já é possível comer (muito!) bem na capital portuguesa sem carne no prato

Por Rachel Verano
Atualizado em 30 ago 2021, 18h50 - Publicado em 29 ago 2021, 13h51
Prato de pedra cinza com algumas folhas verdes e uma espuma branca
Um dos pratos do menu degustação do Suba: alta cozinha vegetariana (Bruno Barata/Reprodução)

Arroz com feijão, com lentilha, com legumes, com salada. O onipresente tofu, o seitan, os hambúrgueres vegetais. Uma farofinha ali no canto para tentar dar uma graça. Esqueça os pratos vegetarianos que mais parecem um monte de acompanhamentos reunidos sem qualquer lógica ou propósito que vá além de matar a fome. Uma nova onda de restaurantes vegetarianos está chegando para provar que um jantar sem carnes pode ser tão espetacular quanto um menu sem restrições. 

Bar com um balcão escuro de mármore e uma pessoa passando na frente, desfocada
O bar, logo na entrada do Drogaria: ares art deco e novos pratos vegetarianos no menu (Bruno Barata/Reprodução)

Resumindo: a alta gastronomia está desembarcando no mundo veggie – com direito a texturas, espumas e uma explosão surpreendente de sabores. Junto com ela costuma vir, naturalmente, uma preocupação com a origem do produto, uma predileção pelo pequeno produtor, um cuidado maior com o lixo, com o desperdício, com a sustentabilidade, enfim. 

Prato cinza com quadradinhos de gnocchi e algumas folhas de capuchinha por cima
O gnocchi do Arkhe: doses iguais de técnica e sabor numa receita vegana (Bruno Barata/Reprodução)

Isso não chega a ser exatamente uma novidade. Em alguns lugares do mundo já é realidade há anos. Em Berlim, por exemplo, a meca do universo vegetariano, conheci o primeiro restaurante estrelado pelo Guia Michelin na cidade onde as carnes não passam da porta quase quatro anos atrás (o Cookies Cream, capitaneado pelo genial chef Stephan Hentschel). É possível que haja outros bons exemplos por aí (que eu ainda não tive a oportunidade de conhecer). Mas em Portugal o cenário é recente. E muito inovador. Eis alguns exemplos (seja de restaurantes, seja de menus e pratos especiais) que chegaram para fazer toda a diferença:

Senhor Uva

Salão de um restaurante com mesas redondas e pessoas sentadas
O salão do Senhor Uva: ares de bistrô e um delicioso balcão virado para a rua (Rachel Verano/Arquivo pessoal)
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Prato cinza com duas folhas recheadas de creme laranja e decoradas com bolinhas de cremes coloridos, um creme de laranja entre elas
Folhas de shiso com cenoura, macadâmia e limão: delicadeza pura (Rachel Verano/Arquivo pessoal)

Uma simpática ladeira nos fundos do Jardim da Estrela é o endereço da cozinha criativa da chef canadense Stéphani Audet e sua comida “botânica”. A experiência completa começa com uma taça de vinho no Senhor Manuel, de um lado da rua, onde brilham as bebidas naturais e um atendimento espetacular e zero pretensioso, e segue com um jantar no restaurante propriamente dito, logo em frente, onde uma sala pequenina acomoda pequenas mesas e um balcão numa janela rasgada na parede. A proposta é de cozinha de partilha: todos os pratos vão para o centro da mesa para serem provados por todos. A leveza, a delicadeza e o frescor são denominadores comuns de pratos lindos como as folhas de shiso com cenoura, noz de macadâmia e limão; o ceviche de jaca com aji amarelo, nectarina fresca e um purê aveludado de abacate; ou as abobrinhas defumadas com cebola verde, ponzu e crocantes de arroz.

Prato de cerâmica cinza com cubos de peixe, fatias de nectarina, cebola roxa, milho frito e um caldo amarelo ao fundo
Ceviche de jaca verde, aji amarillo, nectarina fresca e purê de abacate do Senhor Uva: surpresa de sabores e texturas (Rachel Verano/Arquivo pessoal)

O menu muda conforme a sazonalidade dos produtos, bien sûr, mas já tendo provado quase tudo nas três vezes que jantei lá recentemente (um vício!) posso dizer: cada garfada é uma bela surpresa. E a sobremesa é sempre um grand finale: sejam os morangos com queijo de cabra, flor de sabugueiro, pistache e pimenta ou os figos com mirtilos em leite de amêndoa, camomila, cacau e pó de rosa. O clima é de bistrô e uma refeição para duas pessoas, vinhos incluídos, custa cerca de € 60.

Arkhe

Salão de um restaurante com mesas vazias, plantas à direita, objetos redondos decorando a parede do fundo e uma pessoa a passar na frente.
O ambiente do Arkhe: plantas e toques moderninhos (Rachel Verano/Arquivo pessoal)
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Prato bege com líquido vermelho, lascas de beterraba e cerejas
Sopa fria de cerejas com natas defumadas e sementes de mostarda do Arkhe: alô, Michelin? (Rachel Verano/Arquivo pessoal)

Conheci o Arkhe no auge da pandemia quando o restaurante decidiu apostar no delivery de altíssima qualidade. Já naquela época fiquei fã. Inesquecíveis o creme de castanha, os gnocchis com cogumelos, os pithiviers, tudo para ser finalizado em casa. Mal a pandemia deu trégua e fomos conhecer in loco. UAU. O atendimento e as recomendações do sommelier Alejandro Chavarro, colombiano com passagem por restaurantes estrelados da França e da Espanha (Mugaritz entre eles) são a companhia perfeita para as criações do paulistano João Ricardo Alves, que também rodou o mundo antes de vir parar a Lisboa. Juntos, os dois lutam com todas as armas contra o que chamam de preconceito grande que existe contra a vegetariana.

Tortinha com amoras, morangos e framboesas, uma bola de sorvete branco e folhas verdes
Tartelette de frutos vermelhos com creme de castanha de caju e umeboshi, sorbet de coco e gel de maracujá: grand finale do Arkhe (Rachel Verano/Arquivo pessoal)

Que armas seriam essas? Um ambiente lindo, recheado de plantas; uma bem fornida carta de vinhos (algo complicada na minha modesta opinião); e pratos que mais parecem obras de arte e respiram, em doses equivalentes, técnica e sabor – muitos deles são, inclusive, vegan. Aos preconceituosos de plantão, vale a observação: nem parecem. Cozinha digna de estrela Michelin, preços quase lá. Uma refeição para duas pessoas com menu degustação de três pratos e vinho custa cerca de € 130 (claro, pode chegar a muito mais dependendo do vinho!).  

Suba

Mulher com vestido branco longo e bolsa preta subindo uma escada em curva, com um grande vaso de flores ao lado
A chegada ao Suba, no Verride Palácio de Santa Catarina: parte da experiência (Bruno Barata/Reprodução)
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Duas taças de espumante rosé ao fundo e, em primeiro plano, um prato de pedra cinza com manteigas e uma caixa de madeira com crisps de arroz
O couvert do Suba: prenúncio de uma refeição de alto nível (Bruno Barata/Reprodução)

O restaurante do hotel Verride Palácio de Santa Catarina não é vegetariano. Pelo contrário: pato, polvo, foie gras e black angus abundam pelo menu. E é justamente por isso que a chegada de uma nova – e vegetariana! – carta entre as propostas do chef Fábio Alves surpreendeu tanto. Geralmente quando um restaurante, digamos, tradicional incorpora opções vegetarianas no menu elas tendem a se resumir a risotos e receitas básicas à base de tofu – o caminho fácil, digamos assim, para atender aquela companhia do jantar que não come carne. Foi com muita alegria que percebi, já no couvert, que a carapuça não serviria ao Suba. Os crisps de arroz e milho prensados, servidos com manteiga aromatizada e um queijo cremoso de beterraba foram o prenúncio de que uma refeição de alto nível viria a seguir.

Prato branco com uma massa, molho amarelo e detalhe de algumas por cimafolhas
Canelones de espinafre do Suba: leves e cheios de sabor (Bruno Barata/Reprodução)

Uma mozarela fresquíssima com água de tomate, pesto e pepino abriu os trabalhos; e seguiram-se canelones de espinafres com legumes e parmesão; um salteado de tofu com bulgur e abacate; e a estrela da noite: bulbo de aipo com batata doce defumada e cogumelos. Para encerrar, tartar de frutas, yusu e sorvete de maçã e poejo, com crocante de manga. O menu degustação vegetariano tem cinco etapas e é confiance – ou seja, as receitas são surpresa – e custa € 50 por pessoa. A harmonização de vinhos para acompanhar os pratos sai a € 45. A vista espetacular de Lisboa que se descortina das janelonas de vidro… é brinde!

Drogaria

Mesa com dois pães e potinhos quadrados com manteiga e azeite
O couvert do Drogaria: a manteiga caramelizada é imperdível! (Bruno Barata/Reprodução)
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Prato branco com uma fatia de berinjela, um caldo marrom e um purê bege ao lado, com folhas verdes por cima
Entrada de berinjela do Drogaria: diferentes texturas (Bruno Barata/Reprodução)

Mais um exemplo de restaurante não vegetariano que brilha no vegetarianismo. Seu proprietário, Paulo Aguiar, sentiu a necessidade de incluir receitas bem preparadas sem carne para atender um público crescente de vegetarianos. “Já não dava para ignorar”, diz ele. A chegada do chef Daniel Sousa, com passagem por diferentes restaurantes estrelados de Portugal e Espanha, completou o puzzle. Aqui o couvert não deve ser pulado em hipótese alguma – pães quentinhos, manteiga de limão, azeite e uma maravilha chamada manteiga caramelizada.

Prato de restaurante onde se pode ver um pedaço de couve-flor, um cogumelo e folhas verdes
Couve-flor e cogumelos do Drogaria: criatividade também em pratos sem carne (Bruno Barata/Reprodução)

Outra etapa a não pular: os drinks criados pelo Ludgero. No menu, se destacam pratos como a entrada vegana com diferentes texturas de berinjela e nabo: purê, babaganoush,versões assadas e fritas. Ou a couve-flor grelhada escoltada por um purê do legume, cogumelos e espinafres, como prato principal. Para encerrar, uma reinterpretação da “tigelada”, um clássico português: uma espécie de pudim com flocos de mel, espuma de iogurte e meloa, com vinagre e manjericão.

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