Manual para quem quer morar em Portugal – parte 1
Tudo o que você sempre quis saber sobre viver do lado de cá do Atlântico - tipos de visto, segurança, saúde pública, educação...
Flávia Motta é carioca, jornalista e moradora de Lisboa há seis anos. Embora seja bisneta de português e tenha sido criada com muitas referências da cultura lusa (“cresci comendo castanhas assadas!”), seu caso de amor por Portugal teve início em abril de 2014, quando veio para o país pela primeira vez de férias, para passar três semanas. Os últimos cinco dias foram em Lisboa, na região do Cais do Sodré. “Eu abria a minha janela e via o Tejo”, lembra ela. “Fui para o aeroporto chorando!”
A conexão foi tamanha que, mal chegou ao Brasil, já começou a planejar a mudança. Vendeu o apartamento, pediu demissão de um superemprego no GNT e, menos de seis meses depois, desembarcava na capital portuguesa para o que seria um ano sabático, estudando gestão de marketing, comunicação e multimídia. Seis meses depois veio a certeza: não iria mais embora. Depois de experimentar dois empregos em startups portuguesas, decidiu aceitar os conselhos de uma amiga e se lançar no mercado imobiliário. Naturalmente acabou construindo uma carteira de clientes brasileiros (que atualmente já é internacional).
À sua curiosidade jornalística, Flávia soma a experiência de já ter morado em sete casas diferentes em Lisboa e uma vivência insider da cidade para oferecer serviços ultra especiais em sua empresa Lisboa à Beça. Além de ser agente de comprador (ou seja, ela defende única e exclusivamente os interesses de quem está comprando um imóvel), ela oferece assessoria de migração, para facilitar a vida de quem está mudando de país e ir direto ao ponto de acordo com o perfil e os interesses; tours especiais para quem vai morar na cidade, desbravando diferentes regiões e os seus aspectos culturais; e outros produtos como assessoria escolar para escolas e universidades, primeiras compras e instalação dos serviços essenciais (água, luz, telefone etc).
A seguir, Flávia conta o que faz de Portugal um destino tão procurado por brasileiros e fala sobre todos os pontos cruciais para quem sonha morar do lado de cá do Atlântico – nesta primeira parte da entrevista, dos tipos de vistos possíveis aos sistemas públicos de saúde e educação.
Quais são as possibilidades para o brasileiro vir morar legalmente em Portugal?
Além de ter o passaporte europeu ou cidadania, é possível vir com alguns tipos de visto, como o visto de estudante (e depois fazer uma manifestação de interesse de permanência) e o visto D7, também conhecido como o “visto dos aposentados”, mas que na verdade vale para quem tem meios próprios de se sustentar em Portugal – quem recebe pensão, tem dinheiro investido, um negócio auto suficiente no Brasil etc. O valor exigido é bem acessível: a partir de um salário mínimo português por mês para o primeiro membro da família (ou seja, 635 Euros; e este valor vai diminuindo em relação aos agregados familiares). Tem ainda o visto de empreendedor, para quem vai abrir negócio – nesse caso, tem que apresentar um plano de negócios e tratar de tudo antes de chegar. Pode ser um investimento, a criação de uma empresa etc. A lei diz que o capital social mínimo é de 1 Euro, mas, na prática, ter entre 3 mil e 5 mil Euros já é um valor ok se você vai abrir um negócio pequeno. Por fim, o Golden Visa é para quem quer comprar um imóvel – você precisa fazer um investimento imobiliário de 500 mil Euros com recursos próprios (sem financiamento). Há advogados especializados que tratam de todo o processo.
O que o brasileiro busca quando pensa em morar em Portugal?
A maior parte está em busca de uma vida mais segura, mais tranquila e mais barata. Tenho clientes que vieram morar aqui, aposentados, só para reduzir os custos com plano de saúde, por exemplo. Também tenho cliente que estava com a corda no pescoço no Brasil e veio para cortar custos de saúde e de educação e está feliz da vida.
Qual é o panorama dos serviços públicos em Portugal?
Nós, brasileiros, temos um ranço de que o público não funciona, é estrutural. Vejo muita gente que chega e já faz um plano de saúde sem nem entender como funciona aqui. A saúde pública, em termos de qualidade, é fantástica. Já precisei até de atendimento de ambulância numa emergência e foi tudo impecável. Quando o caso é grave, inclusive, muitas vezes o particular encaminha para o público. De maneira geral, o SNS (Sistema Nacional de Saúde) funciona. Com problemas, como tudo, mas funciona. A maior reclamação é em relação à demora nas consultas e procedimentos de especialidade. Outra diferença: aqui não existe a cultura do excesso de exames; ninguém pede sem precisar. De toda forma, é preciso fazer a ressalva: hospital público não é hospital bonito, hospital boutique. É hospital, ponto.
E com as escolas?
Com as escolas é a mesma coisa. Elas não são impecáveis. O importante é pesar o que você ganha e o que você perde nesta equação. E você tem qualidade tanto na educação quanto na saúde pública portuguesa, de maneira geral. O ensino particular não é a realidade da classe média portuguesa. É coisa de rico. A nossa vida de classe média no Brasil é uma vida de rico. Você paga escola, plano de saúde, empregada, babá, folguista, escola de idiomas, natação… Sem julgamentos, não é uma questão de precisar ou não. Mas a gente vai criando facilidades para resolver as dificuldades que você vai encontrando no dia a dia.
O brasileiro que vem morar em Portugal está disposto a abrir mão destes serviços?
Depende. Por isso eu defendo que é importante saber bem a realidade daqui. Já me mandaram mensagem perguntando se tinha casa de festa infantil aqui. E as pessoas ficam indignadas de saberem que não tem. Mas aqui ninguém faz isso, não faz parte da realidade, da cultura. Outra coisa que me questionam: onde as pessoas aprendem inglês aqui? É na escola. Muita gente fica indignada porque não tem aula de inglês para crianças por todo lado. Já vi uma mulher que voltou para o Brasil dizendo que não aguentou morar um ano aqui porque não tinha empregada, acesso aos melhores médicos, às melhores escolas… Existe um estilo de vida que não vai caber aqui. Dependendo da sua realidade, talvez Portugal seja só um destino de férias mesmo.
Que conselhos você daria para quem quer vir morar em Portugal?
1) Tenha muita clareza da razão de estar saindo do Brasil e porque está escolhendo Portugal. Assim, quando as coisas apertarem (e elas vão apertar!) é isso que vai te dar forças para continuar aqui – seja a possibilidade de dar uma educação melhor para os filhos, viver uma vida sem medo, qualquer coisa. 2) Faça muita pesquisa para saber o estilo de vida de Portugal e de onde você vai morar. É um país pequeno, com cidades menores, com tudo em menor escala, em todos os sentidos. 3) Venha sem pressa. Não venha com a expectativa de em dois meses estar empregado, com casa e com tudo resolvido. As coisas acontecem de forma muito devagar aqui. E, por fim, 4) não fique comparando com o Brasil. Temos muita familiaridade com a cultura, com a comida, mas Portugal não é um mini Brasil, um pedaço do Brasil. Quem fica na comparação sofre muito!
Na segunda parte da entrevista, Flavia Motta fala sobre mercado de trabalho, salários, custo de vida, preço dos imóveis e mais. Leia aqui.