Desde que Lisboa começou a ficar cheia demais e que as reservas para jantar fora se tornaram imprescindíveis, coisa de cinco ou seis anos atrás, sempre tive na Cervejaria Trindade um pouso seguro para noites decididas na última hora. Independentemente da hora ou do número de pessoas, sempre era possível conseguir uma mesa num cantinho ou outro (mais mérito das proporções gigantescas do que qualquer outra coisa). A experiência nunca era fantástica – a casa já dava os sinais do tempo, mas a comida seguia mais ou menos gostosa e, o serviço, atencioso como de costume em casas da velha guarda.
Então em 2021 a Trindade fechou.
Foi com grande curiosidade que acompanhei os rumores da sua reabertura no último mês de setembro, depois de longos meses de uma intensa reforma – mas só agora tive a oportunidade de ir ver de perto, e logo numa mesa com mais 12 pessoas (perfeita para provar muitas coisas).
Primeiro impacto: a reforma foi brilhante. A reabertura da nova Cervejaria Trindade não trouxe de volta apenas a cervejaria mais antiga de Lisboa, mas também um patrimônio com mais de oito séculos de história. Inaugurado como Convento da Santíssima Trindade dos Frades Trinos da Rendenção dos Castiços no século 13, o lugar abriu como cervejaria em 1836 e as mesas e balcões se espalham por antigos átrios, salões e refeitórios sob tetos abobadados lindíssimos. Nas paredes, seguem os bonitos painéis de azulejos do século 19 e, onde hoje fica o salão principal do restaurante, as obras da artista Maria Keil do Amaral feitas em pedras portuguesas nos anos 1940 – agora, embelezadas por uma linda oliveira no centro.
A atual Trindade se divide em petiscaria, nas salas de entrada, e restaurante, na sala ao fundo – ou seja, é possível ir só beber uns copos e provar os deliciosos croquetes (servidos quentinhos, com recheio macio e casquinha crocante) e pastéis de bacalhau (o que conhecemos como bolinhos, mais rústicos e sempre sequinhos). A cerveja da casa pode ser Vienna Lager, Indian Pale Ale ou American Wheat (mas tem também Sagres, Bohemia, Heineken e Guinness para quem preferir).
De maneira geral, a cozinha deu um belo salto – algo que era esperado com a entrada em cena do chef Alexandre Silva, dono de uma estrela Michelin no Loco. Os preços, idem. Se antes jantava-se despreocupadamente, agora é preciso estar atento e forte – há extravagâncias no menu como um único camarão tigre grelhado no carvão salpicado por um molho de ervas a custar exatos € 32,80. Ou uma mariscada por € 163.
A nossa mesa pediu vários croquetes e bolinhos de bacalhau (€ 2,20 cada unidade), algumas ostras (€ 3 a unidade) e as crianças piraram mesmo foi com as batatas fritas sequinhas e gostosas (€ 3,20 a porção).
Entre os pratos principais, metade da mesa apostou num dos clássicos portugueses de cervejaria: o bife da vazia (€ 17,90), acompanhado por um molho especial da casa, mais batata frita e um ovo para coroar. A outra metade foi de polvo assado no carvão servido sobre batatinhas ao murro (desde o documentário Professor Polvo, da Netflix, não consigo conceber comer polvo, mas quem provou amou). Importante: o prato, que a ementa diz ser para duas pessoas, serve quatro com fartura (€ 64). Minha aposta foi um tanto peculiar para o tipo de restaurante: um tagine de lentilhas com especiarias, que estava divino (€ 17,90).
O serviço foi caseiro e brilhante. Impossível não mencionar a delicadeza e amabilidade do Gabriel, nosso conterrâneo, que chegou a partir o bife no prato das crianças!
O grand finale atendeu pelo nome de pudim de cerveja (€ 6,80). Um doce conventual denso e aveludado, de sabores intensos, guarnecido por frutos cítricos que dá água na boca só de lembrar. Pedimos também um arroz doce com casquinha queimada a maçarico e pequenas gotas de compota de limão (€ 5,90).
Espumantes, vinhos, águas, um drink sem álcool e até um Sumol de abacaxi depois, a conta saiu salgada mesmo para os padrões lisboetas atuais. Mas o jantar de despedida da família valeu como um programa turístico completo.
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