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Brasil é um dos países mais perigosos para mulheres viajantes, segundo site

Por Ludmilla Balduino
Atualizado em 27 fev 2017, 15h28 - Publicado em 26 fev 2015, 23h39
Turista mulher Rio de Janeiro
Turista mulher Rio de Janeiro (/)
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É o samba da misoginia: o site inglês Daily Mail publicou uma matéria sobre os 10 países mais perigosos para mulheres que viajam e adivinha quem está na lista? BRAZILZILZIL!

De acordo com o site, o Brasil entra na conta porque o número de estupros no país cresceu 157% de 2009 para 2012. O texto cita o horrendo caso da turista norte-americana que foi estuprada em uma van de transporte público na frente do namorado em 2013. E completa que “imagens de mulheres pouco vestidas em desfiles de Carnaval no Rio de Janeiro fazem muito pouco para mascarar o fato de que grande parte do Brasil continua nas garras da violência generalizada liderada por gangues de criminosos e policiais corruptos”.

E eu acrescento: as imagens das mulheres desfilando no Carnaval do Rio são uma pontinha do iceberg para entender como funciona o machismo na sociedade brasileira.

Outros países citados no texto são Índia, Turquia, Tailândia, Egito, Colômbia, África do Sul, Marrocos, México e Quênia. Sim, viajar sozinha por sociedades extremamente machistas pode ser perigoso. Viajar sozinha pelo Brasil também. Adivinha por quê? Aqui o que vale é a lei do machismo.

O dia em que vi um tarado

Apesar de o texto abordar muito do Rio e quase nada do resto do Brasil, as mulheres que viajam pelo país sabem que estão sujeitas a todo tipo de assédio. Eu mesma passei por uma situação totalmente absurda e aterrorizante quando fiz aquele meu mochilão pelo Nordeste. Foi em uma manhã de sol na Praia da Pipa, perto de Natal.

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Em Pipa, as praias são um pouco diferentes: as faixas de areia são ladeadas pelo mar e por gigantescas falésias de dezenas de metros de altura, impossíveis de escalar. Algumas praias têm acesso por meio de escadarias. Outro jeito acessá-las é aproveitando a maré baixa de determinados momentos do dia para passar por entre as pedras, nas extremidades das orlas – normalmente elas ficam submersas na maré alta.

A Praia da Pipa é assim: paredão de um lado, mar de outro e pedras entre as orlas (foto: arquivo pessoal)
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A Praia da Pipa é assim: paredão de um lado, mar de outro e pedras entre as orlas (foto: arquivo pessoal)

Pois bem. Estava eu aproveitando a maré baixa das 10 horas da manhã para caminhar pelas praias. Queria ver se dava para chegar a pé até uma prainha meio isolada de onde seria possível ver golfinhos surfando pertinho da areia. Essa prainha tem um paredão ainda maior, e não tem escada. O único jeito de acessá-la é pelas pedras, na maré baixa. E só dá para ficar um pouquinho, enquanto a maré estiver baixa – senão, é preciso nadar para voltar. Há muitas histórias de gente que ficou “ilhada” por ter perdido o timing da maré.

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Quando estava atravessando pelas pedras, sozinha, e ninguém por perto, ouvi um grito de um homem atrás de mim. Ao virar o rosto para saber o que estava acontecendo, vi um carinha sentado numa pedra a uns 10 metros, meio escondido, com a bermuda arriada, fazendo gestos totalmente obscenos e me olhando de um jeito medonho.

Bastou só um milésimo de segundo para entender a situação. No milésimo de segundo seguinte, eu já corria em disparada na direção contrária do homem, sem olhar para trás, tentando me desviar das pedras, controlando as lágrimas para a vista não ficar embaçada e tropeçar. O problema é que eu estava ficando cada vez mais distante da civilização (e mais perto dos golfinhos). Mas não tinha jeito de voltar. Se eu tivesse escolhido voltar, teria passado por ele. A única coisa em que eu pensava era em não chorar para não tropeçar e cair. Sabia que, se chegasse na praia dos golfinhos, talvez eu estivesse segura – muita gente vai lá durante a maré baixa. Sem olhar para trás, eu não sabia se ele estava correndo atrás de mim, se havia fugido, se continuava todo imbecil sentado naquela pedra. Eu só queria fugir para longe dele.

Até que, alguma eternidade depois (acredito que tenha ficado uns três minutos correndo sem ver ninguém, mas para mim foi um momento eterno), avistei um casal vindo em minha direção. De tanto evitar tropeçar nas pedras, acabei tropeçando nas palavras ao tentar explicar a situação pro casal. Quando finalmente recuperei o fôlego e as palavras, contei a história, sequei as lágrimas que finalmente jorraram descontidas e eles se ofereceram para me acompanhar de volta.

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O cara não estava mais lá. Meu passeio tinha acabado. Meu dia tinha acabado. A Praia da Pipa já não era mais tão linda assim. Me despedi do casal (que me contou uma história ainda pior do que a minha, de uma senhora de uns 50, 60 anos que havia sido estuprada ali mesmo, uns meses antes) e passei o resto do dia de bode, nas áreas mais lotadas da praia, tentando fazer toda a força do mundo para superar.

Quem viaja sozinha pelo Brasil tem história para contar. Na maior parte das vezes, histórias muito legais. Mas também há histórias como a minha. Resumindo em português bem brasileiro, eu vi um tarado. Se você também tem uma história, e sente-se segura para compartilhar (precisamos falar disso, meninas. O mundo dos homens está muito confortável enquanto ficamos quietas – na cabeça deles, vale a máxima idiota “quem cala consente”), conte aí nos comentários.

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