Achados

Adriana Setti escolheu uma ilha no Mediterrâneo como porto seguro, simplificou sua vida para ficar mais “portátil” e está sempre pronta para passar vários meses viajando. Aqui, ela relata suas descobertas e roubadas
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Viajar sozinha é um ato de resistência feminista

A dura realidade: aceitar o fato de que lidar com o assédio e com o medo é parte do pacote

Por Adriana Setti
Atualizado em 8 mar 2023, 11h35 - Publicado em 10 mar 2017, 07h12

Viajar sozinha, para mim, nunca foi encarado como um desafio. Márcia, minha mãe, é feminista até a medula – como advogada, esteve envolvida na criação da primeira Delegacia da Mulher do Brasil, por exemplo – e não precisou me doutrinar verbalmente. Sua atitude e seus exemplos bastaram. Ela viaja sozinha desde que me conheço por gente, mesmo estando casada com o meu pai, que sempre a incentivou a sair pelo mundo (assim como faz comigo: foi ele que me deu a maior força para que viesse morar em Barcelona). Perdi as contas de quantas viagens ela fez por conta própria – e continua fazendo. Morro de orgulho, especialmente, da vez em que pegou carona em um caminhão na Lituânia (sem falar lituano) para chegar ao vilarejo rural onde a minha avó nasceu. Por essas e outras, cresci achando que viajar sozinha era algo simplesmente normal.

No entanto, refletindo sobre a condição feminina na atualidade, me dei conta de que viajar sozinha ainda é, sim, um ato de bravura e de resistência, mesmo para quem foi criada em uma família empoderadora. E que encarar tal fato como apenas “normal” é consequência de algo extremamente incômodo: aceitar o fato de que lidar com o assédio e com o medo é parte do pacote.

Fazendo uma retrospectiva dos meus perrengues nesse sentido, sem ter que pensar muito me lembrei do tarado exibicionista que apareceu na minha frente em um estacionamento em Ibiza; do maluco que me seguiu em Casablanca, no Marrocos, me obrigando a fugir de táxi; do cara que me deu uma gravata por trás quando estava tentando entrar em casa logo que cheguei a Barcelona… Isso sem contar o assédio nosso de cada dia, as obscenidades que a gente ouve por aí em todos os idiomas, as trocentas vezes que temos que explicar porque estamos viajando sozinhas (algum homem já teve que responder a essa pergunta?).

Ter colocado tamanhas atrocidades no pacote da “normalidade” foi um ato desesperado de defesa. Uma espécie de cegueira benigna. Não é fácil ser mulher. E muito menos em um país latino machista, onde ex-presidentes já fizeram questão de dar declarações medievais no dia que representa a nossa luta. Ter tomado consciência de viajar sozinha é um ato de resistência acaba de me fazer um pouquinho mais forte. Seguimos adiante.

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