Dizem os pesquisadores do comportamento humanos que esse tipo de estado mental se chama “despersonalização”. Você certamente já sentiu isso alguma vez: aquela sensação de que o mundo não é de verdade, que tudo não passa de um delírio… Veneza tem esse efeito sobre mim. Uma vez lá, é impossível manter os pés no chão.
Você acorda, abre a janela do quarto e lá está o gondoleiro: Vooooolaaaarreee, oooo oooo! Como acreditar que um lugar desse tem bombeiro, ambulância, supermercado, gente de verdade? Arrasadora, a cidade luta como pode para manter a sua condição geográfica impossível, duelando com o imponderável numa eterna queda de braços. Enquanto o mar vai roendo a cidade aos poucos, ele também lhe acrescenta o charme da fragilidade, a despeito de toda imponência erguida em pedra e cimento através dos séculos como potência marítima.
A beleza é escancarada. Mas Veneza está morrendo de amor. Vítima do seu próprio complexo de Casanova, ela seduz gente demais e já não pode com tanto. Mesmo com uma nova política que reduziu o número de cruzeiros atracados a cada dia, as multidões não dão trégua. O que chega a significar dezenas de milhares de pessoas despejadas de uma vez só nas suas ruelas estreitas, somando-se às outras milhares que se hospedam ali. A multidão converge como um tsunami rumo à Piazza San Marco. Selfies, vendedores que jogam bolinhas iluminadas pro alto, guias histéricas berrando no megafone, mais selfies, orientais catatônicos, bolsas falsificadas expostas no chão, o gondoleiro de saco cheio. Nem as pombas aguentam mais tanta gente, tanta migalha. Parecem gordas, estressadas, diabéticas.
Então você decide se perder por ruazinhas misteriosas, cruzando algumas das mais de 400 pontes venezianas aleatoriamente. A multidão desaparece por alguns instantes e a felicidade volta a reinar naquele emaranhado de becos, praças e vielas, divididos em seis distritos entrecortados em “Z” pelo Grande Canal. Ali, uma faixa implora: “Stop Mafia, Venezia e sacra”. Isso só pode querer dizer que há quem se preocupe com o ponto que Veneza chegou (e que há quem ganhe muito com isso).
Mas não há multidão, sujeira ou cocô de pomba que consiga roubar a magia do lugar. Veneza faz tremer. Veneza é pra ir antes de morrer. Veneza é só uma. E cabe a você munir-se de bom senso e planejar a sua temporada com cuidado.
Siga @drisetti no Instagram e no Twitter