Europa sem euro: o luxo e o lixo de Bucareste, na Romênia
Com o euro ameaçando estacionar acima dos 3 reais, viajar para a Europa ficou mais caro. Mas nem tudo está perdido. A edição de outubro da revista Viagem e Turismo (nas bancas e no Ipad) traz uma reportagem mão na roda para você curtir a Europa sem euro, com destinos em países aonde a moeda forte ainda não aterrissou. A minha matéria sobre Bucareste foi escrita para esta edição. Mas, mimimi, acabou tendo que ficar de fora por falta de espaço (no jargão das redações, “a pauta caiu”) – a vida é dura para nós também!
Abaixo, eis a matéria na íntegra, para você ampliar o leque de opções ao fugir da pancada do euro:
Se as idiossincrasias retrô do Leste Europeu estão cada vez mais intangíveis em cidades como Praga ou Budapeste, Bucareste cultiva uma das derradeiras amostras daquilo que a Cortina de Ferro cobriu de mistério por quase meio século. Na capital da Romênia, a despeito da camada de verniz aplicada por seis anos de União Europeia (ainda sem aderir ao euro, que corresponde a 4,5 leus romenos), paredes desgastadas imprimem autenticidade a edifícios seculares, coques são besuntados de laquê e o ouro insiste em reluzir em uma quantidade significativa de arcadas dentárias.
Com 2,1 milhões de habitantes, Bucareste foi fundada em 1459 pelo famigerado príncipe Vlad Tepes, que originou a lenda do conde Drácula. No papel de centro do poder do principado de Valáquia, no século 17, a cidade foi uma das mais ricas da fatia oriental do velho continente. Mais tarde, no começo do século 20, a urbe atingiu seu apogeu e viveu alegremente a sua própria belle époque, durante a qual floresceram centenas de palacetes e parques neoclássicos que lhe renderam a alcunha de “Paris do Leste”.
Então vieram os bombardeios da Segunda Guerra, dois grandes terremotos e a estética comunista, que se encarregaram de dizimar boa parte da beleza ancestral de Bucareste. Por fim, já nos anos 80, os frangalhos da capital foram reorganizados ao redor de um adorno duvidoso, o inclassificável edifício do parlamento, o Palatul Parlamentului (Strada Izvor, 2-4, 40-21/311-3611, cdep.ro; 10h/16h; € 5,60) – a visita guiada (para entrar, é preciso apresentar o passaporte) ao suntuoso interior é a sua principal obrigação como turista. Com 300 mil metros quadrados, o segundo edifício mais volumoso do mundo depois do Pentágono americano ficou para a posterioridade como a mais completa tradução da megalomania do ex-ditador comunista Nicolae Ceaușescu, que governou a Romênia de 1967 até a queda do regime comunista, em 1989.
Apesar de ser a capital do segundo país mais pobre da União Europeia, Bucareste tem uma taxa de criminalidade baixíssima e uma vida noturna vibrante. Além do mais, o que restou de seus tempos de glória é mais do que suficiente para manter viva a sua aura de glamour. Os amplos bulevares ladeados de palacetes desembocam em enormes áreas verdes, como o belo Parcul Cismigiu. Quem tiver pouco tempo na cidade ficará satisfeito se investir todas as fichas no centro antigo (Lipscani), onde se concentram os edifícios históricos e lindas igrejas, como a Stavropoleos. A rua homônima é o epicentro de uma região repleta de cafés sofisticados e endereços que remetem ao doce passado da capital. Um desses lugares é a Caru’ cu Bere (Strada Stavropoleos, 5, 40-2 1/313-7560, carucubere.ro; 2a/5a 8h/0h, 6a e sáb 8h/2h, dom 8h/0h; Cc: M, V), onde garçonetes de vestidinhos de mangas bufantes refrescam com cerveja artesanal a multidão que saliva sobre pratos de mititei (bolinhos de carne moída condimentada — € 1 por unidade) e ciorba (sopa) de feijão com carne defumada servida dentro do pão (€ 2,50), duas grandes delícias da culinária romena. Funcionando desde 1879 num edifício adornado com vitrais, afrescos e piso de mosaico, esta cervejaria é uma instituição aonde locais e turistas convergem em clima de festa, ao som de violinos (ao vivo), a alma da frenética música balcânica.
Como toda capital europeia que se preze, Bucareste também tem museus de peso. O mais interessante é o Muzeul National de Arta Romaniei (Calea Victoriei, 49-53, 40-21/313-3030, mnar.arts.ro; 4a/dom 10h/18h; € 3,50), que abriga 12 mil obras europeias, além de uma vasta coleção romena, dentro de um magnífico palácio do século 18. Também vale sorver um pouco da história do país no Muzeul National de Istorie a Romaniei (Calea Victoriei, 49-53, 40-21/315-8207 mnir.ro; 4a/dom 10h/18h; € 2), diante do qual está a estátua mais bizarra e fotografada da cidade, do imperador Trajano nu com um lobo no colo. Fora do centro, à beira do lago Herastrau, o Muzeul National al Satului (Şoseaua Kiseleff, 28-30 , 40-21/222-9106, muzeul-satului.ro; 2a 9h/17h, 3a/dom 9h/19h; € 2,30) rende um gostoso passeio ao ar livre entre ícones da Romênia rural: moinhos, casas de campo, carroças etc.
Longe se seus cartões postais, Bucareste é um grande museu do comunismo a céu aberto. Principalmente nos bairros mais modestos, carros soviéticos caem aos pedaços pelas ruas e blocos de edifícios caquéticos equilibram-se como podem sobre suas putrefatas estruturas. A ressaca do regime também se manifesta de uma maneira bem peculiar: 65 mil cachorros sem dono, indóceis descendentes de animais abandonados em tempos de vacas magras, habitam a região metropolitana. Atualmente, se discute uma possível (e polêmica) exterminação massiva de cães, por causa dos frequentes ataques. Enquanto isso não acontece, convém esquivar-se das matilhas errantes evitando lugares ermos e as áreas mais vazias dos parques, sob pena de levar uma vacina anti-rábica como suvenir.
Onde ficar
Cheio de charme, e administrado por holandeses, o hotel butique RembrandT (Strada Smârdan, 40-21/313-9315, rembrandt.ro; desde € 58; Cc: A, M, V) é um dos grandes achados do centro da cidade, com dezesseis quartos aconchegantes, decorados com piso de taco de madeira e lindas poltronas de couro. Moderno e com quartos enormes, o Ibis Palatul Parlamentului (Strada Izvor 82-84, 40-21/401-1011, ibis.com; desde € 40, sem café da manhã; Cc: A, D, M, V) tem vista de camarote para o parlamento. Na categoria design a preço acessível, o campeão é o Christina (Strada Ion Slatineanu, 13, 40-21/210-7303, hotelchristina.ro; desde € 64, sem café da manhã; Cc: A, M, V). Já no quesito luxo clássico, o imbatível é o Hotel Epoque (17C Intrarea Aurora, 40-21/312-3232, hotelepoque.ro; desde € 158), concebido como uma homenagem à belle époque de Bucareste (ainda que tenha três anos de idade).
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