Por Gabriela Erbetta
Lisboa, Salvador e San Francisco que me perdoem – amo as três, mas prefiro cidades onde posso caminhar tranquilamente por ruas planas e arborizadas, sem medo de virar uma esquina e dar de cara com uma ladeira que vai acabar com meu fôlego, meus joelhos e meu humor. Montevidéu é assim, com a vantagem de ainda ter praia e um horizonte memorável. Foi meu irmão quem chamou minha atenção, há quase vinte anos, na primeira vez em que viajamos juntos para lá: o Uruguai tem horizonte por todos os lados. Para quem vive em uma cidade como São Paulo, onde o cimento dos prédios muitas vezes prevalece sobre o azul do céu, aproveitar essa amplidão quase sem obstáculos faz toda a diferença.
Horizonte e caminhadas se juntam ao país vizinho também em uma frase constantemente atribuída ao escritor uruguaio Eduardo Galeano, mas que na verdade foi dita pelo cineasta argentino Fernando Birri em uma palestra que os dois amigos fizeram em Cartagena, na Colômbia. “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” É esse o espírito de minhas andanças por Montevidéu: não deixar de caminhar.
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Começar com um dia na Ciudad Vieja, o centro histórico, vale tanto para os visitantes de primeira viagem como para os reincidentes: além de matar vários pontos turísticos famosos e bem próximos, sempre existe por ali um novo café, uma livraria a ser descoberta, um restaurante capaz de tornar a estadia inesquecível. Mas vá durante a semana, já que muita coisa fecha aos sábados e domingos.
A partir da Plaza Independencia – onde está o mausoléu do General Artigas, herói da libertação uruguaia –, quem curte construções antigas pode embarcar em uma visita guiada ao Teatro Solís ou ao Palacio Salvo (edifício “irmão” do Palácio Barolo, de Buenos Aires). Eu vou para rever o acervo do Museo Torres García, dedicado ao famoso artista uruguaio que desenhou um mapa da América do Sul “ao contrário”. Fica na rua que sai diante da Puerta de la Ciudadela, resquício da muralha que havia ali durante a colonização espanhola e cenário comum para fotos.
A partir da Independencia, pela Peatonal Sarandí ou pela calle Rincón, explore o trajeto em direção à menos badalada e mais graciosa Plaza Zabala. Um dos concorridos endereços da área é o Culto Café, aberto em 2019, que serve bebidas feitas com grãos de países como Brasil, Colômbia, Quênia e Etiópia. Para o almoço, há saladas, massas ou sanduíches no Lucca e cardápios sazonais no badalado Jacinto.
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Desde agosto de 2022, fica na Plaza Zabala a nova entrada do Palacio Taranco, casarão projetado pelos arquitetos que também desenharam o Petit Palais, em Paris, e sede do Museo de Artes Decorativas. Com pinturas, esculturas, tapeçarias e mobiliário de época, o lugar mostra como vivia a abastada família Ortiz de Taranco no começo do século XX. Depois do passeio, hora de reabastecer a dose de cafeína na Federación Panadería Urbana ou no Sometimes Sunday até a caminhada me levar ao famosíssimo Mercado del Puerto, com bares, restaurantes e lojinhas – vá nem que seja só para ver como é feita a parrilla, o tradicional churrasco uruguaio, com carnes assadas em uma grelha inclinada. Ao lado, o Museo del Carnaval ajuda a gente a se familiarizar com os tambores do candombe, o contagiante ritmo afro-uruguaio que volta e meia invade as ruas e praças dos bairros Sur e Palermo, no entardecer dos fins de semana.
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Cordón e Palermo: os “novos” bairros
Cumpridos os rolês turísticos obrigatórios do centro histórico – e depois de passear pela rambla de Pocitos para tirar uma foto diante do enorme letreiro com o nome da cidade –, é hora de descobrir por que a Lonely Planet incluiu Montevidéu como um “destino foodie secreto” em sua lista dos melhores programas para 2023. Muitas das boas novidades entre os bares, cafés e restaurantes locais estão nos bairros de Cordón e Palermo e foram instaladas em antigos casarões nas vias residenciais que dão à região um ar mais interiorano que as movimentadas vizinhanças de Pocitos e Punta Carretas.
Inaugurado em 2017 no prédio restaurado de uma velha fábrica de móveis, o Mercado Ferrando ajudou a movimentar a vida de Cordón com lugares que servem pizza, parrilla, hambúrguer, taco, poke, sorvete, vinho e cerveja, além de uma padaria com pain au chocolat e rolls de canela deliciosos, uma loja de especiarias e outra com livros sobre gastronomia. À noite, o movimento se desloca para as cervejarias, pubs e barzinhos no entorno da calle Juan Manuel Blanes – ou, se você der sorte de estar em Montevidéu quanto rolar a Noche de las librerías, na vasta programação cultural noturna idealizada pelas mais de oitenta livrarias que mantêm as portas abertas, com shows musicais e outras atividades, até o começo da madrugada. Fique de olho no site da prefeitura para acompanhar as datas.
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Confira outros endereços imperdíveis de Cordón e Palermo:
A vista para o mar compensa o ambiente supersimples do bar especializado em chivito, o megarreforçado sanduíche típico do Uruguai. A receita tradicional combina carne, alface, tomate, muçarela, bacon e maionese, mas também há versões com presunto e uma vegetariana, com berinjela e ovo frito. Saiba mais.
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Ao lado da área de brinquedos infantis do Parque Rodó, é ideal para emendar um almoço com as crianças em mesinhas sob a sombra das árvores. À noite, pizzas reforçam o cardápio e a programação inclui apresentações variadas de música ao vivo. Saiba mais
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Em um charmoso casarão centenário, com café e mesas no pátio dos fundos, a livraria foi uma das precursoras do burburinho local quando abriu as portas em 2016. A intensa programação de cursos e oficinas inclui literatura, poesia, idiomas, música e desenho, entre outros temas. Saiba mais
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Referências de países asiáticos e do Oriente Médio aparecem em pratos como os noodles veganos com tofu e shitake, a pastilla marroquina de frango com amêndoas e o sanduíche israelense de berinjela com tahini. É fundamental fazer reserva para o concorrido brunch nos fins de semana. Saiba mais
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Cordón e Palermo parecem atrair cafés em livrarias. Neste, instalado há menos de dois anos em uma casa pitoresca, sanduíches, saladinhas e torradas com guacamole ou ovos mexidos dividem as sugestões com bolos caprichados. Saiba mais
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Aberto desde o meio-dia até o começo da madrugada, este restaurante descolado tem decoração na linha industrial e cardápio variado de acordo com o horário. Para o almoço, os pratos incluem peixe com polenta, nhoque de presunto cru, milanesa de berinjela. À tarde, serve sanduíches e doces e, à noite, nachos, tacos, bolinhos e tortillas acompanham a carta de drinques e cervejas. Saiba mais
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Além dos sanduíches e alfajores para o café da manhã e das tortas, empanadas ou milanesas no almoço, costuma inventar cardápios temáticos: noite de pizzas, domingo de massas, brunch oriental… Acompanhe a programação pelo Insta.
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Um dos prazeres que essa cidade de vida mansa oferece é o de aproveitar o pôr-do-sol. É comum ver os montevideanos praticarem esse esporte com chimarrão em mãos em lugares como o pequeno parque na frente da Faculdade de Engenharia (Julio Herrera y Reissig, 565), de onde se vê a Playa Ramírez, o Parque Rodó e a rambla fluírem em direção à Ciudad Vieja. Mais a leste, no bairro de Punta Gorda, outro bom camarote é a Plaza Virgilio (ou de la Armada): a pequena colina apontada para o mar tem, além de uma escultura interessante, uma boa perspectiva dos últimos raios de sol do dia.
ONDE FICAR
De 2021 pra cá a cidade ganhou novo fôlego na hotelaria com a inauguração de dois hotéis no coração de Pocitos. O Hotel Montevideo, aberto em novembro de 2022, traz a marca Leading Hotels of the World, tem projeto arquitetônico moderno, mas todas as atenções se voltam para o terraço em “U”, que tem uma piscina e o Sky Bar, um dos lugares mais disputados da capital para ver o pôr-do-sol. Já o Costanero by MGallery, aberto em novembro de 2021, tem uma localização imbatível, pé na areia da praia de Pocitos. Por muito tempo, o Casino Carrasco, erguido nos anos 1920, foi sinônimo de hotelaria de alto padrão em Montevidéu. Depois de mais de uma década fechado, reabriu em 2013 com a bandeira Sofitel e recuperou a pompa. Outro endereço mais estrelado é o Hilton Garden Inn Montevideo, colado ao Montevideo Shopping Center, perto da rambla Armenia e da praia de Buceo. Mais classicão, o Radisson Montevideo Victoria Plaza fica diante da Plaza Independencia. O Don Boutique tem uma localização perfeita: em frente ao Mercado del Puerto.
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COMO CIRCULAR
Os deslocamentos de um bairro para outro podem ser feitos tranquilamente de ônibus – a prefeitura tem um aplicativo grátis para celulares (Android e iOS) que permite traçar rotas e descobrir as linhas. Entre no ônibus pela porta da frente e pague direto ao motorista. A passagem custa $ 44 (cerca de R$ 6). Quem preferir um rolê de bike – que, em Montevidéu, é chamada de bici – encontra várias opções de aluguel ao longo das ramblas de Pocitos e Punta Carretas. Uma das empresas recomendadas é a Orange Bike, que pode entregar a magrela em seu hotel. Uber funciona como no Brasil e pode, muitas vezes, ter tarifas melhores que os táxis, como é o caso do trecho entre o aeroporto e a área central (chame o carro quando estiver no segundo andar).
MOEDA
Cartões emitidos no exterior têm isenção do IVA (equivalente ao ICMS). O desconto varia de 18% a 22% e vale para restaurantes, hotéis, locadoras de carros e alguns outros serviços. Mesmo com o IOF de 6,38%, pagar com cartão vale a pena. A medida é válida até 30 de abril de 2023, podendo ser prorrogada. Caso você tenha dólares, leve e troque por pesos uruguaios que a cotação costuma ser boa em casas de câmbio. Caso não tenha, leve reais e troque na chegada.
QUANDO IR
Entre setembro e abril, o país registra o menor índice de chuvas. No verão, os termômetros não ultrapassam os 28ºC. No inverno gelado, a temperatura pode chegar aos 6ºC ou bem menos – e o pior nem é o frio, mas o vento que chega a derrubar.
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