Por Emmanuelle Tessinari
Lima tem de tudo: igrejas coloniais grandiosas, sítios arqueológicos, museus, parques e praças. É um rol de atrativos suficiente pra botar a vida na rua, ao som do reggaeton. Mas a maior motivação dos mais de 4 milhões de turistas que aportam anualmente na cidade é a gastronomia.
Orgulho nacional, ela é assunto nos elevadores, é pauta dos taxistas, é sonho das crianças que querem subir na vida virando chefs de cozinha. É uma epidemia, uma paixão. É uma coisa similar ao futebol no Brasil.
Se a sua ideia de viagem for essa (e é uma ótima ideia), comece por Miraflores. Próspero, imenso, o bairro mais famoso da cidade mistura apartamentos de luxo a quitinetes de temporada, famílias centenárias peruanas a turistas de todo o mundo, lojas internacionais a feiras de artesanato.
E tem as principais cevicherias do pedaço, normalmente abertas só para o almoço. Informais, são amadas pelos limenses, que lá se encontram para conversar, paquerar, tomar um trago e beliscar comida.
Entre as tops está o descontraído La Mar, do mais famoso chef peruano, Gastón Acurio. As ostras e a degustação de ceviches são deliciosas. Para acompanhar, escolha coquetéis com produtos locais como a chicha, o camu camu e, claro, o pisco.
Cartão-postal igualmente vigoroso de Lima é El Mercado, do chef Rafael Osterling. A decoração de vendinha vintage, as mesas próximas e a música criam um ambiente charmoso. O cardápio mistura pratos peruanos tradicionais com cozinha asiática. Peça qualquer um, sem medo. Ou eleja logo o polvo como entrada, o pescado grelhado como prato principal e o tres leches (um bolo cremoso de leite) como sobremesa. Para sentir ainda mais o clima do lugar, almoce lá na sexta ou no sábado, quando lota.
Por ali também, o Pescados Capitales é o queridinho dos brasileiros. O nome brinca com os pecados capitais. O cardápio, idem.
De Miraflores vale uma esticada ao sul da cidade, em Chorillos, bairro logo depois de Barranco. Lá fica um dos mais famosos ceviches de Lima. O Sonia surgiu do amor de uma cozinheira (Sonia) por um pescador, há mais de 40 anos. Hoje, pessoas de todos os cantos da cidade vão até lá se deliciar. O restaurante é de bairro, bem simples e popular. E bem diferente das decorações sofisticadas comuns aos restaurantes de Miraflores e San Isidro.
Altíssima gastronomia
Em sua visita, porém, vale o regalo de ao menos um restaurante de alta gastronomia. Pelo menos unzinho. Em Lima, que tem três na lista dos 50 melhores do mundo, segundo ranking de 2018 da revista britânica Restaurant, você pode comer em casas estreladas sem pagar fortunas. O Central, do chef Virgínio Martinez, está no topo dos desejos dos bons comilões.
Premiado como o 6º melhor do mundo, top da América Latina, uma mesa nele pode custar meses de espera. Fica também em Miraflores, numa casa discreta, sem nome na porta. Ao entrar, você topa com uma decoração moderna e uma grande cozinha industrial protegida por uma parede de vidro. Os pratos explicam um pouco a escolha do nome do restaurante.
Martinez queria uma comida que unisse ingredientes de diferentes regiões do país. Da Amazônia vem o peixe; dos Andes, os grãos e as batatas; da horta própria, mantida no terraço, folhas e flores. Se ficar perdido no cardápio, escolha o ceviche caliente, bem diferente do tradicional, como entrada, e o mero assado com quinua negra e batata nativa como prato principal. De sobremesa, vá de chirimoya com chía, fruta típica peruana com o grão da moda.
Quinze minutos de carro, ao norte, levam ao bairro de San Isidro e ao mais famoso restaurante do país – o Astrid y Gastón, o primeiro do celeb-chef Gastón Acurio. A grife e funciona na Casa Moreyra, casarão colonial que deu origem ao bairro quando ele era uma única fazenda, no século 18. São três espaços em um só estabelecimento: Astrid y Gastón, que passa a servir somente o menu degustação; La Barra, um lugar mais despojado e onde você vai jantar caso não esteja disposto a pagar muito; e El Cielo, que é separado para eventos.
Lima tem, claro, casas menos incensadas internacionalmente, mas adoradas pelos locais. Rafael é uma pequena construção na Calle San Martin, em Miraflores, tem decoração art déco e obras de arte moderna nas paredes que lhe dão um toque especial. O ambiente é agradável: você não tem a sensação de estar em um restaurante luxuoso, mesmo ele sendo o número 16 da América Latina, de acordo com a premiação Latin America’s 50 Best Restaurants de 2018.
Já à mesa, Rafael Osterling apresenta uma cozinha moderna, mas feita com toque peruano, com o uso de peixes locais, pisco e grãos como quinoa e kiwicha. Prove o atum grelhado com ervas. A dica aqui é chegar bem antes do horário da sua reserva para poder curtir o bar que, apesar de pequeno, é cheio de estilo.
E o restaurante da moda? É o La Picantería, de Hector Solis. Situado em uma casa com portas fechadas em Surquillo, bairro popular coladinho a Miraflores. É basicamente composto por um barzinho pequeno, uma sala com duas mesas grandes, um quadro-negro com o menu do dia e toalhas de plástico.
Eles trazem o peixe do dia, você escolhe o tamanho e o modo de preparo e, voilà! Os pratos são grandes, e os peixes são servidos inteiros. A ideia é compartilhar a comida, a mesa, a conversa. Escolha os sudados, pratos em que os peixes são cozidos mergulhados no tempero. Para tomar, prove as chichas de jora, uma bebida inca.
Nenhum outro chef, porém, está fazendo tanto barulho atualmente quanto Renzo Garibaldi, dono do Osso – ele fica mais lonjinho, em La Molina, a meia hora de carro do Centro. Renzo não tem nada típico de um cozinheiro peruano: 1,96 metro de altura, meio hipster, dono de um restaurante que vende carne! Sim, nadando contra toda a maré peruana, Osso é um açougue que se tornou um dos mais concorridos restaurantes da cidade menos carnívora do continente.
Ao pedir o menu degustação, você não poderá escolher sequer seus companheiros de mesa. Em um anexo ao açougue, Renzo recebe os poucos clientes a uma única mesa e escolhe, ele próprio, o que vai servir – melhor não discordar… Tudo será degustado sem talheres: as mãos serão seus instrumentos. Os “pratos” passam por patês, chorizos, hambúrgueres e carnes nobres de angus e wagyu. Há uma única sobremesa, o eton mess, merengue com chantilly e sorvete de baunilha.
Típico e cool
Em meio a tantas casas com apreço por experimentalismos, Lima ainda reserva espaço para a culinária típica. No centro histórico, perto da Plaza Mayor, fica o Cordano, um clássico limeño e o mais antigo bar da cidade, com honrosos 103 anos de funcionamento. A especialidade da casa é o butifarra – um sanduíche feito com jamón del país (carne de porco), cebola roxa e salsa criolla. Mais peruano, imposible.
Nos intervalos das boas mesas em Miraflores, faça um pit stop na Praça Kennedy, o melhor lugar para provar os doces da cidade. Procure entre os carrinhos vermelhos o Dulces Limeños Anita. É provável que você o encontre rápido, pela muvuca em volta. Há 20 anos na praça, Anita vende doces típicos, como mazamorra, um tipo de mingau doce, arroz con leche. O mais famoso deles é o suspiro à la limeña, com doce de leite e canela – nada a ver com o suspiro brasileiro.
A capital peruana faz bonito ainda em outro nicho, o dos moderninhos. Em Barranco, o mais descolado, boêmio e cultural dos bairros de Lima, as novidades pipocam. Entre uma passada na Fundação Mario Testino e um passeio pelos grafites da Avenida Pedro Osama, há duas pedidas para o almoço no estilo bom, bonito e barato.
O primeiro é o Sibaris, do chef Francesco de Sanctis, que chama atenção com uma proposta de pratos com poucos ingredientes e produtos nacionais. Peça a quinua gratinada con queso andino e o bucatini con ragu de pato ou aceite a sugestão do dia – arriscar pode fazer você feliz.
Escondido na Pasaje Genova, o Canta Rana é outro segredo do Barranco. Simples, com banquinhos desalinhados e toalha feita de antigos sacos de farinha, o bar/restaurante é um boteco digno de Brasil. No cardápio, um típico restaurante caseiro peruano: tacu tacu, lomo saltado, ceviche, sudados, arroz com marisco e muito pescado.
E como é bom o camarão ao alho e a chicha, que é o peixe grelhado… Não deixe de pedir o ceviche. Para experimentar algo novo, encare o chupe de pescado, uma sopa com pedaços de peixe e arroz. Superpicante e superbom. Entre e esqueça da hora.
No fim de semana, todos os limenses (e turistas) correm para o Malecón, o calçadão de Miraflores que margeia a falésia da cidade. Seu parque mais turístico é o Parque do Amor, conhecido por seu muro de mosaicos coloridos com frases de amor de grandes poetas peruanos e por El Beso, a imensa escultura de um casal se beijando. Uma imitação simples das obras de Gaudí no Parque Guell, de Barcelona, mas que rende lindas fotos. E a vista da cidade e do Oceano Pacífico é de não esquecer.
Maior da América Latina em extensão, ele abriga a bela Plaza Mayor. O conjunto de arquitetura colonial reúne edifícios do Palácio do Governo, da Prefeitura de Lima, o Arcebispado. E também a catedral: inspirada na de Sevilha, é famosa por guardar o túmulo de Franscisco Pizzarro, o conquistador espanhol fundador da cidade.
Outra parada inevitável: o Convento de San Francisco, com milhares de ossos decorando suas catacumbas. O Centro de Lima também é famoso pelos balcones (varandas de madeira talhada, construídas no vice-reinado espanhol e só existentes no Peru) e os pátios internos de seus casarões – na rua Jirón Ucayali, eles não acabam mais.
Documentação
Passaporte com validade mínima de 6 meses contados a partir da entrada no território peruano.
Saúde
Nenhuma vacina é necessária para entrar no Peru.