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Para quem é da cidade, o campo pode gerar faniquitos

Uma cabana na serra, a companhia da cara-metade, um besouro colossal e as muitas epifanias da montanha

Por Milly Lacombe
Atualizado em 9 set 2021, 14h47 - Publicado em 2 set 2016, 11h14

Em nosso primeiro fim de semana na casa nova, uma cabana construída no meio do mato, eu estava na cozinha fazendo a única coisa que sei fazer na cozinha – macarrão ao alho e óleo que aprendi com minha mãe, embora o dela seja muito melhor do que o meu – quando um besouro muito preto e de tamanho colossal entrou pela janela.

O fato de a casa ficar a 10 quilômetros de algum vestígio de civilização talvez não tenha impedido que meus gritos fossem ouvidos na igrejinha e no coreto. E, quando se trata de um casal de mulheres – exatamente o caso -, se uma delas grita, a probabilidade de a outra gritar também, mesmo sem saber por que está gritando, é bastante grande. Foi o que aconteceu naquela noite.

Para quem, como eu, nasceu e cresceu na cidade, a vida rural reserva deslizes. E eu sabia de todos eles quando concordei em comprar um pedacinho de terra em Gonçalves, no sul de Minas Gerais, e erguer ali uma cabaninha com meu objeto de devoção. Mas achei que teria o controle sobre portas e janelas e poderia fechá-las e me proteger dos insetos quando a noite caísse. Mas naquele primeiro fim de semana descobri que esse era apenas mais um controle que eu não teria. Assim que parei de hiperventilar, o que aconteceu minutos depois de minha mulher pegar o bicho e devolvê-lo a seu habitat (não sem antes me descascar pela histeria), comemos o macarrão e fomos deitar.

No dia seguinte, acordei com a luz do Sol entrando pela janela e com o canto do galo que eu nem sabia que tínhamos. O celular dizia que eram 6 e 10. Empolgada, levantei e resisti ao ímpeto de telefonar para minha mãe apenas para dizer: “Viu como sou capaz de acordar antes das 7?”, e simplesmente saí da casa. Lá fora, um vento doce e gelado me fez um dengo no rosto. O Sol que nascia atrás da Pedra do Baú trazia com ele uma tonalidade de laranja que eu não conhecia.

Hipnotizada, sentei no degrau que dá para a varanda e contemplei aquele oceano de montanhas à minha frente. Uma manhã tão simples, tão distante da realidade que eu conhecia até aquele instante, que nunca será esquecida. Seis anos depois, ainda grito quando o besouro entra, mas até ele talvez hoje já saiba que os gritos são pura frescura, e que eu acabei me misturando àquele lugar, onde um dia pretendo passar o resto da vida – e do que vem depois dela.

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