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Flecheiras e Lagoinha, o lado B do litoral cearense

Entre Fortaleza e Jeri, Flecheiras e Lagoinha brilham com dunas, lagoas, calor e gente voando sobre as águas

Por Leonardo Luz
Atualizado em 23 jul 2021, 17h51 - Publicado em 13 set 2011, 12h41

Para muita gente, o litoral do Ceará resume-se à região de Fortaleza, à mítica Jericoacoara e à muvucada Canoa Quebrada. Mas é nos entretantos, como diriam os portugueses, que se esconde boa parte do melhor do estado. A 110 quilômetros de Fortaleza, na direção do “sol poente”, como se diz lá, aparece Lagoinha, com o coqueiral fincado sobre a areia da praia em meia-lua, marcando o início de uma região que brilha ainda mais com Flecheiras, 30 quilômetros adiante, e, cruzando o Rio Mundaú e seguindo um pouco mais além, a surpreendente Icaraí de Amontada.

Flecheiras é um desses lugares a ser guardados. Ou, para soltar o coração, o cenário de um romance solar que se desenrola entre dunas e o mix de azul-turquesa e verde-esmeralda de um mar que se oferece sem pudor – abstraia os 4×4 que fazem da areia uma estrada. Com um povo acolhedor e praias que se estendem por 21 quilômetros, Flecheiras (ou, como algumas placas informam, Flexeiras) é um distrito de Trairi, lugar a que se chega por boa rodovia asfaltada, a CE-085, a famosa (no Ceará) Rodovia Estruturante, numa viagem de cerca de duas horas de carro desde Fortaleza. Flecheiras foi a praia escolhida para locação do programa global No Limite, aquele Big Brother com toques de sobrevivência na selva e Zeca Camargo como Pedro Bial, exibido em 2009.

Mas a verdade é que nesse pedaço do Ceará só passa perrengue quem estiver mesmo muito a fim disso. Nos hotéis locais, como a Pousada Catavento, é o hóspede quem dita os limites. E é ele também quem dita o horário em que vai pular da cama e a quantidade de água de coco a ser consumida para repor as calorias perdidas no trajeto piscina-praia-restaurante-praia-piscina. É um mundo na verdade anti-No Limite que se abre nos quartos desses hotéis. Mesmo nos menos ostensivos, os apartamentos são montados com TV de tela plana e ar-condicionado. São equipamentos que talvez tenham pouco uso, já que o mar, o vento e o bar com serviço de praia formam uma concorrência feroz.

Flecheiras é um dos pontos do litoral cearense em que o vento faz a curva – e muitos outros movimentos -, o que atrai esportistas. Velejadores, gente do windsurfe e do kite batem cartão ali, especialmente europeus em suas férias de agosto. Os calouros precisam ter paciência, já que o domínio do equipamento só é alcançado depois de muito treino em solo firme. E é preciso praticar mesmo, pois, uma vez na água, a velocidade impressiona. Não estranhe, portanto, se, de sua espreguiçadeira, você vir um kitesurfista praticamente flutuar, com a pequena prancha presa aos pés, sobre o mar.

Se os ventos e seus acrobatas não valerem o couvert artístico, caminhe ou contrate um bugueiro para conhecer as praias vizinhas. Mundaú e Guajiru, esta última locação de uma tranquila vila de pescadores, são a extensão natural de Flecheiras, sem divisões visíveis. Rodados mais 10 quilômetros, o Rio Trairi diz presente e, na maré cheia, sua foz de cerca de 50 metros de extensão força quem quiser atravessá-lo a subir numa jangada ou testar o braço. De acordo com o movimento da maré, professores de kite dão aulas ali. A parada para fotos é obrigatória e dá vontade de vestir todo aquele estranho aparato e sair voando sobre as ondas. A essa altura você já deve estar acostumado aos 4×4. Os parados ali são de meninos de Fortaleza, em bate e volta à região para praticar suas aulas.

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Para o leste, o caminho também vale muito. Até chegar a Lagoinha, quilômetros de praia e dunas pintadas pelo verde da vegetação rasteira dominam a paisagem. No Mirante da Lagoinha, uma vista es-pe-ta-cu-lar do mar que bate numa falésia de tom avermelhado com aqueles coqueiros cravados nela é a recompensa. Se puder, procure evitar a praia nos fins de semana, quando Fortaleza chega em peso. As barracas grandes, algumas com redários pé na areia, costumam lotar, o que é o álibi perfeito para sair um pouco do saracoteio e ir a um dos restaurantes de pescados.

De bugue, o retorno a Flecheiras é rápido pela chamada Trilha do Pôr do Sol. A parada no ponto mais alto da região, a Pedra das Índias, dá o toque histórico que faltava. Era dali que as índias avistavam os companheiros da tribo pitiguara pescando nas lagoas com flechas – donde o nome Flecheiras. Às vezes as índias avistavam inimigos, e aí era um tupã nos acuda. A Pedra tem uma linda vista panorâmica do lugar, dá vontade de ir ficando. Mas lembre-se de que um pôr do sol o espera em Flecheiras. Não é aquela comoção nacional do entardecer em cima da duna de Jericoacoara, mas é tão dourado quanto.

Flecheiras também não é Canoa Quebrada, mas, guardadas as proporções, a noite ferve na pracinha principal. Camiseta, bermuda e chinelos servem de traje a rigor. A noite fica sempre mais agitada em julho e agosto, com a chegada dos europeus. Agosto é também o mês em que tradicionalmente acontece o Festival das Algas. O gaúcho Ivanor Lincina, o popular Nonô, do Nonô Restaurante e Pizzaria, é um adepto de primeira hora do evento, que ajuda a movimentar a pequena economia local. Nonô usa o ingrediente em suas pizzas, como as de atum e margherita. E, talvez para afirmar sua fé na iguaria, resolveu colocá-la até na de chocolate, misturando o sabor da alga ao caldo de maracujá que joga sobre a massa. O entusiasmo pela alga só não é menor do que aquele que Nonô tem por Flecheiras, para onde foi meio por acaso em agosto de 2003, em férias, para voltar “de mala e cuia” apenas três meses depois. Já se sente nativo. “Tenho terreno para construir uma casa e paguei minha vaga no cemitério defronte à praia”, diz. Parece conversa de minuano, mas essa história do cemitério não é metáfora. “Quero ser enterrado de pé para continuar olhando este mar nas horas em que a maré baixar”, diz.

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