Uma semana entre Aiuruoca, Carrancas e Ibitipoca
Em meio às montanhas da Serra da Mantiqueira, tomamos as estradas do sul de Minas Gerais rumo ao trio de ouro do ecoturismo do estado
Foi numa cachoeira de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, que o francês Kieran Craik, o Kiko, conheceu a portuguesa Cristina Huguenin, a Kika. Mas o casal escolheu Aiuruoca, em Minas Gerais, tempos depois, como cenário no qual juntariam suas escovas de dente. Mais alguns anos se passaram e eles resolveram, como se diz, cozinhar para fora. Naquela cidade de 6 mil habitantes, um lugar que os mais urbanos poderiam considerar o fim de mundo – e eu chamaria de roça cercada por quedas-d’água por todos os lados -, abriram o Kiko & Kika, restaurante onde, numa imóvel terça-feira, eu comia truta defumada enquanto contabilizava os tons de verde sobrepostos da Serra da Mantiqueira.
Passaria uma semana entre Aiuruoca, Carrancas e Ibitipoca. Juntas, essas três cidadezinhas de nomes esquisitos, a poucas horas das grandes capitais do Sudeste, formam o melhor do sul de Minas Gerais: uma região feita de estradas de terra e rios em cascata, parque estadual com grutas e mirantes, comunidades esotéricas, piscinas naturais. Sabe aquele tênis velho? Talvez tenha chegado a hora de resgatá-lo do fundo do armário.
O vale encantado
Aiuruoca, cidade que Kiko e Kika escolheram para se refugiar, fica a 329 quilômetros do Rio de Janeiro e a 368 de São Paulo. Pelo sossego, parece estar a milhares, quem sabe dezenas de milhares de quilômetros. Nos três dias em que rodei por lá, indo e voltando das principais trilhas para as cachoeiras e visitando as simpáticas pousadinhas, apenas os Fuscas, fiéis companheiros de quem vive naquelas montanhas, interromperam, com o barulho de seus motores, o meu sossego.
Como todo mineiro, o povo das montanhas de Aiuruoca é calmo e desconfiado, ainda que logo se revele boa-praça. Dois locais, Marcus e Marlon, são bons exemplos disso. Os irmãos com nomes e sotaque de dupla sertaneja trabalham como guias de turismo. Logo me conquistaram pela camaradagem.
A dupla me mostrou o caminho para o Vale do Matutu, bairro rural onde uma comunidade alternativa se instalou em 1984 e desde então preserva a natureza da área que concentra as maiores atrações da região. Apesar de ser um vale, o Matutu está a 1 300 metros de altitude. De Aiuruoca até lá, a estrada poeirenta descortina uma cachoeira atrás da outra: a do Batuque, a Deus-Me-Livre, a das Fadas. Para chegar à primeira, com acesso por trilha sem sinalização, visitantes desacompanhados recorrem a uma ajuda muito especial. É o cachorrinho-guia de dona Graça, que mora e tem uma pousada ali perto. O animal conduz os turistas sozinho. “Vai rapidinho, filho, parece que vai chover em breve”, diz ela, já acostumada com o vaivém de seu pequeno, branco e estridente vira-lata.
A estrada que leva ao Matutu desemboca no casarão-sede da comunidade, ponto de encontro dos moradores e central de informações sobre o local. Lá funciona uma cooperativa que vende queijos, mel e outros alimentos integrais, além de artesanatos como prismas d’água (aqueles objetos de vidro que, pendurados em uma janela ou varanda, refratam a luz do sol). As casas da comunidade são feitas de pedras e de galhos de candeia, árvore tortuosa e resistente. São construções simples mas de um bom gosto elogiável. Uma caminhada de três horas, a partir da comunidade, leva à Cachoeira do Fundo, a mais alta de Aiuruoca, com 130 metros.
Piscina cor de coca-cola
Depois da maratona de caminhadas, é hora de pegar a BR-267, estrada (em boas condições) para Conceição do Ibitipoca, a 120 quilômetros de Aiuruoca. Até lá, o único obstáculo pode ser a falta de gasolina. Como a cidade não tem posto de combustível, é imprescindível abastecer em Lima Duarte, a última parada da viagem, a 27 quilômetros de distância. A vila, que na virada do século 17 para o 18 viveu um período glorioso devido à extração de ouro, parece uma cidade cenográfica.
Forasteiros como eu, atraídos pelo exuberante Parque Estadual do Ibitipoca, são inevitavelmente observados dos pés à cabeça pelas senhoras que conversam nas janelas das casinhas coloridas. Uma delas é dona Maria, que mora no lado esquerdo da estrada de terra de acesso ao parque. Com sorte, você compra um de seus pães de canela ainda quentinhos. Perfeitos, caso a fome resolva bater no meio da caminhada. Para percorrer as trilhas, é uma boa ideia contratar um guia. Elas são bem sinalizadas, mas, se estivesse sozinho, dificilmente teria alcançado a porção inferior da Ponte de Pedra, um enorme cânion com vão de 50 metros de altura.
Dali ao Lago das Miragens a trilha é curta – e o cenário, rodeado por montanhas. As águas das piscinas naturais do Ibitipoca são um espetáculo. Em razão do quartzito das rochas, elas adquirem tons de laranja, vermelho, amarelo… Algo entre o guaraná e a Coca-Cola. O caminho até a Janela do Céu, a queda mais procurada, não é nada doce. Leva sete horas para ser percorrido.
Cachoeira por metro quadrado
Deixei o fim de semana para Carrancas, última cidade do meu roteiro, e tive a impressão de ter visto mais cascata que gente. Não estava tão errado. Descoberta recente do ecoturismo, o lugar já tem 50 cachoeiras catalogadas. Fazendo as contas, dá uma para cada 80 oradores, aproximadamente. O nome da cidade refere-se ao formato de uma montanha que lembra aquelas estatuetas careteiras, as carrancas, que, dizem, protegem a tribulação dos barcos que navegam pelo Rio São Francisco. Carranquinhas estão à venda em lojinhas por toda a cidade. Mas se tem uma coisa difícil de encontrar por aqui é alguém de cara amarrada. Apesar do nome, Carrancas é a mais receptiva das paradas dessa viagem. A ganhadora, de longe, do meu prêmio honorável em hospitalidade.
A atração mais famosa de lá é a Cachoeira da Zilda. Para chegar, é preciso atravessar um rio com água até o joelho, se segurando bem para não cair, e depois caminhar por 20 minutos. Mas nada que se compare ao desafio de um cânion no mesmo rio, onde aventureiros adentram equipados com colete, capacete e com a ajuda de uma corda e de um guia. Quem prefere um passeio mais light vá à Cachoeira da Fumaça (mas a água não é potável). Se não puder ver tudo, inclua ao menos o Poço da Esmeralda no roteiro – pelo nome, dá para imaginar o tom verde cristalino da água.
O mais gostoso de Carrancas é encontrar, além das quedas-d’água muito bonitas, almoços de tutu-lombo-torresmo regados a um bom papo e a uma saborosa cachacinha. Noites de sono estão garantidas em pousadinhas rústicas e charmosas, como a Verdes em Cantos, decorada com tanto esmero que até a vaquinha do curral ganha, em dias de muitos hóspedes, um laço de fita. A exemplo de Kiko e Kika, de Aiuruoca, os donos daqui, Eder e Solange, construíram entre as montanhas de Minas o seu porto seguro. Eles tinham uma pousada em Tiradentes, mas um dia acharam a cidade histórica “agitada demais”. Talvez isso aconteça no futuro com Carrancas. Se eu fosse você, chegava antes.
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