Dizem que não devemos retornar aos lugares em que fomos felizes. O aforismo popular parecia fazer sentido sempre que eu pensava em voltar a Búzios. Talvez para manter a lembrança intacta, porque “nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia…”, como na canção do Lulu. A calmaria da pequena Praia dos Ossos, o rebuliço da Rua das Pedras, a brisa da Orla Bardot, as luzes prateadas do mar no fim da tarde, os barquinhos coloridos – será que tudo continuava lá? Foi um cenário que marcou uma época luminosa da minha vida, nos idos dos anos 1990, quando Búzios era sinônimo de sol, sal, paixão, pescarias, mergulhos, dias inesquecíveis e noites de estrelas cadentes.
Pois foi exatamente na mesma Praia dos Ossos, onde eu costumava alugar casas de férias, que descobri, quase duas décadas depois, um novo canto – e o encanto se refez. Do lado esquerdo da praia, aos pés da Igreja de Sant’Ana, uma antiga capelinha branca, envolta em hibiscos vermelhos, fica o hotel Vila da Santa. Sabemos que a hospedagem faz toda a diferença em um destino repetido. A arquitetura do lugar é inspirada em uma vila de pescadores do Mediterrâneo, com os quartos distribuídos entre pátios e escadas em diversos níveis. Um charme. No quarto, ao abrir as portas de treliça da varanda, dei de cara com a piscina, de desenho ondulado, entre canteiros de roseiras em flor. “A última novidade é sempre uma rosa”, diz um poema de Mario Quintana. Logo me inspirei em revisitar a praia, na mesma tarde. E não é que a prainha dos Ossos continua praticamente igual? A clássica Pousada Corsário ainda ocupa a esquina principal. O casarão em frente, que eu alugava fora de temporada, também virou pousada.
São 23 praias. Quer tranquilidade? Vá para Caravelas, José Gonçalves ou Tucuns. Para agito, escolha Geribá ou Ferradura
Praias e prainhas
Armação dos Búzios, ou simplesmente Búzios, é uma península com 23 praias, distribuídas em oito quilômetros de extensão. Ficar na Praia dos Ossos é tão conveniente quanto no centro. Embora não seja tão boa para banho de mar por ter muitos barcos atracados, a praia tem um visual sensacional e seu ponto de “aquatáxi”. Uma das comodidades divertidas em Búzios são os barcos-táxi, que levam às praias mais próximas, como Azeda e Azedinha, aonde se pode chegar também por uma trilha curta (uma ladeirinha e depois uma escada de madeira que tem um lindo visual).
O barquinho rapidamente me transportou de volta ao passado para eu ver que as duas praias vizinhas continuam belas e sossegadas. A areia estreitíssima, antes deserta, agora tem alguns quiosques. Antes de sentar, veja o cardápio e pergunte se há consumação mínima. Se for um feriado, a lotação na areia, que não precisa de muito, poderá azedar o passeio. Procure ir cedinho.
Outra particularidade do balneário são as praias gêmeas – uma maior e uma menor, com o nome no diminutivo. Tem João Fernandes e João Fernandinho, gostosas para banho, com ondas leves e faixa de areia generosa. Na temporada, lotam, e é comum os bares cobrarem consumo pelo lugar ao sol. Também são as preferidas dos argentinos, e eles são muitos em Búzios! Já Tartaruga e Tartaruguinha, mais distantes dali, são tão concorridas quanto. Atraem os visitantes pelas águas tranquilas e a chance de ver tartarugas marinhas. Vá no fim de tarde para ver o pôr-do-sol.
A Praia dos Ossos é uma localização estratégica porque fica a 15 minutos a pé da Rua das Pedras, onde se concentra boa parte do agito – a partir de uma caminhada pela Orla Bardot. A atriz francesa Brigitte Bardot deu fama internacional ao balneário, quando se refugiou ali, nos anos 1960, a ponto de batizar um calçadão e ganhar uma estátua. Fazer uma foto com BB é um dos clichês turísticos ao qual poucos visitantes resistem. Ao longo da orla, há também a escultura dos pescadores puxando uma rede no mar, um dos cartões-postais da cidade, e um Juscelino Kubitschek, deslocado e difícil de identificar. Tudo obra da escultora paulistana Christina Motta.
A Praia Olho de Boi é a única dedicada ao naturismo. E aviso aos navegantes: é proibido entrar lá de roupa. É mais frequentada por homens gays.
Quem te viu, quem te vê
Brigitte Bardot descobriu Búzios em 1964, uma praia então deserta, fugindo de jornalistas e fotógrafos. Gostou tanto que ficou mais de três meses na vila de pescadores, que era “selvagem”, como ela mesma definiu, em entrevista recente ao site da Radio France Internationale (RFI). “Guardo recordações únicas. Na época, era apenas uma aldeia de pescadores, sem água encanada ou eletricidade. Vivíamos como Robinson Crusoé em praias selvagens e desertas. As ruelas eram cheias de leitões pretos e galinhas. Nós vivíamos de pesca, farofa, mangas e muito sol”, disse a atriz. Não demorou para Búzios ficar conhecida como a “Saint-Tropez brasileira” e receber cada vez mais turistas.
A lembrança mágica, porém, se quebrou diante dos rumos que o balneário tomou. “O que Búzios se tornou hoje me deixa atordoada. É uma pena”, lamentou madame BB, na mesma entrevista. É verdade que Búzios não é mais aquele oásis de tranquilidade, especialmente na alta temporada, mas não perdeu de todo o savoir-faire. Quanto à atriz francesa, uma mulher de 87 anos ainda bela e conhecida pelo engajamento na defesa dos animais… Não se pode dizer que sua biografia seja coerente com o estilo hippie que marcou sua passagem pelo lugar que celebrizou. À medida que envelheceu, a musa ousada abraçou teorias de extrema direita e, em novembro de 2021, foi condenada a pagar multas por insultos racistas. Ainda bem que a Orla Bardot continua a mesma, cortada por um longo cais de madeira, daqueles que convidam a passear e esquecer os olhos no horizonte.
Logo no início, para quem vem dos Ossos em direção ao centro, outro cais chama a atenção pela quantidade de gaivotas empoleiradas em fila, numa espécie de corrimão do deque. O “cais dos pescadores”, como é conhecido, fica ao lado do Iate Clube. Abriga um bar meio bagunçado, com um cardápio plastificado que oferece isca de peixe e lula à dorê a preços salgados para as instalações, mas com boa cotação para a cerveja de garrafa. Deu para descolar uma mesinha e ficar a ver barquinhos e gaivotas, ao sol de inverno no meio da tarde.
Logo mais adiante, do lado esquerdo da orla, o Morro do Humaitá concentra algumas das pousadas mais charmosas do balneário, com vista king-size para a Baía da Armação. É o caso da romântica Vila d’Este, em que as suítes mais sofisticadas têm hidro na varanda. No verão, o terraço e a piscina de borda infinita são ponto de encontro para o sunset. Colado à piscina, o restaurante Altto oferece um menu de maravilhas do mar e carta de vinhos a preços atraentes. À noite, a vista é um palco iluminado. O vizinho Casas Brancas Boutique Hotel & Spa é um clássico da área. De estilo boho chic, seu terraço já estampou matérias de revistas do mundo inteiro. Com vista panorâmica para o mar da Armação, a Pousada Abracadabra é uma opção para quem procura algo luxuoso com um belo custo/benefício. A decoração é clean, com muito branco, madeira e varandas espaçosas. O café da manhã caprichado, com sucos detox em garrafinhas individuais e bolos caseiros, é de dar saudade.
Como o nome diz, a praia tem mar forte e ondas que atraem os surfistas. Fica a 30 minutos de caminhada do Centro e tem um bolsão de estacionamento na entrada. O restaurante Rocka é um dos melhores de Búzios, não deixe de ir. No costão direito o mar costuma ser mais convidativo ao banho e a areia é cor-de-rosa. Apenas imperdível!
Búzios by night
Embora concentre tantas praias bonitas, Búzios deve muito de seu glamour à vida noturna. A Rua das Pedras, fechada para carros, segue soberana do entardecer à madrugada, com restaurantes, bares, sorveterias e lojas em série. Permanece inabalável a creperia Chez Michou. O bate-perna frenético se estende às ruas paralelas e transversais. Além de abrigar filiais das principais marcas dos shoppings cariocas, as lojas de moda praia da Rua das Pedras são imbatíveis. Os biquínis mais bacanas da minha vida foram comprados em Búzios.
Na gastronomia, o Porto da Barra é um complexo de restaurantes próximo ao cais da Praia de Manguinhos. Cheio de opções temáticas, do sushi ao ceviche, da culinária portuguesa à brasileira, o espaço convida a ver o pôr do sol e variar a paisagem do jantar. Para estrear o biquíni novo, voltemos às praias. Desde que Búzios é Búzios, não podem faltar no roteiro Ferradura e Ferradurinha. Rasas e calmas, são as favoritas das famílias. A Ferradura tem sup, pedalinho, caiaque e areia plana, boa para caminhadas. Geribá, ao lado, é famosa pela concentração de jovens e surfistas. A galera se encontra no Fishbone Café para baladas e bebidinhas.
O pé na areia mais tradicional de Geribá é o Hotel Le Relais La Borie, um dos primeiros a se instalar por ali. Os 41 quartos mantém o estilo branco total, quebrado por detalhes tropicais. A piscina aquecida com jacuzzi e cascata faz a alegria de crianças e adultos. Mas é na gastronomia que o hotel coleciona estrelas, ao organizar o Festival Les Pantagruels, uma farra gastronômica que em 2019, a última edição antes da pandemia, trouxe grandes chefs, como Patrick Gauthier, Humberto Marra e Sônia Persiani. “É o único evento no Brasil que reúne tantos chefs do Michelin trocando experiências”, diz Renata Monti, curadora do evento.
A Rua das Pedras não tem esse nome à toa. Recomendam-se chinelos ou calçados baixos e confortáveis
De volta pro aconchego
Depois de ver o sol se pôr em todo os tons de rosa no horizonte de Geribá, foi aconchegante voltar “para casa”, na Praia dos Ossos. À noite, o pátio central do Vila da Santa fica todo aceso, com o burburinho dos hóspedes misturado ao barulho do mar. Saboreando um dry martini, preparado pelo barman com maestria, me deixo levar pelas lembranças do dia e dos anos passados. Búzios, obviamente, não é mais a mesma. Mas o que garante que minhas recordações correspondem ao que realmente vivi nesse mesmo cenário? Veja o que aconteceu com o escritor colombiano Gabriel García Márquez. No livro Doze Contos Peregrinos, ele fala poeticamente de cidades como Barcelona, Roma e Paris. Mas, depois de descrevê-las fielmente, conclui que nenhuma delas tinha algo a ver com suas lembranças: “Todas estavam rarefeitas por uma inversão assombrosa: as recordações reais me pareciam fantasmas na memória, enquanto as recordações falsas eram tão convincentes que haviam suplantado a realidade. De maneira que me foi impossível distinguir a linha divisória entre a desilusão e a nostalgia”. Ele então reescreveu conto por conto, sem se perguntar mais onde terminava a realidade e começava a imaginação.
É verdade que o tempo andou indeciso nessa temporada. Não deu para testar os caiaques do hotel nem as massagens com algas do spa, bons motivos para retornar. Se a vida vem em ondas, talvez o segredo seja fazer ao contrário: em vez de guardar os paraísos vividos como refúgios mentais, devemos voltar aos lugares em que fomos felizes, sem medo de (não) ser feliz.
ONDE FICAR
Na Praia dos Ossos, o hotel Vila da Santa é uma graça e tem um café da manhã dos sonhos, e a Pousada Corsário tem clima colonial repaginado, piscina e estrutura para famílias. No Morro do Humaitá, fica o luxuoso Casas Brancas, do mesmo grupo da charmosa Pousada Abracadabra. Casais adoram namorar no Vila d’Este. Sem vista para o mar, valem a pena o Hotel Doce Mar, com atmosfera clássica, e a Pousada Casa Búzios, com jardim e uma pequena piscina. O Le Relais La Borie, em Geribá, tem um celebrado restaurante francês e abriga o festival gastronômico Les Pantagruels. À beira-mar na praia de Manguinhos, o A Concept é a mais perfeita tradução de refúgio buziano e luxo contemporâneo – e ainda abriga o restaurante tailandês Ban Thai. Prefere Airbnb? Veja aqui uma seleção de ótimos endereços.
ONDE COMER
Na Praia Brava, não perca o maravilhoso Rocka, capitaneado pelo argentino Gustavo Rinkevich. Vá para passar o dia e não deixe de ficar de molho no canto direito da praia. Na Praça dos Ossos, além do restaurante mediterrâneo do hotel Vila da Santa, o Haka Sucos reúne gente jovem em mesas coloridas para saborear sucos, sanduíches e tapiocas. No Morro do Humaitá, a um pulo da Orla Bardot, o restaurante Místico fica dentro da Pousada Abracadabra. O Altto oferece uma das melhores vistas e excelentes pescados. O La Bardot é especializado em carnes e vinhos argentinos. Entre os veteranos, o Bar do Zé é o endereço de caipirinhas e camarões caprichados. Na Rua das Pedras e no centro, vale considerar a “eterna” creperia Chez Michou, o Pátio Michou (antigo Pátio Havana) e o nhoque absurdamente divino do Primitivo. O Restaurante do David é daqueles antigos, com alma e cardápio farto, do peixe grelhado ao estrogonofe.
No Porto da Barra, o gastrobar Belli Belli tem mesas disputadas para drinques ao cair da tarde e comida farta, como a costela de porco com barbecue de uísque Jack Daniel”s, que serve dois. Vá ao Namy para provar a culinária nikkey, ao Pimenta Síria para a árabe e ao Bar dos Pescadores para frutos do mar. Ou então confira a culinária do MasterChef Rafa Gomes que elaborou o cardápio do Macaw, inaugurado em dezembro de 2023. Para culinária brasileira e italiana, a aposta é no Donna Jô. Ainda em Manguinhos, mas um pouco mais afastado, o tailandês Ban Thai fica dentro da luxuosa pousada A Concept. Fora do eixo, há ainda o celebrado Farinatta, mistura de bistrô, loja de vinhos e galeria de arte, em Geribá, que oferece massas diferentes, como ravióli com provolone e figo seco.
ONDE COMPRAR
Na Yemanjá, os biquínis e as roupas são com uma pegada étnica, com foco nos tecidos naturais e tingimentos artesanais. Quem procura por acessórios não pode deixar de visitar a Feirinha da Praça Santos Dumont, também no Centro, com lindas opções de bijoux. Na Chic Hip, as alpargatas e papelines (sapatilhas ecológicas) estampadas são uma graça. A Galeria Travessa dos Arcos reúne grifes como Osklen, Lacoste, Richards. Também é onde se pode encontrar as peças da artista Christina Motta, a mesma que fez a estátua de Brigitte Bardot.
Veja uma seleção de Airbnbs incríveis em Búzios