Camocim, no Ceará, é como a Jeri de 30 anos atrás
Uma vila simples, jeitosa e tranquilíssima onde os habitantes ainda vivem mais da pesca do que do turismo
Após passar vários dias na cidade serrana de Carnaubal, um lugar refrescante em se tratando da divisa do Piauí com o Ceará, era hora de ver o mar. A bordo do motorhome Turiscar 1985, onde vivo e viajo desde 2008, eu, um escritor errante, minha mulher, a fotógrafa suíça Geya, e Thor e Melissa, nosso casal de pastores, seguimos para a litorânea Camocim, 200 quilômetros ao norte de onde estávamos. De lá, o rumo natural seria Jericoacoara, cerca de 50 quilômetros mais a leste, ou a Ilha do Amor e suas dunas, mas o terreno arenoso para chegar à primeira e as limitações da balsa para a segunda impediam o deslocamento do veículo de sete toneladas. Decididos a ficar pela área, rodamos em busca de um estacionamento para o MotorZen (como chamamos nossa habitação móvel), no que fomos aconselhados: “Vá a Maceió!” Pasmei. “Maceió, Alagoas?”, questionei. “Não, a Praia do Maceió, aqui mesmo, em Camocim”, responderam-me. Nunca ouvira falar… Maceió no Ceará?
Maceió, a propósito, era o nome que os índios davam às lagoas formadas pelas águas da chuva na costa do Nordeste. Camocim é repleta delas. Logo no começo da estrada de 12 quilômetros que liga a cidade à Praia do Maceió, o Lago Seco contradiz seu nome com um espelho-d’água majestoso. Um olho na paisagem, outro no caminho, já que o calçamento inicial dá lugar à terra batida. À direita, o mar aparece em cores incríveis. À esquerda, as dunas vão subindo, subindo e cobrem a via de areia. Nossa contemplação quase acabou quando uma D-20 pau de arara surgiu na contramão, obrigando-nos a reduzir a velocidade. O trecho em subida e a areia fofa deixaram o MotorZen totalmente zen, até atolar. Antes que eu pensasse que era melhor ficar preso ali do que no trânsito de uma metrópole, apareceram dois motoqueiros prontíssimos a ajudar. Palpites, empurrões, alavancas e duas horas de trabalho depois, estávamos a caminho de uma barraca na beira-mar de Maceió, de propriedade – olha só – de um dos solícitos motoqueiros.
MotorZen estacionado, eletricidade e água à disposição, mal saí do veículo para estirar o corpo e deparei com uma praia paradisíaca, abençoada por uma lua cheia prestes a luzir. Após uma noite bem-dormida, fomos explorar os domínios de Maceió – quero dizer, apreciar a praia e o Lago do Boqueirão, caminhar pelas dunas e relaxar ao pôr do sol, um dos mais belos do Nordeste. Além das barracas que funcionam como bares e restaurantes, podíamos contar com o peixe fresquinho trazido pelos pescadores logo pela manhã. Com pouquíssimos habitantes, a vila é bem simples, mas muito jeitosa e tranquilíssima. Seus moradores vivem da pesca (toda a Camocim é um polo pesqueiro) e, em proporção menor, do turismo incipiente, como atestam as poucas e espartanas pousadas – a Pousada Recanto do Mar, a melhor delas, gaba-se de ter TV e frigobar nos aposentos. Os ventos alísios fizeram de Maceió um point de kitesurfe, esporte que vem trazendo praticantes e instrutores à região. No mais, é uma fartura só: farta sinal de celular e fartam mercados e padarias. Por isso, muita gente opta pelo bate e volta de bugue, pau de arara ou carro de passeio, via Camocim, sobretudo em feriados como o Carnaval, quando a localidade fica movimentada.
Quando você viaja para lugares como Arraial d’Ajuda, Trancoso, Itacaré, Pipa, Canoa Quebrada ou Jericoacoara é comum ouvir frases saudosistas do tipo “Isso aqui era bom antes”, “Devia ter visto há dez anos”, “Já não é mais aquilo”. Pois a Praia do Maceió parece ter mudado pouco com o tempo. Camocim, na área urbana, não desfruta do mesmo marasmo e abriga até um resort, o Boa Vista, um oásis de lazer com piscina convidativa, 123 quartos espaçosos e diárias camaradas. Inaugurado em 2002, o hotel, porém, não chegou a fomentar nenhum ciclo de desenvolvimento turístico nem atraiu holofotes para a cidade. Pesam ali a concorrência com a queridinha Jericoacoara e a dificuldade de locomoção a quase qualquer parte de Camocim. Para chegar a seu cartão-postal mais famoso, Tatajuba, a 22 quilômetros, é necessário contratar um bugue, atravessar o Rio Coreaú numa balsa e percorrer toda a extensão da chamada Ilha do Amor. A aventura é recompensada por um mar verdinho, coqueiros, dunas e lagoas que fariam jus ao apelido de Lençóis Cearenses caso houvesse tal apelido. Para a linda Barra dos Remédios, encontro do Rio dos Remédios com o oceano, a Praia do Maceió marca só o início do perrengue – de lá, são mais 23 quilômetros de areia nada amigável.
No trecho dominado pelas dunas entre Jericoacoara e os Lençóis Maranhenses – região que inclui Camocim e foi batizada pelos marqueteiros de Rota das Emoções -, é possível montar um roteiro recheado de recantos, como Tatajuba e a Praia do Maceió, onde o cotidiano da vida simples se harmoniza com maravilhas naturais e poucos forasteiros. No Piauí, por exemplo, a Praia de Barra Grande, quase na divisa com o Ceará e a apenas 97 quilômetros de Camocim, é um achado dos kitesurfistas. A linda enseada de águas transparentes, pousadas rústicas e ostras a preços módicos tem uma vibe tão desencanada quanto a de Maceió, embora menos provinciana pela chegada dos gringos do kite.
Conheci diversos lugares antes e depois de serem transformados pelo turismo, em alguns até morei. Se melhoraram ou pioraram? Bem, ganharam pousadas chiques, centrinhos charmosos e opções gastronômicas. Mas quem em Canoa Quebrada ou Jericoacoara ainda nada nu, se deita na areia para ver o céu e fica amigo dos nativos mais antigos? Há anos tento encontrar uma vila de pescadores pouco explorada, com uma praia preservada, um acesso não muito fácil e a atmosfera das remotas freguesias. Um desses destinos para voltar no tempo e reviver a felicidade proporcionada pelas coisas simples. Na Maceió cearense, eu achei. Mas, depois de alguns dias sublimes, chegava o momento de o MotorZen levantar poeira. Que aquele pedaço de sossego continue singelo, pacato e encantador para que ninguém daqui a uns 20, 30 anos diga “Ah, isso aqui era bom antes”.
Outras Camocins
Confira cinco refúgios esquecidos do litoral nordestino, lugares em que o luxo é comer peixe fresco no bar de palhoça, andar descalço em ruas de areia e descansar em pousadas com o mar na janela. Talvez só seja difícil chegar de motorhome…
ICARAÍ DE AMONTADA, CE
Onde o vento faz a curva: Apelidada de Icaraizinho, é um dos novos picos de kite e windsurfe do Ceará. Isolada por uma estrada quase sem sinalização, a vila preserva um astral de paraíso perdido, enquanto a extensa praia exibe as águas esverdeadas e as dunas que ornam boa parte do litoral do estado. Na vizinha Barra das Moitas, carros de boi e redes abarrotadas de peixes compõem um cenário ainda mais primitivo.
Como chegar: De Fortaleza, atravesse a ponte sobre o Rio Ceará e percorra mais 8 km até a Rodovia Estruturante, que leva ao litoral oeste. Em Barrento, entre à direita na estrada para a Praia da Baleia e siga até a localidade de Veados, onde começam os 27 km finais para Icaraí.
BARRA DE CAMARATUBA, PB
Travessia de índios: Point de surfe no extremo norte do litoral paraibano, o rústico vilarejo é salpicado de coqueiros. Ao sul, as águas verdes do Atlântico banham as praias do Forte, de Tambá, de Jerimum e das Cardosas – todas desertas e margeadas por uma longa falésia colorida, no alto da qual se encontram os povoados indígenas de Galego e Lagoa do Mato. Acessos de terra e areia ligam Camaratuba à Baía da Traição, cidadezinha de veraneio com pousadas simples, comércio e caixas eletrônicos.
Como chegar: De João Pessoa, siga pela BR-230 até a BR-101 no sentido Natal. Em Mamanguape, tome a saída à direita para a Baía da Traição ou, 36 km depois, para Mataraca. Percorra os 12 km asfaltados até esse município e outros 12 de piçarra para chegar a Camaratuba.
BAÍA FORMOSA, RN
Falésias coloridas: A pequena vila de pescadores fica perto de um dos últimos trechos de Mata Atlântica nessa latitude. Ladeadas de falésias coloridas, as praias são desertas e têm águas em tons clarinhos de verde e azul, dunas avermelhadas, muitos coqueiros e bons picos para surfe. Para conhecer os 26 quilômetros do litoral até a Praia do Sagi, na divisa com a Paraíba, contrate um bugueiro local.
Como chegar: De Natal, a 97 km, entre na BR-101 (em duplicação) no sentido da Paraíba e, 8 km depois de Canguaretama, siga à esquerda por 16 km até a Baía Formosa.
CORURIPE, AL
Aos pés do farol: Areias desertas, recifes, aquários naturais, coqueiros e lagoas espalham-se pelos 30 quilômetros do litoral de Coruripe, cujas praias principais – Miaí de Cima e Miaí de Baixo -, além dos nomes divertidos, são bem preservadas. O farol listrado de preto e branco confere charme ao Pontal, a antiga vila de pescadores que concentra os bares e as pousadas e comercializa o artesanato de palha de ouricuri, típico do lugarejo.
Como chegar: De Maceió, siga pela AL-101 no sentido sul por 76 km, caminho asfaltado que passa pela Praia do Francês e Barra de São Miguel. Simples assim.
PRAIA DO PATACHO, AL
A nova cinco-estrelas: A praia fica em Porto de Pedras, ao norte de São Miguel dos Milagres, região repleta de coqueirais, enseadas soníferas e pousadas elegantes. Graças a alguma conjunção cósmica, porém, Patacho manteve-se ainda mais deserta e bem preservada. Na maré baixa, o mar cristalino recolhe-se por centenas de metros, represando as águas mornas em piscinas naturais formadas pelos recifes.
Como chegar: Pela AL-101, os primeiros 50 km de Maceió à Barra de Santo Antônio correm paralelos à praia. Após São Luís do Quitunde, deixe a estrada principal e vire à direita em direção a Passo de Camaragibe. São Miguel dos Milagres está logo ali, a 11 km, e a Praia do Patacho, 14 km depois.