A duas horas de Nova Orleans, St Francisville é uma boa base para conhecer as plantations – grandes plantações de algodão e cana-de-açúcar que utilizavam trabalho escravo e existiam aos montes no sul dos Estados Unidos entre os séculos 18 e 19.
Os absurdos da época são bem retratados no filme vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2014, Doze Anos de Escravidão, que inclusive se passa no estado da Louisiana e foi baseado no livro de memórias homônimo escrito por Solomon Northup.
Até alguns anos atrás, as visitas às plantations focavam na vida de luxo que levavam os grandes proprietários de terra e pouco falava-se sobre escravidão. Aos poucos, os tours estão sendo modificados para enfatizar que a região prosperou às custas do trabalho não pago de mulheres e homens negros.
Um bom exemplo disso é a visita ao Audubon State Historic Site (US$ 10), que busca contar a história da Oakley Plantation, uma antiga plantação de algodão, sob o ponto de vista das quase 300 pessoas escravizadas que viveram ali – a maioria, trazida do Senegal, Gâmbia, Benin e outras regiões da África Central.
O ponto de partida é sim a “casa-grande”, mas o guia evidencia como a construção, em 1815, ficou a cargo dos escravizados Sud e Old Tin e chama atenção para o “ventilador” de madeira sobre a mesa de jantar, que tinha que ser puxado manualmente por uma pessoa escravizada para funcionar.
De lá, o tour segue por estruturas que ficavam espalhadas pela propriedade e revelam muito sobre o funcionamento de uma plantation, como a cozinha (que ficava do lado de fora da “casa grande”) e o celeiro.
Um ponto que me chamou a atenção é que nas plantations do sul dos Estados Unidos não havia senzalas ou outros tipos de alojamentos compartilhados. As pessoas escravizadas dividiam diferentes cabanas de madeira, com níveis variados de conforto a depender da função exercida.
O Audubon State preserva alguns exemplos de cabanas dos anos 1840 que são um dos grandes diferenciais da visita, já que a maioria dessas estruturas se perdeu com o tempo.
Na região de St Francisville, outra antiga plantation que pode ser visitada é a Rosedown State Historic Site (US$ 12). A propriedade de mais de 1.400 hectares se dedicava ao cultivo de algodão e utilizava a força de trabalho de 250 pessoas.
Estruturas como o celeiro e a cozinha ainda estão de pé, mas nessa plantation o enfoque acaba sendo mais nas ostentações da família de proprietários Turnbull, que mandou construir vastos jardins ornamentais inspirados nos estilos italiano, francês e inglês. É possível gastar um par de horas só explorando a área verde.
O casarão em si, com ares de …E o Vento Levou (1939), foi construído em 1835 e preserva, além de móveis originais, elementos arquitetônicos muito inovadores para a época.
Ali estão, por exemplo, alguns dos primeiros exemplares de armários embutidos. Me chamou a atenção um que havia na lateral da lareira, onde ficavam guardados os cobertores – assim, as mantas ficavam quentinhas pelo calor do fogo.
Já em um dos banheiros, há uma espécie de chuveiro. A pessoa se posicionava dentro de uma bacia e debaixo de uma caixa, que era abastecida com água e amarrada em uma cordinha: para se molhar, bastava puxá-la.
Outras atrações em St. Francisville
Depois de conhecer a vibrante Nova Orleans, dirigir por duas horas rumo a St. Francisville também é uma forma de conhecer um lado bem mais pacato do estado da Louisiana.
St Francisville é uma daquelas cidades perfeitinhas e interioranas que eu achava que só existissem na televisão. Até que eu me vi parada assistindo um jardineiro regar, uma a uma, as floreiras coloridas que decoram todos os postes da rua principal, a Ferdinand Street, enquanto eu esperava chegar o carrinho de golfe adaptado que circula pela cidade dando caronas gratuitas aos visitantes. Projac, é você?
A bordo do carrinho, a graça é reparar nas casas históricas, ainda habitadas e uma mais linda que a outra. Dentre as mais bonitas, The Myrtles é também considerada um dos lugares mais mal-assombrados do país. É possível fazer um tour para conhecer a histórias sobrenaturais relacionadas ao casarão e até se hospedar nele: contei tudo sobre a visita nesta outra matéria.
De volta ao centrinho, que corresponde à Ferdinand Street e à Commerce Street, a dica é circular a pé, para ir parando nas boutiques e lojas de antiguidades.
Para além das plantations e casas históricas, St. Francisville também possui opções de atividades na natureza.
O Afton Villa Gardens (US$ 12) é um belo cenário para uma caminhada: a propriedade possui oito hectares de jardins ornamentais, decorados com esculturas trazidas da Sicília, e as ruínas de uma mansão dos anos 1850 que foi destruída por um incêndio na década de 1960. A propriedade só abre para visitação de 1º de março a 1º de julho e de 1º de outubro a 1º de dezembro.
Já a Mary Ann Brown Nature Preserve (entrada gratuita) é uma área de preservação recortada por trilhas onde não raro são avistados cervos, coelhos e castores, além das muitas tartarugas que vivem no lago.
Outro famosa atração da região é a trilha até Cat Island (entrada gratuita), que passa por um bayou – termo geográfico que designa uma espécie de “pântano” comum na Louisiana. O caminho leva a uma das maiores árvores dos Estados Unidos. Trata-se de um exemplar da espécie bald cypress (algo como “cipestre-calvo”, em português), que tem 25 metros de altura e 17 de diâmetro. O percurso é relativamente fácil, mas pode estar com pontos de alagamento e árvores caídas dependendo das chuvas: informe-se antes de ir.
Onde se hospedar em St. Francisville
A hospedagem mais famosa é sem dúvidas a The Myrtles, cujo casarão principal é tido como um dos lugares mais mal-assombrados dos Estados Unidos. Para quem não se atreve, na mesma propriedade há chalés e vilas bem charmosos. Conto a minha experiência por lá nesta matéria.
Mas o que não falta na cidade é opção de pousada em construção histórica. O St Francisville Inn ocupa uma casa em estilo vitoriano de 1880 que foi totalmente renovada por dentro. Com spa e restaurante, é uma das opções mais sofisticadas do pedaço.
Já a Greenwood Plantation B&B, de 1830, é um belo exemplo da arquitetura colonial e já serviu de cenário para filmes. St. Francisville também tem uma unidade do básico Best Western.
Onde comer em St. Francisville
As opções gastronômicas ficam principalmente entre a Ferdinand Street e a Commerce Street. O Magnolia Café é um favorito dos locais: é para lá que meia cidade vai depois da missa de domingo. Do outro lado da rua, o Cafe Petra serve culinária grega e libanesa e, um pouco mais adiante, o Big River Pizza Company é o que há de mais moderninho na cidade – o estabelecimento recém-inaugurado serve pizzas em estilo napolitano e tem até um bar speakeasy. Um pouco mais distante, o The Francis Southern Table serve pratos típicos da Louisiana, como gumbo, po’boy e ostras recheadas.