A Itália é, sem dúvida, um país religioso onde os ritos católicos têm um papel importante na vida do seu povo. Nem poderia ser diferente: são séculos de tradição desde que Roma passou a ser a sede da Igreja Católica. Aqui, a Paixão e a Ressurreição de Cristo se mesclaram com antigos ritos pagãos de chegada da primavera, celebrando vida e fartura. As festividades não terminam no domingo: a segunda-feira, chamada de pasquetta, também é feriado e a tradição recomenda fazer piqueniques e passeios ao ar livre.
Mas claro que a data também é sinônimo de comer bem! O domingo de Páscoa começa com um café da manhã especial que representa a primeira refeição substanciosa depois dos 40 dias de jejum da quaresma. É comum tomar o squaglio, bebida quente à base de chocolate amargo. No almoço, que chega a durar três horas com a família reunida em torno de uma grande mesa, o protagonista é o abbachio (cordeirinho). De sobremesa, vários tipos de frutas, chocolates e a tradicional colomba pascal.
Reza a lenda que a colomba pascal surgiu em Pavía, no norte da Itália, no século 6. Quando a cidade estava prestes a ser saqueada pelos soldados de Alboino, rei dos Lombardos, um padeiro resolveu fazer um bolo no formato de pomba, animal que representa a paz. Os invasores gostaram tanto do presente que decidiram poupar a cidade.
A seguir, veja como diferentes lugares da Itália comemoram a Páscoa:
Roma, Lazio
Os antigos romanos realizavam um culto à fertilidade na mesma época do ano que corresponde hoje à Páscoa. As celebrações consistiam em procurar ovos escondidos para receber doces como prêmio, além de rolar ovos sem quebrá-los pela maior distância possível. Hoje, a liturgia da Páscoa se desenrola no Vaticano com cerimônias, procissões e uma missa festiva oficiada pelo Papa, que é acompanhada por milhares de peregrinos do mundo inteiro. A apoteose das celebrações da Semana Santa é a benção anual Urbi et Orbi, na Praça de São Pedro.
Val Gardena, Trentino-Alto Ádige
Encastelada nas montanhas Dolomitas, no extremo norte da Itália, Val Gardena mantém viva uma antiga tradição chamada Ji a ueves. No dia 19 de março, dia de São José, os solteiros da cidade vão à casa das solteiras e encomendam ovos pintados que serão recolhidos na segunda-feira de Páscoa. Se algum deles interessar a uma das moças, ela pintará o ovo diferente de todos os outros, para que o pretendente saiba que é correspondido. Os demais ovos são enterrados sob a neve, que nesta época do ano ainda cobre toda a região. Mais tarde, com a chegada da primavera, a criançada se diverte encontrando os ovos.
Florença, Toscana
Um carro puxado por quatro bois brancos, enfeitados com flores e adereços coloridos, chega à Piazza del Duomo junto com um grande cortejo. Estacionado entre o Batistério e a Catedral, o carro carregado de pólvora é ligado por uma corda à igreja, de onde é disparada uma fagulha em forma de pomba. Ao chegar até o carro, ela provoca uma explosão.
O Scoppio del Carro (algo como “explosão do carro”) acontece desde 1007. O ritual teria surgido como uma forma de comemorar a chegada do primeiro cristão, que era um fiorentino, em Jerusalém. A partir do século 15, porém, a comemoração assumiu um novo sentido: os camponeses acreditam que, se a pomba alcançar o carro com precisão, a colheita do ano será boa.
Nessa época do ano, é comum tomar o Vin Santo, vinho considerado santo porque suas uvas são colhidas e postas para secar bem a tempo da bebida ficar pronta na época da Páscoa. O vinho também é usado para molhar os Cantuccini, biscoitos de amêndoa tradicionais da Toscana.
Nápoles, Campânia
Aos pés do Vesúvio, no sul da Itália, a cidade é conhecida por ter criado a Pastiera di Grano. Esta torta à base de trigo, ricota açúcar e ovos, confeccionada seguindo tradições ancestrais, já era saboreada nas festas pagãs de primavera. Também veio de Nápoles a Torta Pasqualina, hoje difundida por todas as regiões do país, na qual ovos inteiros são assados junto com a massa e o recheio da torta.
Chieti, Abruzzo
Essa é uma das mais antigas cidades da Itália: reza a lenda que ela teria sido fundada por Aquiles em 1118 a.C. Para comemorar a Páscoa, a população local realiza a procissão dos incappucciati (encapuzados), que lembra a nossa Procissão do Fogaréu. Na Sexta-feira Santa, homens inteiramente cobertos por um capuz e uma capa desfilam à luz de tochas pelas ruas estreitas do centro histórico ao som de música sacra. No domingo de Páscoa, em contrapartida, todos da cidade usam roupas coloridas.
Caltanisseta, Sicília
Na Sexta-feira Santa, a cidade promove a Real Maestranza, uma procissão conduzida pelos fogliamari, vendedores de ervas selvagens, que vão cantando lamentos em dialeto arcaico. Na sequência vêm os representantes das maestranzas, antigas corporações de artes e ofícios, todos vestidos de preto em sinal de luto. Já no domingo de Páscoa reina a alegria, expressada em almoços com massas variadas. Destaque para os cavateddi, feitos só com farinha de trigo e água, regados com suculentos molhos de agnello (cordeiro). De sobremesa, o clássico torrone, com mel, amêndoas ou pistache.
Trapani, Sicília
Fundada por gregos e utilizada como porto comercial pelos fenícios, Trapani realiza outra grande procissão com uma sequência de carros carregando cenas e esculturas que representam as estações da Via Crucis. Entre os famosos doces sicilianos, destacam-se os feitos com pasta de amêndoas como o pupo cu’ ova (ave com ovos, no dialeto siciliano) e uma enorme variedade de biscoitos, enfeitados com confeitos coloridos. Isso sem esquecer, é claro, dos deliciosos cannoli.