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Um roteiro completo pelos castelos do Vale do Loire

O Vale do Loire, a região dos castelos espetaculares na França, merece tempo para caminhadas por vilarejos charmosos - e para longas refeições

Por Adriana Setti
Atualizado em 3 mar 2023, 11h45 - Publicado em 13 jul 2017, 17h45

Não sei se foi o fato de abrir a janela e deparar com uma lebre saltitando no imaculado jardim de traços barrocos. Ou se foi o jantar iluminado por candelabros de prata, servido em porcelanas finas. Mas a sensação ao dormir em um legítimo château francês foi a de estar na pele de um nobre, com a serenidade de quem não teme a guilhotina.

A partir do século 16, reis e rainhas das dinastias Valois e Bourbon ergueram castelos no Vale do Loire, graças à sua posição estratégica (próxima a Paris, mas longe da plebe e da burguesia), às terras férteis e às boas possibilidades de caça.

Ditaram tendência, e a região não apenas se tornou um grande playground da aristocracia como a sede de ostentação alimentou a criatividade de arquitetos e paisagistas, que criaram um conjunto arquitetônico em 280 quilômetros ao longo do leito do Rio Loire.

Com a Revolução Francesa, alguns proprietários perderam a cabeça (literalmente), e várias construções foram destruídas. Mas cerca de 300 châteaux foram felizes para sempre: o Vale do Loire é tombado como Patrimônio da Humanidade pela Unesco desde 2000.

Viver esse conto de fadas também é acessível a gatos borralheiros. Dezenas de castelos foram convertidos em hotéis, em várias categorias de preço. No Château de Chambiers, por exemplo, as cinco suítes funcionam no sistema “maison d’hôtes”, versão francesa do bed and breakfast.

Chateau Chambiers no Vale do Loire, Franca - suíte Caroline
Uma das suítes do Chateau Chambiers, o castelo do Vale do Loire convertido em hotel ao alcance dos gatos borralheiros (Divulgação/Divulgação)

Não há recepção ou chave do quarto: a ideia é que o hóspede se sinta à vontade. Anne e Elie Crouan, os proprietários, fizeram questão de nos receber para um aperitivo – maneira de, segundo eles, compartilhar um pouco da sua art de vivre (a arte de bem viver à moda francesa).

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No século 19, a propriedade foi comprada pelo conde Marc des Courtis, membro da Marinha Real francesa, para ser residência de verão de sua família. Passou de geração em geração, até que Elie, que nasceu em um dos cômodos do château, o convertesse em hospedagem.

Para turbinar a experiência, também aderimos ao table d’hôtes, o jantar servido pela própria Anne, regado com o vinho que leva no rótulo o nome e a fachada do castelo.

Sem bate-e-volta em Paris: reserve ao menos uma semana para o Vale do Loire

Há quem reduza a experiência Vale do Loire a um passeio de bate e volta a partir da capital francesa, “ticando” os grandes hits em uma dia. Mas os monumentos estão pulverizados por uma área de 800 quilômetros quadrados. Ou seja, a região rende material para uma semana ou mais.

Não se trata apenas de ver um castelo atrás do outro. A rota ainda inclui museus interessantes, passeios de bicicleta, caminhadas vagarosas por vilarejos de charme e longas refeições – afinal de contas, estamos na França. Alugar um carro e traçar o próprio roteiro é a melhor pedida.

Partindo de Paris, a primeira parada pode ser em Orléans (131 quilômetros pela A-10), onde Joana d’Arc foi capturada pelos ingleses, na Guerra dos Cem Anos, e queimada na fogueira, em 1431. A Maison de Jeanne d’Arc conta a saga da heroína e padroeira francesa, com recursos multimídia.

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O castelo mais impactante da região aparece 55 quilômetros adiante. Construído em 1519, e cercado por um bosque habitado por veados e javalis (até hoje), o Château de Chambord é um ícone da arquitetura renascentista francesa – e um bom indício do tamanho do ego do rei Francisco I, que ergueu seus 440 quartos e 365 chaminés para que tivesse conforto suficiente durante a temporada de caça.

Sua grande sacada de engenharia é a escadaria de hélice dupla, cujos espirais se entrelaçam mas nunca se encontram, que teria sido inspirada em estudos de Leonardo da Vinci.

O castelo fica a 15 quilômetros do Centro de Blois, boa para passar a noite. Uma das cidadezinhas mais graciosas do trajeto, mantém a pompa dos tempos em que fez as vezes de capital da França.

Chateau de Chambord, France
São 440 quartos, 365 chaminés… O Château de Chambord dá uma pista do ego do rei Francisco I (Sylvain Sonnet/Getty Images)

Luís XII (além de outros reis e rainhas) fixou a sua corte no Château Royal de Blois em 1498, e foi o responsável pelo grande embelezamento do palácio. Entre 1º de abril e 24 de setembro, a fachada ganha um show de projeções em grande escala, que conta a história do lugar.

Outra atração interessante no pedaço é a Maison de la Magie, um museu dedicado à mágica, instalado na antiga casa do relojeiro, inventor e ilusionista Jean-Eugène Robert-Houdin, onde acontecem espetáculos ao vivo.

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Seguindo rente ao rio por mais 36 quilômetros, chega-se a Amboise, dominada por um castelo fortificado espelhado nas águas do Loire. Uma de suas capelas guarda o túmulo de Leonardo da Vinci. Mas o pintor e inventor italiano viveu no Château du Clos Lucé, palacete onde foi alojado pelo rei Francisco I, em 1516. A antiga residência de verão do rei Carlos VIII foi a última morada do gênio, que morreu em solo francês, em 1519. O museu guarda 50 maquetes de engenhocas projetadas por ele.

A 16 quilômetros de Amboise, no coração da vilinha de Chenonceaux, o Château de Chenonceau é forte candidato ao mais fotogênico do vale, apoiado sobre pilares que atravessam o Rio Cher. Construído pelo rei Henrique II para sua amante preferida, no século 16, tem jardins espetaculares e aposentos decorados ao estilo da época.

Châteai de Chenonceau na França
Vista de Château de Chenonceau no rio (que lindo…) (travelpix ltd/Getty Images)

Os que vêm de Paris para um bate e volta costumam dar a jornada por encerrada a essa altura. É por isso que, a partir de Tours – pare para ver a sua catedral do século 13 -, o número de turistas começa a ficar bem mais administrável.

Vale a pena seguir em frente para conhecer o espetacular jardim do Château & Jardins Villandry, do século 19, a 55 quilômetros de Chenonceaux. A partir daí, a estrada atravessa o parque natural Loire-Anjou-Touraine Angers, um dos trechos mais verdes e bucólicos do percurso.

Na outra ponta está o Château d’Angers, uma impressionante fortaleza do século 13, com 17 torres, ponte levadiça e um matador conjunto de tapeçarias medievais: O Apocalipse, de 1375, por exemplo.

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Ainda quer um chorinho? Pois 19 quilômetros ao sul vale dar uma chance ao Château de Brissac, o mais verticalizado do vale e, de quebra, oferece alguns dos chambres d’hôtes mais gloriosos da região.

Ciclistas na região do Châreau de Brissac, França
O Château de Brissac, como todos por ali, é amigável para ciclistas (Marc Duf/iStock)

Saturado de tanto visitar castelos? Vá a um vilarejo troglodita no Vale do Loire

Loire
O Vallé Troglodyte des Goupillières (Frédérique Voisin-Demery/creative commons/Flickr)

No Vale do Loire, em Azay-le-Rideau, o Vallé Troglodyte des Goupillières é o melhor exemplo dos vilarejos trogloditas habitados por camponeses na Idade Média, em um ponto em que as margens do rio formam grandes paredões rochosos. Ótimo passeio para fugir um pouco da opulência dos castelos.

Como viajar de bicicleta pelo Loire (com dicas para evitar a fadiga)

De famílias com crianças a grupos de idosos, mais de 800 mil pessoas viajam de bicicleta pelas margens do Loire ao ano, pedalando pela La Loire à Vélo, rota de 800 km que passa por cidadezinhas, castelos, fazendas. O trajeto é dividido em etapas de até 40 km. A turma do mínimo esforço escolhe a “descida”, seguindo o fluxo do rio de Cuffy (a 250 km de Paris) a Saint-Brevin-les-Pins, cidades nas extremidades da rota. Dá pra entregar o transporte da bagagem para cinco empresas.

Cansou? A linha de trem entre Orléans e Le Croisic segue paralela à parte mais turística da rota e, no verão, tem vagões especiais para magrelas. A Loire à Vélo tem mais de 300 paradas demarcadas, de áreas de descanso a espaços para piquenique. Todos os castelos têm estacionamento grátis para bikes. E mais de 400 estabelecimentos, como hotéis e pousadas, têm facilidades como kit de ferramentas.

Texto publicado na edição 258 da Revista Viagem e Turismo

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