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Terrinha à vista

Portugal é o lugar a ser (re)descoberto: do Tejo ao Douro, Fernando Souza percorreu becos, castelos e vinícolas

Por Fernando Souza
Atualizado em 16 ago 2022, 13h59 - Publicado em 16 set 2011, 18h56

“Posto que escriba desta nau – um Airbus A340 da Tap sem TVs indivi­duais, mas com espaço razoável entre as poltronas -, comunico a chegada a nossa terra velha. Aqui, em cada largo, ouro e azulejos adornam igrejas onde jazem reis e rainhas. Em cada portinhola, patrícios refestelam-se com bacalhau, vinho e grande sortilégio de doces. Nas aldeias e cidadelas do interior, muralhas medievais contornam morros encimados por castelos e palácios, e do solo brotam vinhas em grandes plantações, às margens de estradas bem aplainadas. Desta foz do Rio Tejo, de nossa Portugal, segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011.”

Parafraseando a carta de Pero Vaz, minha primeira vez em Portugal encerra um hiato familiar de quase 70 anos, desde que meu falecido avô chegou ao Rio de Janeiro. Além do apreço pela língua, pelas iguarias lusitanas e pela arquitetura de nossas Diamantinas, dele herdei a cidadania portuguesa, mesmo sem nunca ter posto os pés naquele chão. Passava da hora de um descendente direto, apenas um entre os quase 400 mil brasileiros que vão a Portugal todos anos, pisar aquela terra.

Meu batismo português começou no Centro de Lisboa, na Baixa. No calçadão comercial da Rua Augusta, dei meu primeiro passo sobre um mosaico de pedras realmente lusitano, cercado por sacadas e luminárias que eu chamava de coloniais. O cheiro doce das castanhas, vendidas a € 2 a dúzia, enlouqueceria minha mãe. No final da via, um lindo Arco Triunfal, de 1873, se abre para o grande largo da ex-metrópole, a Praça do Comércio (ou Terreiro do Paço), já contígua ao Rio Tejo. A enquadrá-la, elegantes prédios com colunas arcadas, conjunto arquitetônico reconstruído após o devastador terremoto de 1755. Da Rua Augusta, o elevador de Santa Justa leva a um terraço panorâmico já nas alturas do Bairro Alto e do Chiado. Olhar Lisboa do topo de uma de suas sete colinas é olhar para a matriarca de Marianas e Paratys, é admirar uma Ouro Preto aumentada, com os telhados de quatro águas a emoldurar as larguras do Tejo. Varais com roupas e lençóis despontam dos solares azulejados, enquanto vitrines de doces, vinhos e enlatados se sucedem ao rés do chão. No bonde lotado daquele fim de tarde, senti que, tanto quanto eu estava em Lisboa, Lisboa já estava em mim.

Sob o frio cortante da manhã lisboeta e a fumaça das castanhas a incensar a Rua Augusta, tomei o rumo da Alfama em meu segundo dia na capital. No bairro mais antigo da cidade, deliciei-me em observar o vai-e-vem dos portugas nas ladeiras, becos e mercearias. Ali eles falam alto, vestem boinas, são ainda mais lusos. Na Igreja de Santo António, de 1787, fiquei de cara ao saber que estava no suposto local de nascimento do frade casamenteiro, venerado também como o padroeiro dos pobres e um dos santos mais populares do Brasil. Ao lado, a Sé transporta para os livros de História, já que foi construída logo após a expulsão dos mouros, no século 12, a mando de dom Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal – apanhei muito disso na 5ª série… Daquele período, há a fachada românica, com uma bela rosácea e duas torres dentadas, ao estilo das antigas fortalezas. Fui dali à Feira da Ladra, um mercado das pulgas cheio de inutilidades, mas também de porcelanas a preço de ocasião, azulejos e roupas. Parei para experimentar uns casacos na barraca de seu Domingos. “Este é bem desportivo”, me disse. “E este aqui, o último grito, é só botar uma t-shirt.” Acabei comprando duas camisas de flanela portuguesas, semelhantes às que meu avô usava, por € 10 cada uma.

Pertinho da Ladra fica o Panteão Nacional, um imponente capitólio onde estão sepultados quatro presidentes, a rainha do fado Amália Rodrigues e o escritor Almeida Garret, entre outros heróis lusitanos. Quase ao lado, anexo ao Mosteiro de São Vicente de Fora, o Panteão da Casa de Bragança guarda os túmulos da última dinastia real – de lá, em 1972, foram trasladados os despojos de nosso dom Pedro I (dom Pedro IV em Portugal) para a cripta do Monumento do Ipiranga. O coração, contudo, ficou no Porto.

Grandes navegações

Para o lado em que o Tejo busca o mar fica a atração mais emblemática de Lisboa. A Torre de Belém, de 1520, é aquela fortificação retangular, vertical, que você vê na capa desta VT e já deve ter visto em algum rótulo de azeite. Olhá-la e percorrê-la simplesmente talvez não permita entender o que representou: a partir dali era a foz do Tejo e o Oceano nunca dantes navegado, o Novo Mundo, o mundo que os portugueses inventaram ao dobrar a África, passar além da Taprobrana, chegar aos confins da China e, com o troco, descobrir Vera Cruz. Dali era o ir para não voltar, cumprir aquele fato de herói trágico que não olha para trás; era edificar entre gente remota um império e muita saudade. Perto da Torre de Belém está o lindo Mosteiro dos Jerónimos, soberba construção do início do século 16 financiada pelos lucros do comércio de especiarias – dominar a atividade era o pretexto que levou os portugueses ao mar. O mosteiro, sim, é o verdadeiro panteão nacional. Em seu interior estão os túmulos de Camões e de Vasco da Gama, de quem o poeta cantou os feitos; e de reis como dom Manuel I (1469-1521), sob quem Portugal lançou-se ao Atlântico. Ali também está o túmulo de dom Sebastião I, outro mito português, de quem se espera, ainda hoje, qual a um messias, a volta triunfal de uma das tantas batalhas fundadoras da nação, no Marrocos. Fernando, meu xará em Pessoa, foi outro que encontrei, mas com ele, ou com a estátua dele, já havia batido um papo no café A Brasileira, no Chiado.

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Tantos mitos, datas e nomes não entram fácil na cabeça de uma vez. Foi mais fácil conhecer outro mito, os pastéis de Belém. Fabricados na doceira Pastéis de Belém, de 1837 e vizinha do mosteiro, sua massa folhada ao estilo de uma forminha vem com recheio cremoso, em cima do qual adicionam-se canela e açúcar a gosto. Nada tão heroico assim.

Conto de fadas

No dia seguinte, saí de Lisboa para conhecer a vizinha Sintra. O comboio (trem) que parte da estação do Rossio alcança a cidadezinha em 40 minutos. Logo na chegada, a vista da muralha a serpentear a serra com um castelo colorido no cume materializa um imaginário de conto de fadas. Erguido durante a ocupação árabe entre os séculos 9 e 10, o Castelo dos Mouros tem apenas o grande muro de pedras e sua escadaria de ronda para percorrer. A vista é magnífica, mas as pernas reclamam. No Palácio da Pena, o mais notável exemplar da arquitetura portuguesa do Romantismo, a mistura de formas, cores e adornos cria um cenário extravagante. Construído em 1839, o palácio reúne um suntuoso acervo de móveis, porcelanas, cristais e prataria, mas o que mais surpreende é a abóbada estrelada de azulejos na sala de jantar.

Cheio de becos, lojas e restaurantes, o centrinho de Sintra é uma graça. Fui direto saborear o “travesseiro da Piriquita” – explico já: um doce de massa folhada recheado com creme de amêndoas feito pelo Café Piriquita, patrimônio da cidade. Seu pastel de nata é melhor que aquele de Belém. À tarde, caminhei até a Quinta da Regaleira, uma propriedade com jardins luxuriantes. Além dos monumentos, esculturas e torres medievais, há passagens subterrâneas muito misteriosas, escuras e úmidas. A galeria principal, a única iluminada, conduz ao Poço Iniciático, uma escadaria em espiral sustentada por colunas que penetra em direção ao subsolo, apenas sob a luz da boca do poço.

Que rei sou eu?

Há tantas referências históricas e tantos lugares charmosos em Lisboa e seu entorno que é possível ficar ali por semanas. Mas quem viaja em férias a Portugal quer percorrer ao máximo o pequeno país. Era o que eu faria também, a bordo de um Punto alugado. Tomei a A8, uma autoestrada impecável, rumo ao norte. No trajeto, avistei enormes cata-ventos, florestas de eucaliptos e plantações de peras, que logo me trouxeram à memória meu avô Alberto… Pereira.

No quilômetro 74, saí para Óbidos. Os primeiros registros da existência do lugar datam de 1148, quando o rei dom Afonso Henriques, que me atrapalhava na 5ª série, tomou a fortificação local dos árabes. No final do século 13, a propriedade foi oferecida pelo rei dom Dinis como dote de casamento a Isabel de Aragão, iniciando uma tradição que traria sucessivas rainhas à cidadela. Muito do casario e das igrejas que ocupam o interior da muralha data dos séculos 15 ao 18. Há ainda restaurantes, cafés e lojas de suvenires, porcelanas e bebidas – entre as quais a Ginginha, licor de uma fruta semelhante à cereja que é largamente produzido na região.

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No fim da rua principal da vila fica o Castelo de Óbidos, transformado, em 1951, na Pousada do Castelo, a primeira hospedagem histórica de Portugal. Ao perceber que eu era brasileiro, o atendente José Pinto discorreu sobre a crise que quase pôs Portugal a pique no ano passado, em contraste aos progressos do Brasil sob o governo Lula. Passada a recepção, há uma sala pequena para os padrões medievais, com sofás comuns, duas cadeiras de época e, ta-dá!, uma armadura. Mas foi somente no pátio da torre, onde está a suíte especial, que me senti na Idade das Trevas. Ali, as paredes de pedras, a cama com dossel e as janelas diminutas compõem um cenário para Rapunzel jogar as tranças.

Aproveitei minha tarde folgada em Óbidos para visitar um supermercado fora das muralhas. Lá, os vinhos e azeites custam menos que nas caves do Porto, nas quintas do Douro e nas herdades do Alentejo. Ainda mais convidativos são os preços do bacalhau (somente o legítimo Gadus morhua), a € 13,50 o quilo, e do queijo amanteigado da Serra da Estrela, uma delícia exclusiva da Terrinha por € 13 o quilo (em São Paulo, R$ 370). Foi então que, olhando distraidamente as gôndolas, meninos, eu vi: com as bocas arreganhadas, lá estavam elas, dúzias e dúzias de cabeças de bacalhau! Diante daquela imagem, se dom Sebastião aparecesse só para mim, pediria para que voltasse outro dia.

Inês é morta

De volta ao tapete da A8, rumei a Alcobaça. No mosteiro da cidade estão as tumbas de dom Pedro I – de Portugal – e de Inês de Castro, protagonistas da irresistível história de amor do século 14 contada até nos Lusíadas. A quem não sabe, Inês era dama de companhia de Constança Manuel, esposa do príncipe Pedro, num casamento de conveniências. O desabrochar da paixão proibida entre Pedro e Inês obrigou o rei Afonso IV a exilá-la para Castela. Com a morte de Constança, o infante trouxe sua amante de volta. Os dias felizes viraram tragédia por ordem de dom Afonso, que mandou degolar Inês tempos depois. Epílogo: ao subir ao trono com a morte do pai, Pedro, reza a lenda, fez rainha o cadáver de Inês e ordenou aos nobres a prestar-lhe reverência. Se a posteridade ganhou a expressão “Inês é morta”, ganhou também um sublime romance.

Antes de seguir para a vizinha Batalha, parei na Pastelaria Alcôa, especializada em quitutes conventuais (à base das gemas que sobravam dos ovos; as claras eram usadas nos conventos para engomar toalhas, hábitos etc.). Provei um doce de amêndoas, os ovos do paraíso, à altura do nome. Em Batalha, fui direto ao mosteiro gótico, com pórticos riquíssimos e profusão de torres, outro Patrimônio Mundial português. No claustro, o mais deslumbrante de toda a viagem, as arcadas trançadas contornam um jardim com podas geométricas e árvores ciprestes. A tal batalha que levou à construção do mosteiro foi a de Aljubarrota, de 1385, na qual as forças de Castela foram derrotadas e Portugal se livrou de novo jugo espanhol.

De Batalha, peguei a IC2 até a A1, que liga Lisboa ao Porto e é a principal estrada do país. Apesar do limite indicado de 120 quilômetros por hora, essa velocidade só era respeitada na faixa da direita. Radar? Parece outra lenda. A saída para o Porto conduziu-me para uma ponte altíssima sobre o Rio Douro, de onde tive um panorama do casario do Cais da Ribeira com a Ponte Dom Luís I ao fundo, um cenário surreal de tão lindo.

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No Douro lá embaixo já se veem os rabelos ancorados, barcos que transportavam tonéis de vinho, numa vista que remete ao Rio Arno florentino ou ao Grande Canal de Veneza. Bem próximo está o centro histórico, com a fachada neogótica da Livraria Lello e sua escadaria de babar, e o Café Majestic, de 1921, miniversão art nouveau da Confeitaria Colombo carioca. Sob o céu claro, aproveitei para fazer o passeio de barco que passa por baixo de seis das pontes do Douro. A mais antiga, de 1877, foi projetada pelo escritório de Gustave Eiffel, o mesmo da torre parisiense – repare o parentesco arquitetônico nas tramas metálicas. À noite, na Ribeira, jantei no Dom Tonho, onde comi um ótimo bacalhau, talvez o melhor da viagem, por € 17,50.

Tomai e bebei

Carro à disposição e o Vale do Douro a explorar, rumei em direção às vinícolas do vinho do Porto, 120 quilômetros a leste. Logo ao entrar na rodovia N108, a paisagem se altera, primeiro com pequenos balneários, depois com vilas encarapitadas e, por fim, com os parreirais, visíveis até em minúsculas propriedades. A cena me fez lembrar de uma solitária parreira que meu avô mantinha no quintal de casa, em plena capital paulista. Ali ele também criava galinhas e cuidava de uma horta – minha mãe, quando criança, brincava de professora com as couves enfileiradas, como se fossem suas alunas. As subidas e descidas sinuosas da estrada do Douro revelam um rio plácido e majestoso, riscado aqui e ali pelos barcos a remo. Muitas aldeias se passam até a urbaníssima Peso da Régua, que marca o início das grandes quintas viníferas da região. Parei então para almoçar um cabritinho assado no restaurante DOC, um caixote de concreto moderno e chique com um deque delicioso sobre o rio – os sofás são perfeitos para apreciar o Douro.

Já estava perto da Quinta do Seixo, onde é fabricado o Porto Sandeman, marca fundada por ingleses em 1790. Num país que valoriza tanto seus heróis e feitos, é irônico que um de seus principais produtos tenha sido apropriado e melhorado por estrangeiros. Do portão de ferro até a sede da propriedade, o trajeto no meio do parreiral descortina vistas incríveis do Douro, com as montanhas espelhadas em seu largo leito. Aprendi, durante a visita à vinícola (€ 5), sobre o solo rico em xisto, que absorve o calor do sol e se mantém aquecido à noite; sobre o processo de fabricação do vinho do Porto, pelo qual a bebida é parcialmente fermentada, para não perder o açúcar; e até sobre transporte: os rabelos pitorescos da Ribeira estão lá apenas para turista ver – hoje o vinho se desloca em caminhões.

De volta ao Porto, ou melhor, à Gaia, na outra margem do Douro, fui conhecer as famosas caves de vinho do Porto, onde a bebida é envelhecida e engarrafada. Cada fabricante tem seu centro de visitação, com monitores poliglotas, wine bar e loja. Na inglesa Croft, a guia explica a diferença entre a pisa mecânica e a humana (que não fere as sementes), entre outras curiosidades. Na portuguesa Ferreira, eu aprendi as diferenças entre o Porto ruby (três anos em tonel grande) e o tawny (quatro em barril de carvalho). Um roteiro por meia dúzia de caves faz do turista um bom iniciado no assunto, mas desconfio que o que queremos mesmo é sair dali com as pernas a trançar.

Berço lusitano

A 40 quilômetros do Porto, Guimarães foi minha última parada no norte do país. Polo universitário, a cidade exala uma jovialidade nas ruas rara de se achar no interior português, que envelhece a olhos vistos e tem aquelas senhoras de preto sempre a praguejar (suponho que a praguejar, pois o idioma é quase intransponível). Berço da nação lusitana, a primeira capital portuguesa não poderia deixar de ter seu castelo, do século 10. No ano que vem, Guimarães ainda será a capital cultural da Europa, junto com Maribor, na Eslovênia.

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Se meu avô português apareceu pouco nesta história até aqui, é preciso dizer que ele estava nos meus pensamentos com menos e mais intensidade de acordo com a quantidade de vinho que eu consumia. Então juntaram-se a sede e a vontade de beber: depois desses dias de Porto, era a hora de visitar a cidade onde o velho Alberto Pereira Canceiro nasceu, bem no centro do país, na região do Viseu.

E os 200 quilômetros de estradas mais ou menos movimentadas que rodei até chegar a Vila Nova de Paiva, cidade de 1,5 mil habitantes, importaram menos que a minha chegada. Não havia um pórtico a transpor, muralhas, castelos, um centro histórico de sonho, o que para mim foi até motivo de júbilo. Primeiro, atraquei-me com um lombo de bacalhau que daria para uma equipa de futebol. Então, comecei a perguntar, sem sucesso, pelos Pereira Canceiro. Foi só no quarto do hotel, numa lista telefônica de 2004, que a coisa começou a ficar séria. Havia dois Pereira Canceiro nela.

Num aparelho telefônico que não era preto, não era pesado e nem de disco, como caberia bem a esta história, liguei para o primeiro número. Nada. O telefone não existia mais. O segundo encontrou, do outro lado da linha, um senhor de 90 anos – ele foi logo dizendo -, seu Mário. Apresentei-me, pedi desculpas pela hora avançada e expliquei o motivo da ligação. Sobrenome confirmado, ele desenrolou um novelo de parentes que eu desconhecia. Sem muitas referências para ajudá-lo, o tempo passava, às vezes sob um silêncio incômodo. Finalmente, murmurou o nome de meu avô, como se tivesse encontrado uma fotografia desbotada no fundo da gaveta. O Alberto do qual ele se recordava foi um antigo morador da freguesia de Pendilhe, de onde partira para o Rio ou São Paulo, ele não tinha certeza, naquelas viagens de navio de 40 dias. “Era irmão do Eleutério”, ele disse, o que não ajudou na hora, pois foi só depois disso que, ao ligar para minha mãe, soube que o tal Eleutério era meu tio-avô.

Novo Mundo

Eu ainda passei alguns dias pelo Alentejo, a linda região ao sul do país que você verá em detalhe numa das próximas edições da VT. Chegava ao fim minha primeira vez em Portugal, o acerto de contas de uma família com seu passado. Passeando pela região da Expo 98, evento que gerou um bairro muito moderno, habitado à noite e com features como o ótimo Oceanário e a linda Gare do Oriente (do badalado arquiteto catalão Santiago Calatrava), refleti sobre a viagem que terminava. Fiz questão de passar por uma cidade perdida no meio do país apenas para testemunhar de onde meu avô viera. Lá, em vez de conhecer o parente que descobri ao telefone, parti à primeira luz do dia seguinte, sem vontade de ver o que dali medrou. Mas ter chegado tão longe nessa história e tão logo dela me desvencilhar, pensei, seria como seguir o destino do herói português, a mim apresentado em tantos castelos e mosteiros, que deixa a terra sem olhar para trás e cria, alhures, uma nova. Cesse tudo o que a musa antiga canta, que outro valor mais alto se alevanta, diria o bardo; quanto mais choras, menos mijas, diria meu avô.

“Posto que escriba desta outra nau – um Airbus A330 da Tap com TVs individuais (agora sim!) -, comunico o retorno a nossa terra nova, dez dias após a aterragem em Lisboa. Trago comigo lendas e histórias, vinhos e queijos (ai, ai, ai, alfândega…). No primeiro dia de março deste 2011, celebrei nossas origens com bacalhau e um bom tinto alentejano, como se fosse a Páscoa, como se os ovos de chocolate estivessem escondidos no jardim. Naquela noite, na freguesia onde nosso amado avô nasceu, eu reuni toda a família na lembrança.”

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