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Sob os olhos de Ai-apaec

A onipresente divindade moche acompanha os viajantes na rota entre Trujillo e Chiclayo, no norte do Peru

Por Fábio Vendrame
Atualizado em 16 dez 2016, 08h20 - Publicado em 29 out 2012, 16h23

Os olhos esbugalhados e os dentes arreganhados de um temido e venerado deus vão acompanhá-lo em sua jornada ao norte do Peru. Ai-apaec, aquele que dá e tira, a divindade criadora do universo que degola os inimigos, está onipresente numa viagem de assombro e descobrimento a uma das regiões aparentemente esquecidas pelos deuses de hoje.

A rota que vai de Trujillo a Chiclayo – cidades interligadas pela Rodovia Panamericana, ambas a uma hora de voo da capital, Lima – ainda está longe de ser um circuito tradicional de turismo, mas já dispõe de muitos atrativos e bons meios de hospedagem. Alternativa a Machu Picchu, o roteiro reserva surpresas em série aos viajantes dispostos a conhecer de perto capítulos de uma história que teve início há mais de 2 mil anos. Muito antes, portanto, do Império Inca.

As civilizações moche (ou mochica), chimú e sicán (ou lambayeque) construíram vastos reinos de areia na faixa entre o Oceano Pacífico e a Cordilheira dos Andes. Alcançaram elevado grau de desenvolvimento como sociedade e se estabeleceram numa região de clima hostil, desértica, quase monocromática.

Antes do domínio inca, algo que ocorreria apenas em meados do século 15, eles já haviam desenvolvido avançadas técnicas de ourivesaria, tecelagem e olaria. Contra as dificuldades impostas pelo meio ambiente, os povos da costa norte peruana fizeram canais artificiais de irrigação para a agricultura.

E ainda se lançaram ao mar em embarcações feitas de junco para pescar. Conhecidos como “caballitos de totora”, esses eficientes barcos rudimentares são usados até hoje em Huanchaco, balneário turístico a 14 quilômetros de Trujillo.

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Também costumavam erguer monumentais estruturas piramidais de adobe e, embora não conhecessem a escrita, registraram sua história nas paredes de templos e nas peças de cerâmica plasmadas de cenas religiosas, míticas e da vida cotidiana. São de fabricação moche, por exemplo, os vasos em cerâmica com animadas cenas de sexo em diferentes posições.

Essas culturas clássicas de regiões de oásis, como de fato é a costa norte peruana, ainda dominaram métodos sofisticados para trabalhar os metais, produzindo legítimas e delicadas obras de arte de valor inestimável. A longa e surpreendente história dos diferentes povos que foram evoluindo até dar no famoso Império Inca, conquistado pelos espanhóis no século 16, começa a ser contada nos arredores de Trujillo.

Capital do departamento de La Libertad, essa cidade colonial é o ponto de partida para a exploração dos primeiros sítios arqueológicos. A menos de 10 quilômetros do centro estão as Huacas del Sol y la Luna, pirâmides de barro com mais de 30 metros de altura erguidas pelo povo moche de 200 d.C. a 850 d.C. com milhares de tijolos de adobe. Entre as duas estruturas há vestígios do que foi um dos grandes centros mochicas, onde teriam vivido cerca de 5 mil a 10 mil pessoas.

Apenas a Huaca da Lua está aberta à visitação – a do Sol ainda não foi escavada, mas é uma das construções mais robustas e volumosas da América pré-colombiana. Sua estrutura é composta por quatro terraços sobrepostos acessíveis por uma escadaria localizada no lado norte.

Há claros indícios de que a Huaca da Lua teve função cerimonial. Suas paredes estão cobertas por desenhos e pinturas coloridas que reconstituem importantes passagens da história e dos ritos praticados pelos moches. Parte da construção encontra-se em ruínas.

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Durante as escavações foram encontrados mais de 40 guerreiros sacrificados em honra de Ai-apaec. Os moches costumavam dessangrar seus inimigos para aplacar a fúria da divindade. Despiam os guerreiros capturados, amarravam uns aos outros e cortavam-lhes a jugular. Uma parte do sangue era derramada no solo e a outra, bebida de forma ritual.

Cenas como essa fazem parte da iconografia moche estampada há quase 2 mil anos nos muros de seus templos (huacas, na língua quéchua). Os murais pintados e os motivos trabalhados nas cerâmicas ajudam a reconstruir a história de um povo sem escrita. A maior parte do material extraído pelos arqueólogos pode ser vista no Museu Huacas de Moche.

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