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Sapore d’Itália

De Turim a Nápoles, de Bolonha à Sicília, um país com sabor de mar, de trufa, de Alpes, de pizza, de design, de arquitetura barroca, de saber viver

Por Viagem e Turismo
Atualizado em 2 jul 2021, 11h53 - Publicado em 28 fev 2012, 21h17

Quantas Itálias há na Itália? Para a maior parte dos 600 mil brasileiros que visitam o país todos os anos, há a Itália que começa em Roma ou Milão, as portas de entrada; existe também a Itália toscana do Renascimento e dos girassóis; e, claro, a Itália do romantismo de Veneza. Mas a Itália sono molti paesi. O Norte onde está Milão tem também a notável Turim, a capital do Piemonte, com suas muitas e elegantes praças; não longe de Florença estão Bolonha e sua excelência gastronômica; Nápoles, ao sul de Roma, é apaixonante e exagerada como as óperas que têm a cidade como cenário.

Molle Antonelliana, Turim, Itália Molle Antonelliana, Turim, Itália

TURIM

La francese

Aquela Itália que fala alto e com as mãos e que pinga molho de tomate no guardanapo preso ao pescoço tem mais a ver com velhos arquétipos do que com o mundo real. E, se persiste no mundo real, persiste nas regiões mais provincianas do país, um cenário que pouco tem a ver com Turim, a capital do Piemonte. Turim, tal qual sua população, é discreta, reservada, elegante. Não ergue a voz para se proclamar a mais francesa das cidades italianas – ou a mais italiana das cidades francesas. Não precisa. Abrigou a corte ítalo-fancesa dos Savoia no século 16, gente que 300 anos depois tanto protagonismo teve na unificação italiana. Não por acaso Turim foi a primeira capital da Itália que surgiu daí, em 1861.

Com pouco mais de 900 mil habitantes, Turim fica à beira do Rio Pó, ao pé dos Alpes, não longe do mar. Em seu traçado urbano, ruas de desenho reto, quadras simétricas, praças arborizadas às dúzias fazem dessa cidade plana um local delicioso para caminhar. Na arquitetura, palácios exibem a predileção dos Savoia pela escola fancesa, das grandes avenidas e das praças. Os nomes são italianos, mas os arquitetos Guarino Guarini e Filippo Juvarra, que deram a cara barroca de Turim, entenderam o recado.

Caminhar, sempre

Por isso, o melhor de Turim é caminhar, sempre. Experimente, por exemplo, sair da Piazza Carlo Felice e seguir em linha reta pela badalada via Roma até a Piazza Castello e a Piazzetta Reale, onde fica o opulento Palácio Real. Ao longo desse trajeto está ainda a linda Piazza San Carlo, conhecida como “sala de estar” de Turim. De um lado ficam as belas igrejas barrocas de San Carlo e Santa Cristina; do outro, a Accademia delle Scienze, desenhada por Guarini. A Accademia é notável: guarda, na Galleria Sabauda, o maior acervo de arte dos Savoia, com pinturas de grandes como Rembrandt e Mantegna, e ostenta um surpreendente museu egípcio – o terceiro mais importante do gênero no planeta, atrás apenas do museu do Cairo e da coleção do British Museum, de Londres. Guarde um tempinho para, depois de contemplar as estátuas monumentais de Ramsés 2º e Seth 2º, ver a coleção de papiros. Se houver espaço no drive mental, a uma quadra da Accademia está outra obra-prima de Guarini, o fascinante Palazzo Carignano, com sua particular fachada ondulada formada por tijolos aparentes. Hoje funciona ali o Museo del Risorgimento, dedicado à unificação italiana.

Para os que preferem acervos mais contemporâneos, Turim tem o famoso Museo dell’Automobile, gerido pela Fiat, a grande marca local, na cidade desde 1899. O museu reabriu ampliado em 2011 e expõe 200 automóveis de 80 marcas. Agende para visitar a garagem onde estão os carros da “reserva técnica” e, mais interessante, a escola de restauro de automóveis. Já os cinéfilos (e os nem tanto) têm no Museu do Cinema outro bom programa. O acervo não é digno de uma MGM nem de uma Cinecittà, mas é ótimo pretexto para subir a Mole Antonelliana, um edifício de 167 metros de altura que já foi o maior do mundo no século 19, onde a instituição está instalada. No topo, veja a cidade a seus pés. Elevação maior em Turim só é reservada para alguns cristãos quando lhes é concedida a graça de ver o Santo Sudário, guardado no Duomo di Torino, na Piazza San Giovanni. Mas a controvertida mortalha que teria vestido Cristo depois (ou antes) do grande momento, objeto de máxima devoção, é exibida irregularmente ali. A última vez foi em 2010, mas, antes disso, só em 2000.

Turim ganhou um belo “lift” na década passada, quando sediou as Olimpíadas de Inverno de 2006. As lojas, com vitrines dignas de Milão, têm grifes como Giorgio Armani, Dolce & Gabbana e Fendi, além de marcas estrangeiras, como a japonesa Muji e a descolada espanhola Camper. Elas se concentram na Via Roma, a principal rua de Turim, por onde passam bondes que costumam conferir, como se fosse preciso, um ar ainda mais nostálgico e charmoso à cidade.

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Para dar respiros nos tours-cabeça e de compras, pare para um corto com sabor art nouveau (ou tardo-oitocentista) no Caffè Platti, fundado em 1875 no movimentado Corso Vittorio Emanuele II. E, à noite (ou não só), dedique-se à ótima culinária do Piemonte, marcada pelos queijos e pelo funghi, e – per che no? – também à da Ligúria, região litorânea frequentada pelos turinenses e onde brilham as focaccias, o pesto e os frutos do mar. O restaurante Porto Di Savona, na Piazza Vittorio Veneto, serve as duas especialidades. Para quem quiser provar o famoso tartufo branco, uma das marcas do Piemonte, dois avisos: primeiro, hipoteque a sua casa – em novembro de 2011, o quilo custava € 1 800. Quer seguir adiante? Então avance 50 quilômetros até Alba, a capital mundial do tartufo branco. É lá, em outubro, que acontece a Feira do Tartufo. Se não for a Alba nesse mês, uma dica é o restaurante La Piola, na Piazza Risorgimento.

A colina e os jogadores

Em seus momentos de despedida de Turim, permita-se subir a alguns dos mais belos mirantes da cidade. De início, atravesse o Pó, vá ao topo do Monte dei Cappuccini e dispute seu lugar na mureta com um dos vários casais apaixonados que certamente estarão por lá; ou, da estação Sassi, pegue o trem para visitar a esplêndida basílica barroca de Superga (se você se lembrou da badalada marca de calçados, sim, a Superga é de lá), construída por Juvarra numa colina a leste de Turim. Foi nessa colina que ocorreu uma das maiores tragédias da história do esporte italiano, quando, em maio de 1949, contra ela se chocou o avião que levava todo o time do Torino. A equipe é até hoje considerada a melhor da história do futebol italiano, e os nomes das 31 vítimas são lembrados em uma placa na basílica. Do alto dessa colina cheia de história, olhando para Turim, chega-se a conclusão idêntica à do caminhante. Trata-se, sim, de uma linda cidade. Ainda que seus habitantes não façam questão alguma de dizê-lo. (GIAN ODDI)

Bolonha, Itália Bolonha, Itália

BOLONHA

Comer, comer

A primeira universidade do Ocidente, fundada em 1088. Torres, praças, catedrais, calçadas de mosaicos cobertas por arcos e canais secretos. Tudo isso é coadjuvante na maior contribuição de Bolonha à humanidade, a comida. A capital da região da Emília-Romanha, a 107 quilômetros de Florença, já deu muita coisa boa ao mundo: a mortadela, o ragu à bolonhesa, a pasta ao ovo. In loco, suas dádivas calóricas podem ser saboreadas em restaurantes sublimes, pequenas e grandes cantinas, bares animados pelos muitos estudantes e mercados. Não à toa, o apelido de Bolonha é “La Grassa” (A Gorda).

O prato de iniciação à cozinha local é o ragu à bolonhesa – servido com tagliatelle ao ovo, jamais com espaguete. O molho é um parente bem distante daquele “à bolonhesa” brasileiro. Tem bastante carne de porco e de boi e apenas um pouco de tomate, não o contrário. E deve permanecer ao menos duas horas em fogo baixo para ganhar sabor (ragu vem da palavra fancesa ragoût, algo como “acrescentar gosto”). A Eataly de Bolonha, da mesma rede de Nova York, é famosa por fazer um dos melhores ragus da cidade, receita do chef nativo Alberto Betini. Outra massa obrigatória é o tortellini recheado e moldado a mão, que é servido com ragu ou in brodo, como fazem na Osteria Bottega, o grande restaurante da cidade, delicioso e caseiro. Lá também prove a leve mortadela do frigorífico Pasquini, feita só com partes nobres do porco. Outro hit é o bollito misto, uma mistura de carnes cozidas no caldo. Para comer bem pagando pouco e entrar no clima estudantil, um bom endereço é a Trattoria Fantoni, que serve tortelli com manteiga e sálvia, entre muitas outras boas massas e carnes, e fica em uma das mais animadas ruas da cidade, a Via del Pratello.

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Com 400 mil habitantes (100 mil deles estudantes) e um centro histórico compacto, Bolonha não é minúscula, mas ainda assim perfeita para ser explorada a pé. Se quiser badalação no jantar, tome um aperitivo no Ex Forno, o restaurante do Museo d’Arte Moderna. Como em Milão, basta um drinque para poder se servir à vontade no bufê de aperitivos, que vale por um jantar. Depois, a pedida é curtir um show de jazz na Cantina Bentivoglio, no bairro universitário.

De lá, siga na Via Mascarella, emérita rua notívaga de Bolonha, sempre cheia de gente e com muitos bares. Uma sugestão é parar no L’Ortica, bar de vinhos bem charmoso.

Deixe para o dia seguinte a busca do melhor sorvete. Na moderninha Grom há sabores feitos com produtos orgânicos e certificados pela organização Slow Food. A Il Gelatauro faz um sorvete de doce de abóbora e outro de pistache de Bronte (siciliano, que dizem ser o melhor do mundo) dos deuses. E a Castiglione aposta nos chocolates e nas castanhas. Perto dela fica também o mais interessante café bolonhês, o Zanarini, numa das praças da Via Farini, a rua das grandes lojas. Ótimo spot para um café da manhã com jornais.

Quem gosta de mercados não pode deixar de visitar o Tamburini, com todos aqueles deliciosos embutidos e queijos – o squacquerone, que mais parece um creme, é de matar; e o Mercado della Terra, todo sábado pela manhã, que reúne produtores da região. (NANA CAETANO)

Pizza margherita da Pizzaria Brandi, Nápoles, Itália Pizza margherita da Pizzaria Brandi, Nápoles, Itália

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NÁPOLES

Così fan tutte

Nápoles pode despertar amor ou ódio à primeira vista. A cidade é mais latina, sanguínea, mais caótica que Milão, Turim, Florença. Os napolitanos fazem do jeito deles – ou delas: così fan tutte, como no nome da ópera de Mozart que se passa ali. Seus motociclistas cruzam as ruas como loucos, os automobilistas não ficam atrás, e o lixo acumulado já virou cartão-postal. Mas há atributos: excelente comida, um rico legado histórico, lindas paisagens à beira-mar e alguns dos mais simpáticos habitantes do país. Mas, se você parla italiano e mesmo assim não capisce niente, não se assuste: o dialeto napolitano é ininteligível, mesmo tendo sido amplamente difundido na literatura, no teatro e na voz de Peppino di Capri.

Terceira cidade mais populosa da Itália, Nápoles tem programa fácil para uma semana. Vale visitar seus castelos, como o Nuovo, do século 13, com um afresco de Giotto; e o Dell’Ovo, onde está o Museu Etnográfico. O ovo que lhe dá nome teria sido colocado em pé, na masmorra da edificação, pelo poeta Virgílio – muito antes de Colombo.

Distribuída em vários níveis, Nápoles é costurada por escadas e funiculares. Por isso, qualquer caminhada exige uma reposição de calorias à altura. Ou, numa palavra: pizza. Nápoles se autoproclama a inventora da iguaria e faz, segundo 100 entre dez napolitanos, a melhor do mundo. Os calzoni e os ripieni (algo entre um pastel grande e uma pizza dobrada, com recheio) também são matadores. E, no tocante às belezas naturais, a cidade exulta. Na vizinhança estão o Vulcão Vesúvio, o sítio arqueológico de Pompeia e a Costa Amalfitana, talvez o pedaço mais bonito do extenso litoral italiano.

Uma certa má fama de Nápoles advém dos problemas de coleta de lixo, atividade que é controlada pela Camorra, a máfia local, e da sensação de insegurança que se tem no chamado Quartieri Spagnoli. Hoje moradia de 14 mil pessoas, o bairro existe desde o século 16 e serviu de refúgio aos militares espanhóis que queriam se proteger das revoltas populares (Nápoles pertenceu ao reino da Espanha por séculos). Mas não deixe de ir ao Quartieri: os edifícios coloridos, as mulheres e os comerciantes aos berros, as roupas penduradas nas janelas e as motos que desafiam os degraus são uma experiência antropológica ao vivo. O sagrado e o profano dividem espaço ali. Apesar de ser uma conhecida zona de prostituição, há vários altares dedicados a santas e santos italianos. O corpo de uma delas, Santa Maria Francesca delle Cinque Piaghe, está sepultado lá, em seu próprio santuário. É um bairro de muita cor, mas difícil de captá-la com sua câmera, que, diga-se de passagem, é bom não dar mole.

Quase tão antigo quanto o quartieri é a pizza napolitana. Ela pode até não ser a melhor do mundo, como eles dizem, mas os napolitanos tiveram tempo para acertar a receita. A mais velha das pizzarias, a L’Antica Pizzeria Da Michele, faz neste ano seu 142º aniversário. É considerada a melhor da cidade mesmo muito antes de Elizabeth Gilbert mencioná-la em Comer, Amar, Rezar. O ambiente é simples e familiar, e só há dois sabores no cardápio: margherita (tomate fesco, mozzarela branca e manjericão) e marinara (tomate fesco, azeite extravirgem, alho e orégano). Os herdeiros de Michele, já na quinta geração, são puristas e não cogitam servir outro sabor além desses, originais de Nápoles. A pizza só tem um tamanho, o enorme, e pega mal dividir.

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Os anos foram deixando a pizza mais gostosa, já que, nos primórdios, o produto não tinha cobertura e servia apenas para testar a temperatura do forno. Garfo e faca são dispensáveis, mas estão lá para quem quiser romper o protocolo. Os copos são de plástico. Quanto à procedência dos ingredientes, a coisa é fina. O tomate, ligeiramente adocicado, é da variedade topo de linha San Marzano, cultivada na encosta do Vesúvio. A mozzarela branca, ou fior di latte, vem da leiteria d’Agerola e é quase obrigatória. Um napolitano é capaz de passar horas explicando o segredo de uma boa pizza, mesmo que não saiba cozinhar. Talvez ele lhe indique outras casas, como a Trianon da Ciro e a Brandi, com sua ótima margherita.

Pompeia e a Costa

Nápoles é base para dois bate e volta clássicos. Uma viagem de metrô leva a Pompeia, o primeiro deles, a 30 quilômetros. Acredita-se que 35 mil pessoas viviam em Pompeia em 79 d.C., ano da erupção do Vesúvio, que a devastou. A cidade possuía jardins e casas luxuosas com afrescos. Até os bordéis abrigavam obras de arte, pinturas que retratavam tempos de muita saliência. Daí a versão famosa de um castigo divino. Mas Pompeia não era mais (nem menos) hedonista do que outras cidades do Império Romano.

Hoje, quem ingressa no sítio arqueológico só ouve o canto de passarinhos e o ruído dos próprios passos no chão de pedra. Um silêncio reverente domina a cena. Nos dias que sucederam à fatídica erupção, Pompeia foi tomada por cinzas incandescentes, além de rochas, gases tóxicos e outros resíduos. O suficiente para acabar com a vida e mudar a paisagem – até o Rio Sarno teve seu curso alterado.

Para não perder nenhum detalhe, convém fazer a visita guiada, usar o audioguia ou marcar os lugares de interesse no pequeno livro informativo entregue na bilheteria. Não deixe de passar pelo Fórum, pelo Teatro, pelos templos e termas, pelo Anfiteatro e pela Palestra. O resto são ruínas de residências que revelam detalhes de como se vivia na época. A Casa dei Vettii, por exemplo, pertencia a ricos mercadores e mantém pinturas do século 1 preservadas. Já a Casa del Poeta Tragico exibe o célebre mosaico Cave Canem (um aviso para possíveis ladrões de que o lar estava protegido por cães), e a Casa del Fauno, que ocupa todo um quarteirão, é conhecida por ser uma das maiores do complexo. Há ainda os corpos preservados pelas cinzas, verdadeiras estátuas humanas.

Um pouco mais à fente, na direção de Salerno, chega-se à Costa Amalfitana, a lindíssima e longa península cheia de penhascos. É um dos roteiros cênicos famosos do mundo, mas que exige do motorista. Dirigir entre Sorrento e Vietri Sul Mare é para os destemidos – e pacientes. Os enormes espelhos posicionados nas centenas de curvas não são exagero e só mostram quão fechadas elas são. Por isso, uma opção a considerar é o ônibus de dois andares da empresa City Sightseeing, que faz paradas em Amalfi, Ravello, Maiori, Minori e Positano, em diferentes excursões e programas. (CLARISSA VASCONCELOS)

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Barcos na Sicília, Itália Barcos na Sicília, Itália

CALÁBRIA E SICÍLIA

Na ponta da Bota

A viagem enogastronômica que eu tinha pela frente seguiria um roteiro bastante inusitado: conhecer o extremo sul da Itália, mais precisamente a Calábria e a Sicília, mas fora do circuito turístico tradicional. Durante dez dias, o receio de ter feito uma aposta ousada demais se dissiparia à medida que eu me via diante de figuras maravilhosas, como um confeiteiro felliniano formando torrones em forma de frutas perfeitas (futta martorana), ou vivenciava novos aprendizados, como aquele de distinguir as diferenças de azeites em degustações ao pé das oliveiras. Tudo isso em lugares pequenos, afastados e com tutta la famiglia trabalhando e se divertindo, no mais tradicional estilo italiano dos velhos filmes. A viagem foi organizada por Antonello Monardo, italiano radicado em Brasília que costuma levar brasileiros a esses roteiros maravilhosos duas vezes por ano.

A ponta da bota que o mapa da Itália imita foi o berço da Magna Grécia, entre os séculos 7 e 5 a.C., e deu nome ao país, em homenagem a seu rei Ítalo. Apesar dos mais de 2 milhões de habitantes, a região se caracteriza ainda por intensa atividade rural e pequenas aldeias. Reggio Calabria, à beira do Estreito de Messina, a 500 quilômetros de Napóles, é a base para conhecer essas pequenas localidades.

E a primeira boa surpresa veio na pequena padaria Buda Giovanna, na litorânea Pellegrina di Bagnara, onde o dono ancião ainda mantém a tradição da panhota, um pão feito artesanalmente que dura semanas e foi criado há centenas de anos por famílias bem pobres. Duro e feio, ele vira iguaria ao contato com um pouco de água, muito azeite e salpicos de orégano e tomate picado. Tão tipicamente italiano também é o adorável Lillo, dono da fábrica de torrones Fratelli Giordano, em Archi. Um confeiteiro de bigodes que lambe os dedos ao se deliciar com suas sensacionais guloseimas e que nos revelou gostar mesmo é de ver os pais mantendo o costume de dar os quitutes aos filhos no feriado de Finados para que não se sintam muito tristes.

Um trajeto rápido por pontes longas à beira de precipícios, tão assustadores quanto belos, nos leva a Bagnara Calabra, com pouco mais de 10 mil habitantes, por séculos dedicada à pesca e à agricultura, onde a nossa farra no restaurante Principe di Scilla teve como iguaria principal o peixe-espada. Aliás, por pouco não chegava nele, já que o cardápio incluía outros cinco pratos, além de antepastos. Na volta para o hotel, pudemos conversar com os pescadores especializados na captura desse pescado, que chega a medir 1,70 metro e pesar 50 quilos.

Outra refeição épica, no vilarejo de Bova, teve como surpresa a entrada, composta de queijo local, ricota fresca, salame feito com carne de porco-negro, omeletes, tomates secos, legumes grelhados, azeitonas, bruschetta e lestopitta, um pão redondo e fino, feito apenas com farinha, água e óleo, fito em vez de assado. Dos deuses… gregos, já que a cidade está ligada a seu passado helenístico e seus habitantes ainda falam a língua. Escudados pelo simpático prefeito, almoçamos, na Trattoria Grecanica San Leo, tagliatelle artesanal com grão-de-bico, carne de cabra, grelhado de linguiça de porco-negro e almôndegas de ricota, acompanhados de vinho local. Licores se somaram ao doce “helenístico” servido como sobremesa. Tudo com boa música, sempre muito alegre, cantada em legítimo grego calabrês. Antes de sair da Calábria, fomos a San Giorgio Morgeto, onde degustamos azeite e aprendemos sobre os mais de 40 itens que qualificam um bom olio. O melhor da viagem ainda nos esperava na ensolarada e muito florida Ilha da Sicília. Sua cultura é variada, e o povo, receptivo e de espírito cosmopolita. Além disso, a lava que vira e mexe escorre do vulcão Etna fertilizou o terreno para a produção de um tipo de uva vinífera único.

De Catânia a Taormina

Nossa porta de entrada na Sicília foi Catânia, depois de uma muito agradável travessia de balsa a partir da Calábria. A cidade exibe prédios suntuosos e algo sombrios, devido ao uso das pedras negras de lava nas construções. Ali eu e meu grupo pudemos experimentar a comida de rua. Uma delícia surpreendente por sua simplicidade é o arancino, bolinho fito de arroz. Outra, o drinque feito apenas com água gasosa, suco de limão e sal, à venda nos quiosques das calçadas. E, o melhor de tudo, o passeio pelo vasto e belo mercado de peixe, a Piscaria, junto à praça do Duomo, onde fica o monumento mais famoso de Catânia: a Fonte do Elefante, “U Liotru”. Delícia comer sushi cortado na hora ou provar minipeixes fritadinhos.

Uma subida por estradas íngremes, e chegamos a Zafferana Etnea, onde participamos de uma aula de culinária no restaurante Parco dei Principi, seguida de degustação. Os alunos puderam preparar, junto com o chefe Sebastiano Sorbello, o cardápio que tinha como entrada panelle palermitane, uma caponata leve ao mel de Zagara, com berinjelas, tomates, pimentões e batatas, seguida de um risoto com cogumelos porcini e pistache de Bronte (espécie própria da Sicília) ou maccheroni alla norma (pasta com molho de berinjela), mais um maravilhoso segundo prato chamado bracioline – carne de leitãozinho da região de Nebrodi envolta em folha de limão e acompanhada de batatas cozidas. Ufa! E ainda teve a sobremesa, cannoli siciliani con ricotta, um cone de massa doce recheado com o queijo.

Mais subidas, e fomos visitar o famoso Vulcão Etna, um dos mais ativos na Europa. Espetacular, com os pinheirais na base, as pedras negras formadas pela lava de séculos e as videiras nascendo no solo supermineralizado. De suas uvas, especialmente da variedade chamada Nero d’Ávola, os sicilianos produzem um vinho peculiar. Mais uma vez, um lugar pequeno e gerido por uma família inteira foi escolhido para uma visita: a Cantina Russo. Pai e filhos são os gerentes, e primos e tios também trabalham na vinícola, onde, quando há turistas, acaba por rolar até tarantela ao vivo.

Taormina justificou o ditado de que o melhor sempre vem no final. Uma mistura de tesouros históricos com beleza natural, composta por vistas marítimas do alto e ruelas encantadoras e cheias de flores. A comida? Bem, é a clássica mediterrânea, simplesmente maravilhosa. Mas o ambiente das ruas, o clima, o perfume das flores, tudo faz com que uma simples (e boa!) pizza ou um dos sorvetes inigualáveis sirva como uma refeição. (BELISA RIBEIRO)

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