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Santa Catarina: estado de espírito

Com praias de todos os feitios e festas de Réveillon como poucas, Florianópolis, Garopaba e Rosa fazem do litoral catarinense o lugar para estar no verão

Por Maurício Oliveira e Jennifer Ann Thomas
Atualizado em 4 jan 2021, 12h27 - Publicado em 4 dez 2012, 14h36

Mais uma vez Santa Catarina foi considerado o Melhor Estado do Brasil no Prêmio VT. É a sétima vez, a sexta consecutiva, que o título fica com o estado, bem votado em atributos como Beleza, Hospitalidade, Comida e Segurança. Santa Catarina é desfutável o ano todo – tem até neve –, mas, no verão, todos os olhos se voltam para suas praias, lagoas e dunas, especialmente as da capital, Florianópolis, e, mais ao sul, das lindas praias de jeitão hippie-chic de Garopaba e do Rosa.

. . : FLORIANÓPOLIS : . .

Classe A por Maurício Oliveira

Beverly Hills brasileira. Assim Florianópolis foi chamada pelo jornal O Globo neste ano, quando o diário publicou reportagem baseada em uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas mostrando que a cidade tem o maior porcentual de ricos entre as capitais brasileiras (27,7% da população é da classe A, bem mais que os 19,5% do Rio e os 17,7% de São Paulo). Uma Floripa elitista se revelou aí, com nativos sugerindo que possuir lanchas é uma aspiração ao alcance de muitos e que é preciso haver mais “branco e dourado” e mais hotéis de grife para a ilha melhorar. A reportagem virou um “trend topic” na cidade, que, ficaria evidente depois, não está imune a problemas de outras capitais do país, como ter ônibus queimados e sofer com hipotéticos toques de recolher, ações orquestradas por uma facção criminosa nos moldes do PCC paulista.

Entretanto, a cidade ter sido chamada de Beverly Hills brasileira deu lenha a um debate atualíssimo: Florianópolis deve virar uma cidade de feições consumistas ou reforçar sua autenticidade e suas virtudes naturais? Uma das boas discussões da última campanha eleitoral foi o projeto para a construção de um grande hotel de 22 andares, dotado de centro de eventos e shopping, na Avenida Beira-Mar Norte. Boa parte da população defende um parque público ali, causa abraçada pelo prefeito eleito, César Souza Jr., o qual criticou o transtorno que o empreendimento deve causar ao trânsito.

Se depender de boa parte dos turistas que vão nesta época a Florianópolis, contudo, quanto mais luxo, melhor. Chega o Réveillon, e Jurerê se credencia, se nem tanto a Beverly Hills, a Punta del Este ou St. Tropez brasileira. As festas caras, a música de seus paradores, ou beach clubs, as personalidades contratadas ou convidadas para servir de ímã (no ano passado, Neymar, Selton Mello e Alessandra Ambrósio eram “os caras”) e a cobertura em tempo real de sites de gossips fazem da praia o lugar para se estar – especialmente para quem não está. A Jurerê vai gente que deseja desfutar de um ambiente rico e famoso, nem que isso signifique ficar a muitos metros dos ricos e famosos ou tirar fotos das mansões bacanas nas ruas com nomes de peixes do bairro. “É do jogo”, sintetiza Leandro Adegas, do beach club Taikô, cuja novidade neste verão será o delivery para os barcos atracados em Jurerê – de jet ski, bem entendido. Os paradores incentivam esse comportamento caça-celebridade. Em seu site, o Café de la Musique define o próprio ambiente como “o local ideal para uma abordagem direta ao público AAA”.

Para curtir a pleno o Réveillon nos paradores de Jurerê, é preciso preparar o bolso. O P12, por exemplo, promete atrações já a partir de 15 de dezembro. Seu Réveilon Spettacolo vai custar R$ 800 – o camarote para 12 pessoas sai a R$ 20 000, com comida e bebida incluídas. No dia 30, quem se exibe ali é o DJ fancês Bob Sinclar, que foi indicado ao Prêmio Grammy como produtor de um álbum de reggae de Sly & Robbie, legenda jamaicana do gênero. Já o Café de la Musique abrirá desde cedo no período entre 26 de dezembro e 6 de janeiro. Às 16 horas começam os sunsets, com DJs tocando até 22 horas, conforme acerto com a associação de moradores local. Para o Réveillon, a casa aposta, pelo quarto ano seguido, no DJ Jack-e, residente em Saint Tropez. Os ingressos custam R$ 1 500, open bar e open food incluídos. O line-up de celebridades não havia sido confirmado até o fechamento desta edição.

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A pé ou de pé

Felizmente, Florianópolis tem 42 praias (mas, por certas contagens, o número dobra), e nelas há espaço para gente com interesses muito diferentes. Mole, Joaquina, na costa leste, e Campeche, no sul da ilha, por exemplo, recebem um público mais interessado em açaí e cerveja de garrafas de 600 mililitros do que em champanhe e que troca um ingresso para ver David Guetta por uma roda de violão.

Por isso, surfar, nadar, caminhar, correr ou apenas ficar estirado na praia, qualquer que seja ela, é uma grande pedida sempre. Dentre as populações de capitais do Brasil, a de Florianópolis é a que mais pratica exercícios físicos, segundo pesquisa divulgada neste ano pelo Ministério da Saúde. O ambiente, claro, é uma razão. Por isso, para não ficar as férias inteiras se culpando pela caipirinha a mais, quem sabe você não entra na boa onda dos locais? Para quem pega leve, a ilha tem trilhas lindas e fáceis de ser percorridas. A da Costa da Lagoa, de 7 quilômetros, leva a vantagem de poder ser “abortada” a qualquer momento. É que o trajeto também pode ser feito de barco (e, claro, dá para fazer toda a volta navegando). A passagem custa apenas R$ 5, e o trajeto vai costeando suavemente a Lagoa da Conceição, com pontos de parada ao longo do caminho. Mais uma vantagem: a Costa da Lagoa tem restaurantes de futos do mar rústicos e simpáticos, como o Cabral e o Coração de Mãe. Mais pesada é a trilha que conduz à paradisíaca Praia da Lagoinha do Leste, partindo do canto direito da não menos bela Matadeiro – um caminho com vistas fantásticas.

Para uma atividade mais intensa, uma ideia é tentar o stand-up paddle, o SUP, esporte que é moda agora nas praias no Brasil e que consiste em ficar de pé sobre uma pranchona de surfe. Remando. Fiz uma aula de SUP nos Ingleses, no norte da ilha, para corrigir um erro histórico. Apesar de manezinho por adoção, sou “prego” de tudo: não aprendi a nadar direito e jamais havia subido em uma prancha. Remei perto de um costão, um local de águas caribenhas, protegido do vento e praticamente sem ondas. No começo, é difícil permanecer de pé, pois até as pequenas ondulações já desestabilizam. Mas logo a gente aprende os macetes – basicamente dobrar cada um dos joelhos no ângulo e no momento certos. Se for virar à esquerda, é preciso dar algumas remadas consecutivas do lado direito. E viceversa. Se é hora de seguir em frente, remadas alternadas. O jogo constante de pernas pode fazer os mais sedentários sofrerem. “Muita gente me liga no dia seguinte para contar que está andando como o Robocop”, disse-me o meu professor, Sérgio Machado. Mas são raros os casos de quem não sai remando ao fim da primeira aula. “Manter-se equilibrado é acima de tudo questão de instinto”, diz. O mais difícil, para mim, é remar em direção à praia. Aí não dá mais para ver quando chegam as ondas. Acredito ter caído umas 15 vezes, mas consegui ficar uns dez minutos “invicto” e remei até uns barcos atracados a 200 metros da rebentação. Venci.

A bênção, Santo Antônio

Santo Antônio de Lisboa, a 17 quilômetros do Centro, é uma breve viagem ao passado de Floripa. Eis a receita antiestresse: de um lado, o casario típico açoriano do século 18; do outro, o mar calmo da Baía Norte. A cada curva da estradinha vem a vontade de parar e observar outra vez o mar e, mais ao sul, a linha de prédios do Centro e a velha Ponte Hercílio Luz. Pena o mar ser quase sempre impróprio para banho, especialmente na região da Igreja de Nossa Senhora das Necessidades. Além da arquitetura e do visual, outro motivo que atrai ali é a concentração de restaurantes. Há os portugueses, os de peixes, os italianos. Ou você fica pé na areia ou do outro lado da estrada, no “salão climatizado”. Como o destino vem sendo descoberto há algum tempo, ele já superou sua fase cult e agora, nos fins de semana, enche. As poucas ruas ficam tomadas de gente e carros. Os bares com deques e mesinhas próximas à praia lotam, assim como a Feira das Alfaias, de artesanato, que acontece à tarde, montada sobre o calçamento de pedras da Praça Roldão da Rocha Pires – obra feita para receber dom Pedro 2o em 1845. Visite também a Casa Açoriana. Misto de loja de artesanato e galeria de arte, é tocada por João Otávio Neves Filho, o Janga, que mostra com gosto o acervo ao visitante e conta histórias dos artistas locais. Há quadros, cestaria, rendas de bilro, mantas feitas em tear manual, cerâmicas. “Santo Antônio sempre foi um lugar histórico, mas faltava-lhe alma. Acho que estamos ajudando a resgatá-la”, disse à VT. Fecho perfeito para o dia é saborear, exatamente no fundo da Casa Açoriana, uma torta de damasco numa mesinha de jardim da Santo Antônio Spaguetteria e Café. (Colaborou Luiz Giannoni)

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. . : GAROPABA E PRAIA DO ROSA : . . 

Sul Maravilha por Jennifer Ann Thomas

Se a baiana Trancoso guarda pouca semelhança com o paraíso hippie que foi nos anos 1980 – a música eletrônica, as drogas sintéticas, as lojas de grife e a coluna do preço dos cardápios fizeram o mood mudar –, Garopaba e a vizinha Praia do Rosa, dois outros destinos de praia míticos do país, no litoral sul catarinense, a 100 quilômetros de Florianópolis, conservam um ar desses tempos pioneiros em que eram apenas redutos de surfistas e de gaúchos que gostavam de redutos de surfistas. É dessa época o hino informal porto-alegrense Deu pra Ti, em que a dupla Kleiton & Kledir citava Garopaba como uma das coisas favoritas da “gauderiada”: “Garopaba ou Bar João / Beladona e Chimarrão”, cantavam.

Os gaúchos continuam gostando de Garopaba, assim como paulistas, cariocas, paranaenses, argentinos e, principalmente, surfistas. Muitos surfistas se fixaram por lá e ajudaram o destino a se desenvolver, mas não da maneira atabalhoada que é a marca brasileira. Alguma preocupação ambiental já pautava os forasteiros no passado, os quais acabaram por fazer construções bem mais bacanas do que era de supor. O cenário, é verdade, pode se modificar, já que em 2011 foi aprovada a permissão de edificação de prédios com mais de dois andares. Houve reações, como a de um dos surfistas-pioneiros mais célebres de Garopaba, o empresário e médico Marco Aurélio Raymundo, o Morongo, dono da grife de beachwear Mormaii. “Não consigo dormir tranquilo enquanto esse projeto, que passou por conta de interesses imobiliários e políticos, não cair de uma vez”, disse à VT. Para o secretário de Turismo de Garopaba, Marcus Vinícius Israel, o que houve foi um mal-entendido. “O projeto visa a atender situações específicas, como blocos da universidade e unidades de saúde”, afirma.

Destinos pacatos fora de temporada, Garopaba e Rosa, com suas lindas praias (três delas, Ferrugem, Silveira e Praia do Luz têm a ótima cotação quatro-estrelas do GUIA BRASIL 2013), não estão imunes ao enorme fluxo turístico de Réveillon. No Rosa, há a festa Virada Mágica, para até 5 mil pessoas, agora em sua quinta edição, com um line-up que poderia estar em Jurerê. A cantora Nadia Ali, popstar do circuito Malta–Goa –Miami e parceira de figurões da eletrônica como o produtor e DJ Armin Van Buuren, entre outros, se apresenta no palco montado no gramado da pousada Fazenda Verde do Rosa, com preços que vão até R$ 429, com direito a open bar. Mais democrática é a festa em Garopaba. Na Praia Central, o show de fogos de artifício é gratuito.

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A despeito de sua área reduzida, a Praia do Rosa conseguiu se tornar o que os teóricos chamam de “cluster” turístico. Ali há dezenas de pousadas charmosas e dois restaurantes estrelados pelo GUIA BRASIL 2013, o Tigre Asiático e o Lua Marinha. O primeiro é um tailandês que abre diariamente mesmo fora de temporada e é endereço de um pad thai apreciado. No Réveillon, ataca de menu especial, com dois pratos principais (normalmente pato e frutos do mar) e duas sobremesas. Os R$ 150 cobrados por pessoa também dão direito a uma garrafa de espumante para o casal. O Tigre é tocado por Márcia Nascimento e Silva, que cursou gastronomia em Chiang Mai em 1999 e desde então viaja constantemente à Tailândia. “Só não posso usar tanta pimenta na comida como na Tailândia, pois aí ninguém volta ao meu restaurante”, diz. Já o Lua Marinha, defonte à Lagoa de Ibiraquera, é um lugar onde comer peixes fescos. Não só: há também combinações inesperadas, como polvo com funghi acompanhado de risoto de maçã.

No Rosa, antes dos restaurantes estrelados havia as pousadas. E ali elas são conhecidas pelo conforto – varandas com hidromassagem, café da manhã até a hora do almoço, entre outros trunfos – e, novamente, pela preocupação ambiental. Em várias delas, manter um quinhão de mata nativa parece fazer mais sentido do que construir outro bangalô. Cristiano Agrifoglio, o Neco, dono da Fazenda Verde by Neco, fundada em 1985, é um desses ecologistas de primeira hora. Em sua propriedade, mais do que preservar, regenerou: “Antes o terreno da pousada era exaurido pela plantação de mandioca. Hoje as áreas com vista para o mar tem mais vegetação de Mata Atlântica do que há 30 anos”. As duas melhores pousadas do Rosa segundo o GUIA BRASIL, a Quinta do Bucanero e o Solar Mirador, atendem a um número de quesitos suficiente para merecer o selo sustentável do GUIA. A primeira usa eletrodomésticos certificados de baixo consumo de energia e aquece a água com energia solar. Também sedia anualmente, desde 2004, o projeto Paint a Future, no qual obras de arte são criadas a partir de desenhos feitos por crianças da região. A Solar Mirador preservou a estrutura original do terreno: rochas compõem a decoração das áreas comuns, e as suítes são suspensas para não atrapalhar o curso da água da chuva. Vários outros empresários, organizados no chamado Núcleo de Turismo da Praia do Rosa, colocam em prática campanhas coletivas, como limpeza da beira da praia e das estradas. Os hóspedes são chamados a dar sua colaboração (há uma taxa de R$ 2), que é revertida para essas ações.

É possível que, no verão, as marcas de distinção de Garopaba e Rosa passem batido para a maior parte dos visitantes. O término das eternas obras de duplicação da BR-101, a estrada que vem de Florianópolis, deve estimular a chegada de ainda mais turistas. Mas, se você acabar não conseguindo desfutar de tanta beleza neste fim de ano, não desista. O mar gelado é bem mais agradável no verão, mas, mesmo em outras estações, Garopaba e Rosa valem a visita. Quando o verão for sucedido por mais um outono, e este, por mais um inverno, lembre- se de que aí já estará na hora de as baleias-fancas chegarem. Todo um turismo de observação dessas baleias se estruturou em Garopaba – o pioneiro disso, a propósito foi outro forasteiro, o argentino Enrique Litman. Parece que há sempre algo a fazer aqui, e isso deve ter sido a razão para os que vieram lá atrás terem ficado e motivo para os que não ficaram, por sua vez, sempre voltarem – como o escritor Daniel Galera, um dos grandes nomes da nova geração de ficcionistas brasileiros, que, para escrever seu novo romance, Barba Ensopada de Sangue, lançado em novembro, morou entre 2008 e 2009 em Garopaba. E razão também para que os que estão chegando pela primeira vez morram de amores por esse pedacinho iluminado de Santa Catarina.

 

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