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Quanto mais sujo, melhor

Para os jipeiros, essas são as condições perfeitas de viagem: lama, buraco e estrada malconservada

Por Nádia Lapa
Atualizado em 14 dez 2016, 12h01 - Publicado em 14 set 2011, 12h31

Enquanto sigo sacolejando ao seu lado, Mário Vitiello faz menção a uma via no interior de São Paulo pavimentada recentemente. “Lá é igual à Avenida Paulista.” Nada de buracos, erosões ou lama. Uma estrada lisinha assim é o desejo de muitos viajantes, mas o tom do seu comentário é de reclamação. Ele faz parte de um grupo cada vez maior de paulistas que prefere enfrentar muitos obstáculos para chegar àquela praia incrível ou a uma cachoeira intocada. São os jipeiros, donos de automóveis 4×4 que aproveitam qualquer tempo livre para colocar seus carros nas trilhas off-road. A ideia é viajar, fugir um pouco do trânsito e da poluição da cidade. Mesmo que, para isso, seja preciso engolir um pouco de poeira. Não, muita poeira. Como eles costumam dizer, bem-humorados, o dia seguinte ao de uma trilha é “para cuspir tijolo.”

O grupo é democrático: tem desde carros que custam pouco mais de R$ 10 000, como alguns modelos do tradicional Jeep Willys, até automóveis que valem dez vezes essa quantia. Também não é preciso ter o carro todo preparado para participar das trilhas. Basta ter disposição e alguma coragem. Bom, na verdade, muita coragem.

Durante minha primeira trilha como “zequinha” (como é chamado quem vai de carona) de Mário, nos arredores de Atibaia, confesso que senti um frio na barriga só de ver a Pajero TR4 na nossa frente quase tombar enquanto tentava, por vários minutos, passar por um buraco. Não teria problema se isso acontecesse. Nenhum jipeiro entra em uma trilha sozinho, e os outros motoristas estão sempre a postos para indicar como ultrapassar a pedreira ou, em casos mais graves, guinchar o carro que insiste em “patinar” em meio à lama. É um trabalho de equipe, ainda que ali não exista nenhum prêmio no fim nem técnico comandando seus jogadores. A comparação a um time de futebol, aliás, é bem válida: além de defender seus carros como só um torcedor fiel é capaz, os jipeiros contam vantagem sobre as façanhas de que foram capazes – ou, ainda, gozam os colegas por não terem feito o mesmo. É igualzinho às manhãs de segunda-feira após um clássico (de preferência com goleada) nos gramados no dia anterior. E, assim como no futebol, engana-se quem pensa que enfrentar atoleiro é apenas coisa para homens. As mulheres começam timidamente, como zequinhas, mas não raro tomam gosto pela aventura e assumem o volante. Cláudia Tielas estreou nas trilhas há quatro anos, incentivada pelos amigos, por pura curiosidade. “A minha primeira sensação foi de medo, nunca tinha me visto numa situação daquelas”, contou à VT. Enquanto sacolejava na Mitsubishi L-200 que dirigia, Cláudia viciou. “Adorei, me senti a própria Mulher Maravilha conseguindo passar por todos aqueles obstáculos.”

Hoje, ela dirige uma Triton e compete na categoria turismo do rali de regularidade Mitsubishi MotorSports. “Eu brinco, mas quero mesmo é ganhar.”

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Há no estado ralis de regularidade (nos quais ganha quem cumprir o maior número de trechos na média de velocidade estabelecida) em que a família inteira pode participar da aventura. Alguns incluem gincanas que somam pontos ao carro competidor. Fazer um tapete de crochê e completar um circuito a cavalo são algumas das provas. O filho de Cláudia, Henrique, de 14 anos, foi navegador da mãe em uma etapa no ano passado. A mesma função também já foi exercida por Vinícios Poit, que começou na categoria turismo, em 2005. Ele não durou muito no posto. Logo que tirou a carteira de motorista, Vinícios trocou de lugar com o pai, hoje o navegador da dupla, que compete na categoria graduados. Os Poit também são representados na categoria turismo light, para iniciantes, na qual a mãe e a irmã mais nova de Vinícius já competiram. Ele quer participar do Rally dos Sertões no ano que vem e sonha com o Rally Dacar. “Não é pela competição, mas sim pelo programa. Fiz amigos em todo o país durante as trilhas.”

Esses laços de amizade são cultivados em encontros semanais. Nas noites de quinta-feira, por exemplo, dezenas de jipeiros reúnem-se no estacionamento do Estádio do Pacaembu para bater papo e combinar a próxima trilha. É uma ótima oportunidade de os novatos se enturmarem, pegarem dicas de direção off-road e de equipamentos para deixar a experiência na trilha mais confortável e segura. Os fóruns virtuais, como o 4×4 Brasil (www.4x4brasil.com.br), são movimentados. Parte das trilhas e expedições é combinada ali. Um dos usuários marca a data e a hora do encontro (normalmente em algum posto de gasolina já na estrada) e aparece quem quiser. Tudo muito informal e divertido.

Quem não está acostumado a usar a marcha reduzida do seu 4×4 – uma das técnicas exigidas em trilhas mais difíceis – não precisa se preocupar. Há percursos com diversos níveis de obstáculo. O próprio Mário, que reclama de uma pista lisinha, não curte o que se costuma chamar de “quebradeira”, trechos que exigem muito do carro, levando-o a uma manutenção mais constante. Como muitos jipeiros colocam nas trilhas os mesmos carros que usam na cidade, acabam privilegiando as estradas mais leves. Mesmo nessas vias, é recomendável fazer um curso de direção off-road. João Roberto de Camargo Gaiotto, autor do livro Técnica 4×4 – Guia de Condução Fora de Estrada, já ensinou mais de seis 6 mil motoristas a utilizar melhor seus jipes nos 12 anos em que dá aula Brasil afora. O próximo curso está previsto para os dias 4 e 5 de dezembro, em São Paulo (informações: 41/3085-7467, www.tecnica4x4.com). Depois de participar das aulas, não é necessário se filiar a nenhum clube ou associação para se aventurar. Basta escolher seus zequinhas e partir para as praias desertas e cachoeiras quase exclusivas. Ou, talvez, nada disso faça diferença.

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Para muitos jipeiros, o destino é o de menos. O que importa, na verdade, é o caminho que os leva até lá. Isso ficou claro na minha primeira aventura. Depois de algumas horas subindo trilhas leves na região de Atibaia, o grupo sentiu falta de mais “emoção” (traduzindo: mais lama). Fomos até uma área dentro da cidade para atolar o jipe. Afinal, voltar para casa com o carro sujo é a prova de que aquele 4×4 é de um autêntico jipeiro.

Ainda tenho de engolir muita poeira para chegar lá, mas confesso que fiquei com vontade de ter um jipe cheio de barro estacionado na porta de casa.

UM GOSTINHO DE OFF-ROAD

Se você não tem nenhum 4×4 mas faz questão de fazer trilhas com quem entende do assunto, aproveite alguns passeios próximos à capital

Ilhabela

Uma das trilhas mais famosas do estado é até a Praia de Castelhanos, aonde só se chega por mar ou 4×4. O passeio Terra e Mar junta tudo: vai de jipe e volta de barco. A aventura dura seis horas. Na Mar e Mar (Avenida Princesa Isabel, 90, 12/3896-1418, www.maremar.tur.br; Cc: A, D, M, V; Cd: todos) custa R$ 150.

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Campos do Jordão

O bacana desse passeio é que dá para experimentar a sensação de dirigir um Jeep Willys. Antes de assumir o volante, o guia da Off-Road Tour (Estrada do Horto Florestal, 3200, 12/3663-5132; desde R$ 90 por pessoa) dá as instruções e vai junto. O cliente escolhe uma entre cerca de 30 trilhas, que podem ter duração de uma hora ou o dia inteiro.

Águas de Lindóia

O guia Marquinhos (19/9742-7474) estaciona sua Ford F-75 todos os dias na Praça Adhemar de Barros. De lá partem os passeios, que podem ser leves ou bem radicais. A trilha de um dia até Bueno Brandão, a cidade das cachoeiras, por exemplo, sai por R$ 350 para até seis pessoas.

Serra Negra

Quem assume o volante é o jipeiro Guilherme (19/8156-8156). Ainda bem. Afinal, uma das trilhas mais cobiçadas passa por cafezais e fazendas da região, com paradas para degustar cachaça e licores produzidos ali. O passeio dura cerca de três horas e custa R$ 120 para até quatro pessoas.

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