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Pequeno devaneio sobre o impacto do coronavírus no turismo

Na opulenta e contraditória Dubai, descobri que o mundo estava prestes a embarcar em um longo inverno

Por Bárbara Ligero
Atualizado em 17 mar 2020, 14h38 - Publicado em 17 mar 2020, 10h36

A notícia de que a Organização Mundial da Saúde havia declarado pandemia de coronavírus chegou enquanto eu visitava o Museu das Ilusões em Dubai, uma coincidência que não poderia passar despercebida. Enquanto eu me divertia com brincadeiras de ótica e perspectiva, o mundo passava a ver o tal Covid-19 como uma ameaça global.

Os grupos do Whatsapp bombando com mensagens e links relacionados ao anúncio não condiziam com o clima tranquilo e elegante de Al Seef, um bairro inteiramente construído entre 2016 e 2017 que imita como era a Dubai do passado – um pequenino vilarejo de pescadores de pérolas do Golfo. Apesar da habilidade dos emirates na área de construção civil ser impressionante, os tapetes árabes e as casinhas cor de ocre não eram suficientes para esconder os logos de grandes marcas internacionais, como o do Starbucks e o do Dunkin’ Donuts.

Tal jogo de mostra e esconde se repetiu ao final do dia, na minha chegada ao hotel. Depois de ser recebida com sorrisos calorosos pela equipe da recepção, fui para o meu quarto, mas não consegui destrancar a porta com o cartão. A primeira suspeita foi a de que o mesmo teria desmagnetizado, então voltei ao lobby para resolver a questão. Ali, fui informada de que o hotel estava passando por problemas de manutenção e que, por isso, eu teria que mudar não só de quarto, como de hotel.

Sem entender o porquê de não terem me comunicado aquilo no momento da chegada, voltei para o quarto às pressas para fazer as malas. Só depois descobri o real motivo daquela confusão: devido aos cancelamentos e à baixa ocupação de turistas por conta do coronavírus, a rede achou que fazia mais sentido concentrar todos os seus hóspedes em um único hotel e fechar suas outras unidades.

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O hotel para onde eu seria transferida era logo ao lado – e também bem superior. O que já estava bom ficaria ainda melhor: eu iria de um quatro-estrelas de estilo contemporâneo para um palacete cinco-estrelas. Enquanto percorria o curto trajeto de uma unidade à outra, que estava cheio de dondocas preocupadas em não amassar suas roupas de balada penduradas em cabides durante a mudança, não pude deixar de ficar um pouco contente por esse inusitado upgrade.

O que me trouxe à realidade foi um carregador de malas nigeriano, que fez questão de me acompanhar até minha nova hospedagem. Com um sorriso no rosto, ele me contou que havia trabalhado durante seis anos no hotel e que, agora, iria passar “férias” em seus país natal. Perguntei quanto tempo ele ficaria fora e foi aí que entendi que a palavra “férias” não passava de eufemismo.

Com o hotel fechado por tempo indeterminado, ele havia sido dispensado de suas funções. Diante do caos causado pelo coronavírus, a perspectiva de um imigrante encontrar outro emprego na área de turismo ou de serviços é praticamente inexistente. Incapaz de se manter em uma cidade cara como Dubai, o moço não tinha outra opção a não ser voltar para casa.

As reflexões sobre os impactos que o coronavírus teria no turismo e, consequentemente, na vida das pessoas que trabalham na área, permaneceram na minha cabeça durante o café da manhã. Ao meu redor, os turistas erguiam calmamente suas xícaras de chá em um salão de estilo vitoriano – uma imagem que, como um colega jornalista sabiamente apontou, lembrava muito a cena do naufrágio do Titanic. Estavam ali os viajantes da primeira classe do navio, que foram calmamente guiados até os botes salva-vidas, ao som de violinos.

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