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Os donos da rua

Arte de rua: com três décadas de São Paulo, o grafite toma conta dos bairros, ganha reconhecimento estético e faz da cidade um polo mundial da street art

Por André Zara
Atualizado em 16 dez 2016, 00h44 - Publicado em 29 fev 2012, 13h04

Tanto quanto beber ou comer, o ser humano carrega o instinto de se expressar. Se o homem pré-histórico registrava cenas de seu dia a dia, o paulistano das ruas imprime no concreto um caldo cultural com cheiro de asfalto, ar poluído e influência do hip-hop. O grafite rompeu as veias da metrópole e espalhou seu sangue multicolorido por becos, muros e postes, elevando a cidade a uma das capitais mundiais da street art. “São Paulo está cheia de tinta. Existe liberdade e colaboração entre os artistas, algo similar ao que aconteceu em Nova York na década de 1970”, acredita o nova-iorquino Jared Levy, diretor de Graffiti Fine Art, documentário sobre a primeira bienal de grafite no MuBE, realizada em setembro de 2010.

A história dos sprays subversivos na cidade remonta às fases de protesto contra a ditadura. No fim dos anos 1970, o artista Alex Vallauri “carimbou” a capital com estêncils de estética kitsch, como a imortal Rainha do Frango Assado. Era o início da street art paulistana. Do legado de vallauri à consagração de Otávio e Gustavo Pandolfo (que assinam osgemeos), as latas de Colorgin foram cultuadas por gerações, mas viveram altos e baixos. “Já teve segurança que tomou meu spray e me pintou inteiro de azul”, conta Francisco Rodrigues, o Nunca, um dos expoentes da atual geração. “Você é um intruso quando pinta a propriedade de alguém sem ser chamado”, diz.

Criado nos bairros de Itaquera e do Cambuci, Nunca começou a pichar com os amigos na adolescência. Autodidada, evoluiu para um estilo figurativo com temática indígena e hachuras típicas de gravuras – mas, até hoje, prefere não distinguir pichação de grafite. “Com ou sem técnica, o cara tá lá porque tem necessidade de fazer aquilo”, diz. A cena que fez o grafite paulistano se fortalecer, porém, tem origem na união de artistas de formação. Na década de 1980, inspirados em um movimento concebido em Nova York, muitos deles se juntaram em coletivos e levaram uma arte mais elaborada para as ruas. As intervenções urbanas se multiplicaram e guetos ganharam raízes, como o Beco do Batman, na Vila Madalena, em 1987.

Na década de 1990, o bairro do Cambuci virou o ateliê a céu aberto de talentos como Nina, Nunca e, claro, osgemeos, que redefiniram a importância de São Paulo no grafite mundial. Na última década, a dupla conseguiu feitos como ingressar no mercado de arte de Nova York, em 2005, e intervir na fachada da badalada Tate Modern, de Londres, em 2008, ao lado de Nunca. “Os artistas daqui são muito bons”, atesta Eduardo Saretta, curador da Choque Cultural, galeria pioneira em street art.

Historicamente, o ato furtivo de desenhar em muro alheio sempre colocou autoridades e grafiteiros em lados opostos. Em 2008, um gigantesco mural d’osgemeos e amigos sob o Viaduto Jaceguai, no Centro, foi tratado como pichação e apagado pela prefeitura. Em dezembro do mesmo ano, a Associação Comercial corrigiu a gafe, investindo R$ 200 000 em um novo painel. Hoje, até o site da SPturis indica pontos para ver street art na cidade. “Mesmo quem não liga para arte passou a aceitar o grafite”, diz Nunca. “Não somos mais uns moleques fazendo qualquer coisa na parede de alguém.”

O mapa da mina

Site criado no Brasil roteiriza milhares de grafites no mundo

Criado no Brasil em fevereiro, o site Red Bull Street Art View (www.streetartview.com) tem a pretensão de ser “a maior galeria virtual de arte do mundo”. Linkada ao Street View do Google, a home permite visualizar milhares de grafites ao redor do globo, por meio de um mapa interativo. Somente nas ruas de São Paulo são cerca de 600 pontos. Além de mostrar as regiões com grande concentração de trabalhos, o Art View traz um filtro que mapeia as obras por artista. Por se tratar de um site colaborativo, todo mundo pode postar fotos, de grafiteiros a donos de muros grafitados.

DA LATA

Onde posso grafitar?

Em qualquer espaço público ou privado, desde que autorizado pelo proprietário ou órgão competente.

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Como peço autorização?

Em propriedade privada, basta um acordo verbal. Para espaços públicos da capital, nas subprefeituras. 

Grafite sob encomenda

Sediada dentro do Projeto Quixote, a agência Quixote Spray Arte (5083-0449, www.projetoquixote.org.br) é uma instituição sem fins lucrativos que realiza serviços de grafite em fachadas, paredes internas, móveis, telas e camisetas, além de promover performances ao vivo, cursos e workshops.

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