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O mito dos botequins

No Rio de Janeiro, é inquestionável que a cultura de bar seja parte do patrimônio afetivo do carioca. Já a qualidade da comida que muitos servem...

Por Constance Escobar
Atualizado em 14 dez 2016, 12h00 - Publicado em 15 set 2011, 14h09

Éramos três amigos à mesa. Todos cariocas, todos envolvidos com gastronomia. Em longa conversa, entre afinidades e divergências, num ponto específico ouvimos nossas vozes em uníssono: por que é que se decantam os bares e botequins tradicionais cariocas como se fossem o que de melhor a gastronomia da cidade tem a oferecer se o Rio é bem mais que isso? Concluímos, resignados: quem falar o contrário corre o risco de ser apedrejado. O que me fez refletir sobre quantas vezes já havia ameaçado escrever sobre o assunto, desistindo logo em seguida.

É claro que a cultura de bar do Rio de Janeiro é capítulo importante da gastronomia da cidade. Sou frequentadora e fã incondicional de vários deles. O que acho questionável é que isso seja vendido ao mundo como o que de melhor a cidade tem a dar. Questiono que, em nome disso, se cultuem certos lugares que, ainda que assumam papel inestimável na história da boemia carioca, muitas vezes estão em franca decadência ou, ao menos, já não apresentam uma cozinha digna dos elogios que continuam a receber. E que guias, jornais e revistas os perpetuem apenas em nome da tradição. Acho a tradição fundamental. Mas será que ela pode, por si só, segurar a reputação de um estabelecimento? Até pode mantê-lo vivo – em alguns casos, deve mesmo mantê-lo vivo. O que não se pode é, em nome dela, tratar certos lugares como algo que já não é mais.

O que impede, por exemplo, que se recomende o Bracarense, no Leblon, como um dos botecos mais emblemáticos da cidade, mas ressaltando que seus petiscos já não são mais os mesmos? Da mesma forma, nada impede que se louve o Nova Capela por ser um pilar da boemia carioca, mas sem glorificar seu cabrito frito com arroz de brócolis, que nada tem de especial. Quem busca boa comida talvez devesse recorrer a outros lugares, como o excelente Aconchego Carioca, na Praça da Bandeira, um dos melhores da “nova” leva de bares, prova viva de que informalidade e leveza podem conviver com uma cozinha de qualidade.

Eu diria que o patrulhamento da ala tradicionalista é bastante presente no Rio. Não só em relação a bares e botequins. Muitos estabelecimentos que há tempos já não servem boa comida continuam recebendo deferência apenas em nome da tradição. Penso que é preciso valorizar o passado e os símbolos que permeiam a cultura de uma cidade. Mas isso é diferente de eternizar mitos.

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