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O admirável mundo caipira

Gosto de suco de uva com cheiro de cachorro molhado. Qual o barato, afinal, do nosso vinho “bordô” suave?

Por Ricardo Castanho
Atualizado em 14 dez 2016, 12h06 - Publicado em 8 set 2011, 14h57

A situação beira o constrangimento, mas o dono do lugar parece convicto de que é uma etapa indispensável do passeio. E eu aceito o convite. Subo três degraus de uma escada velha de madeira, espero a remoção da tampa, e, do alto de uma caixa-d’água azul de mil litros, observo a transformação de um mosto de uvas Máximo – cruzamento da americana uva Seibel  com a Syrah – em algo que dez entre dez especialistas preferem não chamar de vinho. Na primeira cheiradinha (lá ninguém torce o nariz se você não usar a palavra buquê), um intenso aroma de suco de uva de mesa mesclado ao inconfundível toque de cachorro molhado. O sabor é de suco de uva com álcool e a acidez, além do desejável, mas levantar um debate sobre a qualidade do vinho produzido no interior paulista pode ser temeroso. Afinal, eu faço parte do padrão de gosto minoritário da bebida: mais de 80% da produção do país atende ao paladar dos fãs do  “bordô” suave.

Carlos Ferragut, outro grande personagem do meu giro pelo ramal Anhanguera-Bandeirantes do vinho, é um dos milhares de defensores do vinho de uvas americanas em solo brasileiro. Do alto de seus 78 anos, tocando o dia a dia de um parreiral dentro da área urbana de Vinhedo, ele percebeu que suas vendas já não podiam ficar restritas a esses produtos. E engarrafa, meio a contragosto, vinhos com uvas “importadas” da Serra Gaúcha feitos de Cabernet Sauvignon, Merlot, Pinot Noir e Pinotage. Quando percebo que seu Cabernet Sauvignon é pura expressão da uva, ele não titubeia: “Pra mim, madeira estraga o vinho.”

Não muito longe dali, em Jundiaí, os donos da Adega Maziero exibem orgulhosos as matérias de jornais que destacam sua bebida quase santa. Explico: o vinho rosé deles, preparado com uvas de mesa Niagara, foi escolhido por uma junta de religiosos para a missa que o papa Bento XVI realizou em 2007 no Campo de Marte, em São Paulo. Como ainda sonho em chegar ao Paraíso, prefi ro omitir minha avaliação do produto.

Por maiores que sejam as ressalvas a esse universo, não deixa de ser contagiante a alegria de produtores e  consumidores de vinhos de mesa. A visita às vinícolas do interior paulista é um exercício de humildade para enófilos. Depois de muitas palestras, cursos e degustações da bebida, acredito que, lá no começo, meu avô já tinha adiantado a grande lição: o melhor vinho do mundo é o que mais te agrada. E ponto final.

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