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Napa Valley, na Califórnia: uma uva

Com alguns dos melhores vinhos do mundo, a região de Napa Valley está conquistando o coração – e o paladar – de quem viaja pela Califórnia

Por Luciana Franchini
Atualizado em 3 jan 2023, 10h20 - Publicado em 8 nov 2012, 14h50
Vinícola em Napa Valley, Califórnia, Estados Unidos
 (creative commons/Flick/Sarah_Ackerman/Flickr)
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Discretas, sem praias, pontes, letreiros cinematográficos ou outras atrações tão californianas, Napa e as cidades vizinhas do Napa Valley, ao norte de San Francisco, são um potentado turístico: recebem 4 milhões de visitantes por ano. Um público que começou a descobrir esse belo lugar a partir de 1976, quando a região entrou na primeira divisão do vinho mundial. Uma competição em Paris da qual participavam também os antes imbatíveis vinhos da Borgonha e de Bordeaux colocou três brancos e um tinto da região entre os melhores do mundo. A repercussão foi enorme: era a primeira vez que vinhos do “Novo Mundo” superavam os do “Velho”. O chamado Julgamento de Paris geraria mais tarde livro e filme. As grandes campeãs de 1976 seguem em atividade. É o caso da Stag’s Leap Wine Cellars (que venceu à época com seu Cabernet Sauvignon) e da Château Montelena (ganhadora com um belo Chardonnay). A Montelena, aliás, não capricha apenas nos vinhos. A propriedade é ela própria um lindo passeio: a sede é um castelo de pedra com vista para o Lago Jade, santuário da região.

Olhando em perspectiva, é notável a capacidade de sobrevivência das vinícolas do Napa Valley: a região sofeu com a filoxera, praga que destrói os vinhedos, e, não bastasse isso, com a Lei Seca, entre 1920 e 1933. A produção foi retomada somente após a Segunda Guerra Mundial. O investimento em pesquisa, crescente nos anos 1960 e 1970, passou, a partir do evento de 1976, a ter uma contrapartida mais comercial e turística. Todos os charmosos restaurantes, vinícolas e wine bars que o visitante vê hoje ao longo da Highway 29, a estrada que liga Napa a Yountville e, mais ao norte, a Calistoga e Santa Helelna, surgiram a partir do sucesso no Julgamento. Um destino turístico assim se formou.

A Califórnia responde por 90% do vinho americano – se fosse um país, seria o quarto produtor mundial, atrás apenas de França, Itália e Espanha. Mas Napa e a vizinha Sonoma não participam tanto desses big figures. A contribuição, pode-se dizer, é mais qualitativa. Muitas uvas diferentes são produzidas na região. Há ali cabernet fanc, sangiovese, sauvignon blanc, syrah, zinfandel (esta considerada patrimônio nacional), chardonnay e outras (leia mais sobre as características do vinho de Napa no Guia VT de Napa Valley, na última página desta reportagem). São feitas ainda recombinações, e o resultado às vezes confunde os produtores, que precisam então recorrer a análises de DNA das plantas. Curiosamente, Napa não é retratada em Sideways, filme que deu força, ainda que involuntária, aos produtores californianos. Oscar de roteiro adaptado de 2004, o filme mostra dois sujeitos entrados em anos visitando vinícolas e tecendo loas aos pinot noirs da região de Santa Barbara, ao sul de Napa.

A viagem de San Francisco a Napa dura cerca de 1h30, e você pode de quebra curtir a Golden Gate. Passada a ponte, o azul do Pacífico vai ficando para trás e uma imensidão de parreiras começa a dominar a paisagem. Ao chegar ao Napa Valley, o cenário é marcado pelas Montanhas Mayacamas, a oeste, e outra cordilheira, a Vaga, a leste. A combinação de clima, relevo, solo e a umidade que vem do Pacífico fazem da região uma das mais estimulantes para a produção vinícola.

Não é fácil escolher entre os mais de 250 estabelecimentos que se agrupam em torno da Highway 29. Há atrações para alguns bons fins de semana de degustação. Nas vinícolas, os funcionários capricham para proporcionar momentos memoráveis. No verão, época da colheita, a visão das parreiras carregadas torna o ambiente mágico para os apreciadores. Um boa apresentação ao local é o Trem do Vinho, cujos vagões, de 1910, foram especialmente reformados para os passeios enogastronômicos. A comida servida a bordo tem requinte gourmet, cortesia do chef Kelly Macdonald, que se anuncia como alguém que faz o “simples ficar maravilhoso”. O trem parte da estação central de Napa e, durante três horas, segue por Yountville, Oakville, Rutherford e Santa Helena. Em um de seus vagões há um tasting bar onde, por US$ 10, você pode experimentar até 40 vinhos.

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Já aclimatado à região, prepare-se para voos mais altos. Esses podem, inclusive, ser literais: há um bonito e regular passeio de balão sobre os vinhedos. Além disso, todas as vinícolas têm seus próprios tours de degustação, e, para se diferenciar, agregam pequenos caprichos. O da Domaine Chandon, a famosa marca fancesa de champanhe que também produz vinho em Napa, inclui um carro de luxo no transporte do viajante e uma refeição no que é considerado o melhor restaurante de vinícola do Napa Valley, o Etoile. Mas, se é para buscar a excelência, vá ao restaurante The French Laundry, em Yountville, três estrelas no Guia Michelin do cultuado chef Thomas Keller. A casa não fica no interior de uma vinícola, mas ainda assim serve uma das melhores experiências culinárias da região. Lembre-se de reservar com antecedência. Para quebrar a rotina bacante, dá para dedicar algumas horas às compras (pode até não parecer, mas em Napa você está nos Estados Unidos). Um lugar bacana para a atividade é o V Marketplace, em Yountville, com butiques e galerias.

O cineasta Francis Ford Coppola, diretor de O Poderoso Chefão e Apocalypse Now, tem também uma bem-sucedida carreira no mundo do vinho. Ele é dono de uma vinícola em Santa Helena, no Napa Valley, e de outra em Geyserville, no Sonoma Valley. A de Santa Helena é uma casa centenária, a Inglenook, que ele adquiriu em 1975 e renomeou como Niebaum-Coppola Estate Winery (Niebaum é o sobrenome do antigo fundador). Em 1994, ao arrematar mais uma parte da propriedade, levou também o castelo que dá charme ao lugar. Fui recebida na Niebaum-Coppola pelo “subchefão” do lugar, Harold Francis, Ele me levou a uma adega de pedra, muito escura, que disse ficar “fechada a sete chaves”. Ali há vinhos veneráveis, alguns produzidos no final do século 19. Mas é claro que íamos nos deter na produção contemporânea. Ouvia-se uma suave música clássica nas caixas acústicas quando a sessão começou. Sobre a mesa redonda, além dos cálices e copos d’água, porções de queijo. Depois Harold me conduziu a uma cave na qual 4 mil barris de carvalho ocupam o que seria um antigo túnel ferroviário. O lugar, lúgubre, é perfeito para o vinho descansar sem muita evaporação. Essa é uma das fases mais importantes do processo. O oxigênio, que passa pela madeira, faz com que o líquido entre em uma fase de transformação, desenvolvendo aroma, sabor e cor.

Nem tudo é vinho na propriedade. O museu dedicado à filmografia do diretor é um dos espaços favoritos dos visitantes. Ali ficam a coleção de filmes, memorabilia, troféus, o automóvel original de Tucker: Um Homem e Seu Sonho. Um gostoso passeio que, ao fim, mereceu de Harold palavras que soaram quase sinceras. “O vinho dos Coppola é feito com o coração.”

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Em minhas andanças, encontrei pessoas que não teriam dificuldade em aceitar fases como aquela como a expressão mais lapidar da verdade, a despeito de quão marqueteiras pudessem ser. O advogado brasileiro Carlos Alberto Pedroso, por exemplo, que visitava a região pela primeira vez, viu em Napa “um pedaço da França na Califórnia”.

Talvez seja essa mais uma das muitas virtudes do vinho, quer produzido em Napa, quer em Bordeaux ou Petrolina: ele ajuda a fazer com que consigamos mandar nosso espírito crítico descansar um pouco

Californication

Resultado de testes cegos com 16 mil rótulos de 12 países, o Top 100 2011 da revista Wine Spectator listou seis vinhos de Napa Valley, incluindo o vice-campeão, o cabernet sauvignon 2008 da vinícola Kathryn Hall. Como comparação, a lista trouxe apenas três Brunello e dois Bordeaux, dogmas da vinicultura europeia. “Os californianos são excepcionais. Surgiram como imitação dos franceses, mas adquiriram sotaque próprio, são menos secos”, diz Manoel Beato, sommelier do grupo Fasano. Franceses e italianos podem ser mais complexos, mas levam mais tempo para amadurecer, enquanto os prodígios de Napa chegam boníssimos às prateleiras antes de custar os tubos. Entre os de bom custo/benefício, Beato recomenda os da De Loach. Entre os top de linha há os Dominus, dos mesmos donos do Chateaux Petrus, e o emblemático Opus One. 

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