Além do conhecido caos da capital, das cores fortes e dos sabores ardidos, há um México colonial, cheio de tesouros históricos, pátios gostosos, pracinhas e belas fachadas. A seguir, uma ronda por oito encantadoras cidades representantes desse patrimônio retrô.
Cidade do México: Frida Kahlo, pirâmides e caveiras
O México é uma nação de cores gritantes, de sabores ardidos, de personalidade forte. Combina, em quantidades iguais, boas doses de malandragem e doçura. E mistura com maestria história, cultura e caos.
Capital e principal porta de entrada do país, a Cidade do México é um resumo de tudo isso. Por trás do mar de gente que toma conta das ruas do Centro se escondem belas fachadas que começaram a ser erguidas ainda no século 16, logo após a chegada dos espanhóis. Apenas seu epicentro, o Zócalo, oficialmente conhecido como Plaza de la Constitución, reúne programa para mais de um dia.
Ficam lá a Catedral Metropolitana, dona de uma imponente fachada de mais de 100 metros de largura, bem ao lado das ruínas do Templo Mayor, erguido pelos astecas, que chegou a pertencer a Montezuma, o imperador derrotado pelo conquistador Hernán Cortés. Em outra lateral, junto a fachadas de edifícios do governo, está o Palácio Nacional, sede da Presidência e onde o muralista Diego Rivera, marido de Frida Kahlo, pintou os famosos murais nacionalistas entre os anos 30 e 40.
Para ver todos esses séculos de história do alto, vale subir até o terraço do templo El Mayor, no topo do edifício que abriga a tradicional livraria Porrúa, e cacifar uma mesinha na varanda para passar a tarde sem pressa entre um gole e outro de Pacifico, Victoria ou Bohemia Clara, três das melhores cervejas locais.
As ruelas estreitas nos arredores da praça principal também revelam belos segredos, caso do Centro Cultural de España e do Antiguo Colegio de San Ildefonso, construções históricas que costumam receber ótimas exposições de fotografa e arte contemporânea. Dali, uma pequena corrida de metrô leva em poucos minutos a outro grande highlight da cidade: o Museo Nacional de Antropología, nos arredores do Bosque de Chapultepec. Ali se narra, de maneira didática e brilhante, toda a história do país por meio de artefatos das civilizações pré-colombianas que dominaram a Mesoamérica.
Cumprir a lista dos programas incontornáveis da imensa metrópole que é a casa de 20 milhões de pessoas é algo para pelo menos quatro ou cinco dias. Só assim é possível ir de bar em bar na região do distrito de Condesa e eleger os melhores tacos para voltar e comer de novo; dar-se ao luxo de jantar em pelo menos um dos badalados restaurantes do bairro Polanco, cujos chefs (nomes como Enrique Olivera, Bruno Oteiza e Mikel Alonso) se incumbiram de escrever recentemente o nome do país nas grandes bíblias gastronômicas mundiais.
No bairro de Coyoacán fica a famosa Casa de Frida Kahlo, hoje um dos melhores museus mexicanos. Conhecida como La Casa Azul, ela abriga centenas de objetos pessoais da artista plástica que hoje é um ícone mundial da luta feminista.
Com vagar, dá para descobrir também as joias que estão nos arredores da capital. Nesta seara entram o distrito de Xochimilco, ao sul, onde os canais são singrados por coloridos e espalhafatosos barquinhos kitsch de madeira todos os fins de semana, ao som de mariachis.
Por ali está também o Museo Dolores Olmedo Patiño, mecenas e amante de Diego Rivera. Mais do que pelo acervo, a mansão merece destaque pelo jardim, onde circulam livremente majestosos pavões. Todo ano é erguido ali um imenso altar temático em comemoração ao Dia dos Mortos, que fca em exposição desde a data ofcial, em novembro, até as vésperas do Natal. Os protagonistas, claro, são as famosas calaveras. Ou não estaríamos no México.
A nordeste, distante cerca de 50 quilômetros do Centro da capital, está Teotihuacán, considerada a primeira grande cidade das Américas – chegou a ter 50 mil habitantes em seus tempos de glória, muito antes do surgimento da civilização asteca. Hoje suas maiores atrações são as famosas, imensas pirâmides do Sol e da Lua.
San Miguel de Allende: mariachis, Starbucks e ceviches
Sábado, 2h da tarde, sol a pino em El Jardín, a praça principal da pequenina cidade colonial de San Miguel de Allende, exatos 276 quilômetros ao norte da Cidade do México. Uma caminhonete de cabine dupla estaciona em fente à igreja. Primeiro desce um sujeito de chapelão e sapato de pele de cobra e bico fino. O pai da noiva. Em seguida desce a própria, vestida como um bombom, braços dados com o noivo. Um cortejo uniformizado de mariachis segue o casal até a porta da Paroquia de San Miguel Arcángel, entoando os versos de um clássico de José Alfedo Jiménez, um dos mais famosos mariachis de todos os tempos:
“Si nos dejan, nos vamos a querer toda la vida
Si nos dejan, nos vamos a vivir um mundo neuvo
Yo creo podemos ver el nuevo amanecer de un nuevo dia
Yo pienso que tu y yo podemos ser felices todavia
Si nos dejan, buscamos un rincón cerca del cielo
Si nos dejan, haremos con las nubes terciopelo
Y ahí, juntitos los dos, cerquita de Dios sera lo que soñamos
Si nos dejan, te llevo de la mano corazón y alli nos vamos!”
Ao redor, índias vendem bonecas feitas a mão, um ambulante desfila enfeitado com dezenas de balões de gás hélio e gringos… bebericam cappuccino no Starbucks na esquina. Não, nem mesmo esse símbolo dos Estados Unidos erguido no coração de uma das mais encantadoras pracinhas mexicanas diminui a magia daquele momento.
San Miguel de Allende tem cerca de 70 mil habitantes e um centro histórico que é uma coleção de fachadas de cores fortes, as quais exibem lindas portas e fondosos terraços ao longo de suas ruelas e becos calçados de pedras. Nos últimos anos, caiu nas graças dos forasteiros e se tornou a casa de artistas, chefs e gente que sabe das coisas.
É o caso do casal americano Heidi e Bill LeVasseur, que transformou sua coleção particular de artesanato e máscaras folclóricas de todo o México em um interessante museu, o Another Face of Mexico, com mais de 500 peças em exposição. Ou da peruana Alexandra Gutt, chef do restaurante La Parada, que prepara os melhores ceviches das redondezas – pode ser de camarão, de polvo com molho de azeitonas negras, de peixe branco com manga e coco queimado.
Guanajuato: casarões, callejoneadas e múmias
Guanajuato, outra graciosa cidade colonial e capital do estado de mesmo nome, fica a menos de uma hora de carro de San Miguel de Allende. Um dos mais importantes centros da época da colonização espanhola, floresceu com a descoberta de enormes jazidas de prata e metais preciosos nos seus arredores.
Hoje a terra natal do quase onipresente Diego Rivera (sua casa ali abriga outro bom museu mexicano) é uma simpática cidade universitária com cerca de 70 mil habitantes, dona de imponentes casarões barrocos e neoclássicos erguidos pelos grandes barões no passado.
Há quem a visite por suas lindas igrejas, como o Templo de San Diego e a Basílica de Nuestra Señora de Guanajuato, de fachada amarela e cúpula ocre, do século 18. Há quem se encante com suas singelas pracinhas e mercados. Ou, ainda, com as callejoneadas, tradicionais cantorias protagonizadas pelos estudantes nas ruas da cidade.
E há quem, curiosamente, ache graça mesmo é nas surreais “momias de Guanajuato”. A excentricidade merece o parêntese: descobriu-se, em um passado não muito distante, que as características do solo e do clima da região fazem com que os corpos enterrados se mumifiquem naturalmente. Não demorou até que alguma mente criativa sugerisse desenterrar dezenas deles e colocar em exposição… ao lado do cemitério, claro.
Daí que um guia gago, manco e sósia dos personagens da Família Addams caiu como uma cereja no bolo do nosso passeio pela cidade.
Cholula: milho azul, grilos e o vulcão Popocatépetl
A massa de milho, de cor cinza-chumbo, é distribuída com destreza na chapa quente até formar bolhas e então dourar. Na sequência, recebe generosas porções de queijo desfiado e flores de abobrinha. Depois, colheradas igualmente pródigas de molho de chile verde e vermelho e, ¡arriba!, aterrissa na mesa de plástico florido a mais famosa iguaria do centro-sul do México. O cinza da massa, explica a cozinheira centenária, se deve à variedade do milho – no caso, azul.
Ao redor, grilos fritos crocantes (os chapulines), frangos depenados, cabeças de porco, refrigerantes fluorescentes e corredores recheados de pimentas – secas, desidratadas, frescas, coloridas. O Mercado de Cholula é uma festa. Fica no coração da cidadezinha que, cerca de 70 quilômetros a leste da Cidade do México, se espalha aos pés do vulcão Popocatépetl, o segundo mais alto do país, com exatos 5 452 metros de altitude – e que está em atividade.
Puebla: campanários coloridos, pátios e mole poblano
Popocatépetl é um belo cartão de visita da região que tem como protagonistas cidades como a vizinha Puebla e, 350 quilômetros adiante, Oaxaca, dois dos mais famosos centros gastronômicos mexicanos. No caso, aqui, entre grilos e frangos, na versão “a vida como ela é”.
Fundada pelos espanhóis no século 16, Puebla mantém seu jeitinho interiorano a despeito de ser a casa de 1,5 milhão de pessoas. Seu gracioso centro histórico soma mais de 70 igrejas, entre elas a Catedral, na praça principal, e o Templo de Santo Domingo, do século 17, todo recheado de ouro.
É do topo de um edifício de linhas futuristas que melhor se vê a sucessão de campanários coloridos. Mas a vista do café moderninho na cobertura do Museo Amparo é só um aperitivo – ou o grand finale – de uma visita que inclui passeios por um acervo de bonitas peças de arte sacra, objetos pré-hispânicos e gostosos pátios.
Sua localização é também estratégica do ponto de vista gastronômico: fica a meio caminho entre as delícias que cercam a praça principal, onde restaurantes servem o mais famoso prato local, chamado mole poblano (um molho denso e cremoso à base de chocolate e pimentas que acompanha carnes), e o Mercado El Carmen, onde as estrelas das barraquinhas são as cemitas – um sanduíche de bife à milanesa crocante com abacate, queijo e papalo, erva bastante usada na culinária mexicana.
Oaxaca: Escolas de culinária e juego de pelota
Mais distante está Oaxaca, a cidade eleita pelos estrangeiros do mundo inteiro em busca de férias gourmet. Por trás das fachadas de cores vibrantes de seu belo casario se escondem, além de lojinhas que vendem o mais bonito artesanato da região, escolas de culinária e algumas das cozinhas mais reverenciadas do país, onde tacos e quesadillas cedem espaço a receitas mais elaboradas, que não raro demoram horas ou dias para ser preparadas.
Se nas ruas o cheiro é de milho cozido com pimenta, tlayudas (tortilhas crocantes) ou champurrados (uma bebida de milho com chocolate), do lado de dentro dos restaurantes se comem delícias como pimientos recheados de queijo cremoso, leitão com capa crocante e carnes com os mais variados moles – Oaxaca é famosa por ser a terra dos sete moles, molhos que são a base da gastronomia local.
Aqui os mercados têm um atrativo a mais: o chocolate artesanal feito na região, misturado com altas doses de especiarias. No intervalo entre uma refeição e outra, a melhor ideia é queimar as calorias nas imperdíveis ruínas de Monte Alban, antiga capital zapoteca que viveu seu auge entre os séculos 4 e 7, localizadas a poucos minutos do Centro. Ali é possível ver de perto um campo do juego de pelota, construído no ano 100 a.C., em que os zapotecas batiam uma bolinha.
Mérida e além: cenotes, casinhas amarelas… e Caribe
Mas os sítios arqueológicos mais famosos do país estão reservados para a península de Yucatán, terra dos maias, a sudeste. Fundada nas primeiras décadas da colonização espanhola, Mérida é a capital cultural da região e uma ótima base para explorar as ruínas.
Na cidade de fachadas em tons pastel e ares europeus, tudo o que interessa está concentrado nos arredores da Plaza Grande. Ficam ali o Palacio de Gobierno, do século 19, a Catedral de San Ildefonso, erguida no século 16 com as pedras do antigo templo maia que existia no local, e a Casa de Montejo, que abrigou até poucas décadas atrás a família do conquistador Francisco de Montejo, o qual fundou colônias espanholas por ali.
Dali, pouco mais de 80 quilômetros levam até Uxmal, considerado um dos mais importantes sítios arqueológicos maias pela riqueza de detalhes da ornamentação de suas construções. Um pouquinho mais distante, a 120 quilômetros, fica Chichén Itzá, um dos sítios mais visitados do México – é onde, a cada equinócio de primavera e de outono, a incidência do sol provoca um jogo de luzes que faz parecer a sombra de uma serpente em movimento pela escadaria de sua pirâmide principal. E tem ainda Cobá, a 222 quilômetros, imersa no meio de uma densa floresta.
Há ainda outros tesouros nos arredores. São cenotes (rios subterrâneos), haciendas históricas (as antigas fazendas que produziam o sisal, base da economia durante os tempos coloniais, hoje transformadas em belos hotéis) e cidadezinhas cheias de charme que parecem ter parado no tempo.
Izamal, a apenas 70 quilômetros de Mérida, é uma delas. Joia de pouco mais de 15 mil habitantes, é toda pintada de amarelo. Casa, templo, igrejas, arcadas… tudo é da cor do Sol. O tempo parece passar mais devagar naquelas ruelas de pedra percorridas por charretes enfeitadas de flores.
O melhor de tudo? Esta nem é a Yucatán dos guias de viagem e dos pacotes mais turísticos. Querendo, o Caribe está logo ali, a poucas horas de distância, com Cancún, Playa del Carmen e blockbusters equivalentes.
Matéria publicada na edição 224 da Viagem e Turismo – Junho de 2014