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Amazônia: o melhor do arquipélago de Anavilhanas

Nadar em rio que parece mar, pescar piranhas, ouvir histórias de índios e dormir em um hotel de selva que é pura mordomia. Importante: sem mosquitos

Por Peter Rosenwald
Atualizado em 14 jul 2021, 13h29 - Publicado em 6 fev 2013, 00h00

A Amazônia marca. A frase soa como um slogan batido, mas cabe como uma luva. Imagine a experiência de caminhar pela floresta tropical, pescar piranhas, nadar em rio sem mosquitos, remar uma canoa sobre ilhas submersas e ficar pertinho da copa das árvores, aprender a sabedoria da selva com um índio e deixar- se levar pelo fluxo da vida. Imagine ver tudo isso e ainda ficar hospedado em um lodge no meio da selva, e com mordomias. É uma viagem tão intensa e completa que, ao menos por um tempo, todo o resto parece trivial.

A Floresta Amazônica se estende por 5,5 milhões de quilômetros quadrados, sendo que 60% estão em território brasileiro e o restante espalhado pelos países em que se estende a bacia do Rio Amazonas, o segundo maior do mundo depois do Nilo. Estima-se que a região seja habitada há 10 mil anos, mas, dependendo da evidência científica que você busque – e do teórico por trás dela –, esse período pode chegar a 50 mil anos. Ainda largamente inexplorada, hoje é possível conhecê-la sem passar pelas adversidades de há pouco mais de uma década, que pareciam provações.

O ponto de partida da viagem que fiz com Daniela, minha namorada, foi Manaus, a capital do estado do Amazonas, situada na confluência dos rios Negro e Solimões. Frenética, a cidade em nada lembra a sonolenta capital que no século 19 era dominada pelos barões da borracha, uma gente que tinha como hábito beber apenas água mineral importada da Inglaterra e mandar lavar e engomar roupas em Lisboa ou Paris. Assistir a uma apresentação da Orquestra Amazonas Filarmônica no impecável Teatro Amazonas, legado daquela época, é muito recomendável (se não der, faça ao menos um tour guiado, de segunda a sábado), e não deixe de provar a costela de tambaqui no agradável restaurante Banzeiro.

Alguns visitantes se contentam em usar Manaus como base e fazer incursões diárias pelos rios próximos, mas há a experiência, mais completa, de se hospedar em um hotel de selva. Escolhemos o Anavilhanas Jungle Lodge, que fica a 180 quilômetros a noroeste de Manaus, à montante do Rio Negro. Embora de início eu imaginasse que o acesso aos hotéis de selva se desse sempre por rio, a viagem até Anavilhanas foi de van (no pacote, além do traslado, estão incluídas as refeições e todos os passeios). O trajeto foi tranquilo, durou 2h30 e nos levou literalmente até o fim da estrada – pavimentada, bom que se diga –, na cidade de Novo Airão. Dali seguimos por mais alguns quilômetros em estrada de terra margeando a floresta.

O lodge está localizado dentro do Parque Nacional de Anavilhanas, uma área quase do tamanho da Suíça e que contém mais de 400 ilhas, o que faz dele o segundo maior arquipélago fluvial do mundo (só perde para Muriuá, que pertence a Barcelos, também no Amazonas, com 1 200 ilhas. Inaugurado em 2007, o hotel é a concretização do sonho do casal de paulistas Augusto Costa Filho e Fabiana Caricati. “Queríamos fazer algo que fosse ecologicamente sustentável e socialmente responsável”, contou Augusto, o Guto. Ele trabalhou como economista e viajou muito pela Amazônia. Um dia cansou da vida corporativa e resolveu abrir seu lodge na floresta.

Na chegada, junto com um coquetel de frutas de boas-vindas, recebemos um impresso que continha as atividades que nos esperavam nos próximos quatro dias. Também recebemos a excelente notícia de que a área é livre de mosquitos, graças à acidez da água do Negro, que impede que as larvas se desenvolvam.

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O lodge tem estrutura para receber até 40 hóspedes por vez. As acomodações são de dois tipos: os chalés, apenas oito, têm dois apartamentos independentes, e há ainda mais quatro bangalôs com paredes de vidro, na parte alta do terreno, que dão ao hóspede a sensação de estar dentro na mata. Todas as refeições são servidas em bufê – variado, mas não memorável. De excepcional, só mesmo a área onde são colocadas as mesas, cercada pela floresta tropical. Até a piscina construída de frente para o Negro, um providencial refúgio contra o calor e a umidade da selva, harmoniza com a natureza.

Logo após um almoço, fomos apresentados ao nosso guia, o Leandro, e a dois casais de noruegueses que moram no Rio e que seriam nossos companheiros de passeio pelos próximos quatro dias. Um dos casais tinha dois filhos pequenos e o outro um filho. O lodge procura montar grupos de até dez pessoas para os passeios e, se possível, a configuração permanece a mesma até o fim da estada. A primeira atividade foi uma caminhada de três horas sobre o chão fofo da floresta. Leandro, de origem indígena e com inglês fluente – na infância ele morou na Guiana Inglesa –, ensinou-nos como construir um abrigo com folhas de palmeira em apenas cinco minutos e mostrou como o látex é extraído das seringueiras. Para a criançada, o momento mágico foi quando ele as ensinou a balançar em cipós feito Tarzan.

O entusiasmo das crianças era contagiante, e Leandro deu atenção especial a elas, que o sabatinavam o tempo todo. Filho de um cacique, teve de passar por ritos duríssimos para deixar a infância, como colocar a mão sobre um formigueiro e dentro de uma luva de palha cheia de abelhas. Infância muito diferente da daqueles pequenos noruegueses, pensei. Ao contrário de algumas hospedagens de selva que contratam guias externos, o Anavilhanas emprega apenas nativos, cujos conhecimentos profundos, amor e respeito pela região podem enriquecer bem a experiência do visitante.

Às 8h30 da manhã seguinte, subimos em pequenas canoas para a primeira atividade do dia, dessa vez para explorar a superfície das ilhas que ficam submersas cerca de 12 metros durante a estação chuvosa, que vai de dezembro a maio. Apenas as copas das árvores ficam visíveis. À medida em que as canoas deslizam, perde-se o senso de profundidade: o reflexo dos troncos na água torna quase impossível dizer o que está acima da água e o que está submerso. Leandro e um timoneiro conduziam o grupo. Os olhos treinados do nosso guia apontavam para a grande variedade de pássaros. Durante a estação seca, nos foi dito, as ilhas reaparecem e viram praias para descanso dos jacarés.

A cada manhã e cada tarde surgiam novas aventuras, como alimentar botos cor-de-rosa, visitar uma aldeia indígena onde as crianças vão para a escola de barco, pescar piranhas (e, obedecendo às regras, devolvê-las ao rio ato contínuo), nadar no rio, experimentar aquela sensação de estar em comunhão com o universo. Em uma das noites, fomos de barco procurar animais de hábitos noturnos, com o nosso guia usando uma potente lanterna. Leandro então nos guiou até um igapó onde havia um filhote de jacaré, depois apontou seu holofote sobre uma tarântula gigante, levou-nos perto de uma cobra coral enrolada em um galho e mostrou as preguiças no alto de árvores.

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O preço do pacote do lodge não é exatamente barato, mas, considerando que tudo o que chega ali, dos alimentos ao combustível, precisa vir desde Manaus, considero esse um investimento à prova de arrependimento. Sem falar do conforto das instalações e da recepção extraordinária que tivemos.

Cedinho, no nosso último dia em Anavilhanas, bem antes do café da manhã, fomos levados de barco para ver o Sol nascer majestosamente sobre o rio. Foi um desfecho impressionante para uma experiência que, com o perdão do clichê, marca.

Longe dos lodges, a vida pulsa

As aves faziam algazarra quando desembarquei em Tumbira, na Reserva Florestal do Rio Negro, a duas horas de barco a partir de Manaus, pertinho das Anavilhanas. Os dias que passei lá foram puro encantamento. Provei tapioca com tucumã, nadei no Rio Negro, acompanhei a produção de farinha. Passeei de barco pelos igarapés durante o dia para olhar as árvores cobertas de água e, durante à noite, para avistar jacarés. Acariciei botos cor-de-rosa, brinquei com as crianças na quadra de futebol e dei risada no bar. Tomei banho frio, dormi antes das 10 da noite, quando o gerador desligou, e acordei cedinho para apreciar um nascer do sol de cores e formatos que divertiam a mente. Tumbira é uma das comunidades ribeirinhas cujo sustento vinha da extração ilegal de madeira, mas agora vem do dinheiro do Bolsa Floresta e do incipiente turismo receptivo. A Fundação Amazônia Sustentável (FAS) ajuda na capacitação dos moradores. Na simplérrima Pousada Garrido (92/9146-4667; diárias a R$ 40), fui feliz. Cada passeio custa em média R$ 20. Do Porto de São Raimundo, em Manaus, pegue o barco para Novo Airão às 15 horas (exceto quinta e domingo) e peça para descer em Tumbira.

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