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Lima, mucho gusto!

A capital do Peru, Lima, virou um fenômeno da gastronomia mundial com chefs influentes, pratos premiados e sabores exóticos

Por Tamara Serantes
Atualizado em 16 dez 2016, 09h17 - Publicado em 8 set 2011, 12h45

A senhora Doraliza García, perfilada ao lado de outros donos de restaurante, não escondia a ansiedade enquanto esperava o resultado do Primer Festival del Cebiche de Lima. Eram 30 restaurantes disputando um prêmio que já chegava atrasado. Há muitos anos, o cebiche, aportuguesado com o nome de ceviche, é símbolo da culinária limense. A falta de um ranking oficial, no entanto, fazia com que todos os restaurantes se gabassem de servir o melhor ceviche da cidade. Daí o Festival. Dona Doraliza, com uma medalha da Santa Rosa de Lima entre os dedos, viu a tensão da cerimônia se dissipar ao mesmo tempo que todos os olhares se voltavam para ela. Seu restaurante, El Faike Piurano, havia tirado o primeiro lugar. “Eu só faço as coisas como acho que devem ser feita”, diz a sóbria dona Doraliza. “Uso ingredientes sempre frescos e alguns segredos que descobri com os anos. ” Essa parece ser o epítome da gastronomia peruana. Fruto de 5 mil anos de história, a cozinha desse país nasceu nas panelas dos incas, passou pelos assentamentos dos colonos espanhóis e sofisticou-se na bicentenária fase republicana. Para o chef-celebridade Alex Atala, que acaba de voltar de um período de intercâmbio em Lima, o Peru é a mais grata surpresa da memória recente. “Eles têm ingredientes de qualidade, um mosaico cultural interessante, muita história e um grande incentivo do governo”, diz Atala. “Tudo isso colocou o Peru definitivamente no cenário mundial da gastronomia. ” A lendária revista Bom Appétit também não refreia os adjetivos para apontar Lima como o mais interessante polo gastronômico da América Latina: “O Peru é abençoado com uma quantidade quase absurda de recursos naturais, dos ótimos frutos do mar do Pacífico aos vegetais dos Andes gelados até a abundância de ervas e peixes da selva amazônica. Mais importante, o Peru está em meio a um despertar nacional sobre as maravilhas da própria cozinha”.

Mas, afinal de contas, o que é um ceviche? Na zona costeira do bairro de Miraflores fica a Avenida La Mar. É onde se servem os melhores ceviches do mundo. Entrei no restaurante Pescados Capitales. O restaurante tem um clima de bistrô na praia com mesas de madeira no deque e garçons com blusa azul de tom chamativo. Fico espiando pelo vidro da cozinha. Delicadamente, a cozinheira corta as fatias de peixe e as mistura com suco de limão, acrescenta sal, alho, cebola-roxa e pimenta, e deixa tudo marinando. E só. Minutos depois, lá estava eu comendo ceviche e bebendo Inca Kola, o refrigerante nacional de cor amarela e gosto de tutti-frutti com guaraná. Meu ceviche era o de linguado, um clássico, mas há grande variedade de combinações: com polvo, lula, atum etc. A guarnição para o peixe geralmente é de milho e batata-doce cozidos. A textura da carne não é a mesma daquela servida nos restaurantes japoneses. Apesar de não ir ao fogo, o peixe é cozido pela acidez do limão. Foi uma refeição tão leve que até pedi leche de tigre, o caldo do ceviche batido com ají (uma pimenta local), vodca, vinho branco ou pisco, um destilado de uva. Dizem que é uma mistura afrodisíaca.

Ou talvez os peruanos é que sejam um povo romântico. Ainda no bairro de Miraflores, há um longo bulevar no trecho da Avenida Diagonal que leva até a Plaza John Kennedy. Casais apaixonados ocupavam os banquinhos na estrada enfeitada de canteiros a fazer o que está descrito no nome do bairro: olhar as flores. Era um fim de semana, e ao anoitecer a praça fervilhava em música ao vivo e leitura de poemas. Barracas vendiam choclo peruano (um tipo de milho muito saboroso), pipoca e chicha morada (a bebida não alcoólica à base de milho roxo). O calor só fazia aumentar com a execução da salsa em praça pública. Só não dancei porque não consegui um par. Ou porque não havia tomado leche de tigre suficiente.

No dia seguinte, resolvi visitar o restaurante Astrid y Gastón, um dos melhores da cidade, onde só se senta quem reserva com muuuita antecedência. O restaurante de 120 lugares é adepto da nova cozinha andina – que mescla técnicas de preparo da alta gastronomia com ingredientes tradicionais, como batata, milho, pimentas da região e variados tipos de peixe. “Em Lima, ocorre uma coisa incrível: os melhores restaurantes da cidade não são os franceses nem os italianos. São os de comida peruana”, diz o chef Gastón Acurio. Acurio é um dos maiores defensores da nova cozinha andina. Desde 2005 na cúpula gastronômica do Madrid Fusión (um evento gastronômico que reúne os melhores chefs do mundo), ele recebe atenção especial por seus pratos de inclinação tradicionalista. O otimismo é tanto que até a escola francesa de culinária Le Cordon Bleu abriu uma filial em Lima, a única na América do Sul.

Outro bairro característico de Lima é San Isidro, chique com seus prédios novos e hotéis de luxo. O bairro, apesar da queda pelo moderno, abriga um dos sítios arqueológicos mais famosos do Peru. O caminho até o sítio de Huallamarca, construído em 200 d.C., é todo adornado com oliveiras. Como a hora do almoço se aproximava, tratei de pensar no que comeria em San Isidro. A guia que me acompanhava indicou o restaurante Malabar, famoso por seus drinques de frutas amazônicas com pisco e pelos frutos do mar. O lounge do Malabar estava lotado de jovens executivos virando bebidas – sim, na hora do almoço. Descobri que a brincadeira era escolher um drinque e tentar adivinhar os ingredientes. Pedi o Malabar punch, que vinha com lichia, framboesa e jabuticaba misturados ao pisco, uma combinação curiosa e refrescante. Não que fossem frutas exóticas, mas misturadas num copo era impossível distinguir uma das outras.

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O terceiro bairro de Lima que conheci foi Barranco, lar de casas de veraneio do tempo colonial. Ali rola a peña, ritmo criollo muito dançado nos bailes da cidade, tão querida pelos peruanos quanto o samba pelos brasileiros. Jovens, gringos e intelectuais se reúnem nos barzinhos ao redor da Plaza Municipal. Lembra um pouco o burburinho da Lapa, no Rio de Janeiro, e da Vila Madalena, em São Paulo. As festas mais famosas são as do Rústica Costa Verde, com pistas de dança lotadas, e as da Peña del Carajo (que, em espanhol, quer dizer exatamente isso), que com apenas dez anos de tradição já foi eleita a melhor da cidade.

De volta ao centro histórico, onde ocorreu o Festival de Ceviche, as ruas se estreitam e em alguns pontos os carros não transitam. O cenário é coalhado de lojas de bugigangas chinesas e restaurantes em conta. Em frente à Catedral da Sé de Lima, um cheiro me parece familiar… Churrasco? Sim, mas se chama anticucho e é feito de carne de alpaca, um tipo de camelo andino, primo do lhama. Pago 1 nuevo sol (menos de R$ 0,50). Tem gosto de carne de boi. Para almoçar, escolho outra vedete da cozinha local: a comida chifa, uma mistura dos menus chinês e peruano. O restaurante Wa Lok é um dos mais tradicionais. A comida vem em grande quantidade: lombo saltado com gengibre e bisteca de porco com canela e pimenta chinesa. Entender o que diz o menu é difícil, mas a aventura está justamente em experimentar. Uma atitude que, aliás, todos em Lima estão convidados a abraçar.

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