¿Hola, que tal?
Nossa correspondente chega à Espanha, a segunda – e a maior – parada de sua volta ao mundo, e se diverte com uma paella gigantesca, tesouros árabes e uma sala de aula cheia de chineses
Enfim chegamos à Espanha, segunda parada da viagem. Depois de Nova York, onde nos fartamos de hambúrguer, Apple Store e jazz, desembarcamos no Aeroporto de Barajas, em Madri, a capital do país onde planejamos passar a maior parte de nossa volta ao mundo. Eu e Danilo, meu namorado, escolhemos Valência para estudar espanhol. Mas, antes de chegar lá, rumamos para a Andaluzia, onde parentes do Danilo – e as atrações de uma das províncias mais bonitas do país – nos esperavam. Cruzamos Madri até a estação de Atocha, do outro lado do Museu Reina Sofia, onde, antes de tomarmos o trem para a Andaluzia, desayunamos tostadas com tomate e jamón para entrar no clima. E então fomos à pequena Antequera, a 60 quilômetros de Málaga. Foi a primeira vez que vi uma estação de trem abrir especialmente para duas pessoas. Mariana e Miguel, irmã e cunhado do Danilo, nos aguardavam cheios de saudade no saguão. Em 40 minutos ou menos chegamos à casa dos pais do Miguel, em Almargen, simpático pueblo no qual os moradores ainda caçam coelhos e se cumprimentam nas ruas. A ideia era descansar e depois descansar um pouco mais, nada que uma pata de jamón, vinhos, azeitonas e uma animada charla em portunhol pudessem atrapalhar muito.
O pueblo havia se levantado cedo naquele sábado para comemorar a autonomia andaluza. Como se a crise estivesse acontecendo em um país distante, uma paella gigantesca foi preparada para todos os 2 mil habitantes do lugar, que tinham um olho no prato e outro nos dois forasteiros brasileiros recém- chegados. Ali mesmo, no meio do rega-bofe, nós combinamos conhecer a vizinha Ronda e, na volta, fazer um programa sobre música brasileira para a rádio de Almargen.
Ronda fica a uma hora do pueblo. A cidade, encravada no alto de um penhasco e cortada pelo Tejo (o mesmo de Lisboa), sabe tirar proveito da paisagem. Entramos no Centro Histórico pela Alameda do Tejo e, ao me atrever chegar à beirada do mirante, senti um arrepio na espinha. Estava a 740 metros do chão. O visual ficou ainda melhor depois que percorremos a Praça Ernest Hemingway (homenagem ao escritor americano, admirador da paisagem local) até a belíssima Ponte Nova, que de nova só tem o nome. Concluída em 1793, essa obra de engenharia vanguardista para o século 18 levou 40 anos para ser construída e permitiu a conexão entre o bairro Mercadillo e o centro antigo. Debruçada nas grades da velha Ponte Nova, eu me esbaldei de tirar fotos e mais fotos da paisagem e dos cadeados deixados nos ferros, um velho hábito local que a prefeitura tenta inibir sem muito êxito. Nos cadeados os pombinhos escrevem seus nomes, maneira de jurar amor eterno.
Seguimos a pé pela região até as muralhas e os banhos árabes construídos pelos muçulmanos, que ocuparam por séculos o sul da Espanha. Depois nos sentamos para comer no restaurante Almocábar e, seguindo as dicas do único espanhol à mesa, o Miguel, pedimos morcillas, salada de alcachofra e cerveja Cruz Campo. Antes de partir, conferimos o pequeno museu e o interior da Praça de Touros da cidade, uma das mais antigas da Espanha, construída em 1785.
Voltamos para Almargen a tempo de gravar o programa de rádio e mostrar que o Brasil tem outros expoentes além de Michel Teló (e Neymar). O dia seguinte seria dedicado à viagem a Granada, mas com um luxuoso pit-stop, a estação de esqui de Sierra Nevada. Foi a primeira vez que os irmãos Danilo e Mariana viram neve! E também foi a primeira vez que eu e o Danilo usamos roupas tão justas em plena luz do dia. Encolhemos a barriga para caber nas calças e jaquetas impermeáveis dos nossos anfitriões, uma maneira de poupar um punhado de euros, já que o acesso à pista e o aluguel do esqui nos subtrairiam € 60. Foi uma tarde memorável, ainda mais depois que repusemos a energia queimada comendo bocadillos e churros na praça de alimentação do complexo.
Amor bem protegido em Ronda – Foto: Cassia Dian
Hora de Alhambra
Já era noite quando chegamos a Granada. Foi preciso encontrar um estacionamento para deixar o carro do Miguel, o que nos custou mais € 25, um gasto inesperado. O dia seguinte estava reservado para Alhambra, o monumento mais visitado da Espanha. Dentro de suas muralhas vermelhas existem cinco construções acessíveis, além dos jardins: Alcabaza, os palácios Nazaríes e de Carlos 5_, Generalife e a Igreja de Santa Maria. A cereja do bolo é a maravilhosa arquitetura islâmica do Nazaríes. Chegamos cedo para fugir das filas (se você pretende ir agora no verão, procure comprar o ingresso com antecedência) e fomos direto ao Palácio Nazaríes. Foi um erro de estratégia, já que o prédio é insuperável. O Palácio de Carlos 5_, por exemplo, erguido pelos reis católicos para mostrar quem é que passava a mandar em Alhambra, revelou-se com isso pouco mais que decepcionante. Moral da história: deixe Nazaríes para o gran finale. Alhambra está em uma das montanhas de Granada. Então, ao sair de lá, desça em direção ao antigo bairro árabe Albayzín pelo caminho batizado de Cuesta de los Chinos. Nós fizemos isso tendo como alvo o disputado Bodegas Castañeda – o bar mais antigo da cidade – para desfrutar da deliciosa política andaluza de servir uma tapa (petisco) grátis a cada nova rodada de cerveja gelada.
Dividimos o último dia em Granada entre uma visita à Catedral, com seus dois lindos órgãos no centro da nave, à Huerta de San Vicente (antiga residência de verão da família do escritor Federico García Lorca, hoje um museu) e ao mirador San Nicolás (de onde se vê Alhambra emoldurada pelos picos de Sierra Nevada). Por fim, sentamo-nos no restaurante Terraza Las Tomasas e gastamos mais do que deveríamos só para, entre uma garfada e outra, dar uma última olhada naquela maravilha vermelha.
No caminho para Almargen, Miguel fez uma surpresa e nos levou a uma aldeia chamada El Chorro. O pequeno vilarejo aos pés do Desfiladeiro dos Gaitanes recebe alpinistas do mundo todo e já teve má fama por causa da imprudência de alguns deles. É preciso tomar cuidado para atravessar o Caminito del Rey, um percurso de 3 quilômetros em que se vai agarrado ao penhasco. Ele foi construído pelos operários da companhia hidrelétrica local em 1905 e ganhou o apelido quando o rei Alfonso 13 passou por ali com cavalo e tudo para inaugurar a represa. Apesar do histórico de mortes, não é preciso ser alpinista nem mesmo ter experiência em escaladas para curtir o local. Conosco correu tudo bem – não foi aí que precisamos apelar para a cobertura de nosso seguro- saúde.
Um novo lar
A Andaluzia foi um tapa suculento, um delicioso tira-gosto de boas-vindas à Espanha. Mas o destino principal era Valência, nosso lar mais duradouro neste giro pela Terra. De Almargen seriam sete horas de trem. Desembarcamos na Estación del Nord e, de táxi, fomos ao apartamento que havíamos alugado por duas semanas ainda no Brasil. Era na verdade uma república de estudantes com nove quartos, sala e cozinha compartilhadas. A primeira impressão, dada aquela linda vista para o Parque Natural de Turia, era positiva. Entretanto, dois dias depois, já lamentávamos o buraco no colchão, a sujeira na cozinha e o mau humor de Juan, o dono. O incômodo só era compensado pela simpatia dos vizinhos do Vietnã, da Finlândia, da Itália, da Alemanha e da China.
Nosso primeiro domingo em Valência foi marcante: começou com uma fanfarra debaixo da janela e uma queima de fogos que não parava nunca. “Vocês chegaram bem na semana das Fallas”, disse a moradora mais antiga da república, a vietnamita Linh. As Fallas, que celebram a chegada da primavera, duram quatro dias, mas certos eventos podem começar antes. Todos os dias, às 2 da tarde, rolava queima de fogos, um espetáculo menos visual do que, digamos, percussivo. São quilos de explosivos colocados rente ao chão que fazem vibrar o solo – e, por consequência, o nosso corpo. Você já deve ter visto imagens dos enormes bonecões – são centenas – feitos com madeira e papel machê que, ao fim de tudo, são queimados sem piedade. A balada foi forte: começava às 4 da tarde e ia até umas 4 da madrugada. No último dia, quando os bonecos viraram pó, eu também estava naquela de dar dó.
Os dias seguintes foram gastos na procura de um novo apê pela internet e no début das aulas de espanhol. O primeiro problema foi resolvido com a ajuda do Airbnb, o site que já havia dado aquela mão em Nova York – lembra do meu apartamento no Harlem? Alugamos por cinco meses, a € 400 por mês, um chico pero cumpridor: mobiliado, um dormitório, em predinho restaurado no bairro de Carmen. Quanto às aulas, tudo bem. Meus colegas são seis chineses, uma alemã e uma japonesa, o que só mostra quem realmente domina o mundo. De qualquer forma, tenho agora um monte de amigos para me ajudar a montar o roteiro da China, onde eu e o Danilo devemos estar no fim do ano.
Com toda a crise que assola a Espanha, devo dizer que fico pasma de ver que os espanhóis não mexem em um hábito tradicional: a sesta. São três horas à tarde e, pior, o domingo inteiro! Somos acelerados demais para isso, mas fizemos progressos: já cozinhamos com calma, tomamos sol no parque, andamos de bicicleta, não reclamamos do garçom.
Lá se vão cinco meses fora do Brasil, e a saudade ainda está sob controle. O Skype dá uma bela força, e estamos por receber a visita da mana e da mamãe. Para não dizer que vivemos a vida que pedimos a Deus, sinto uma falta louca de encontrar um rodízio de comida japonesa e uma boa churrascaria para traçar uma picanha.
Acho que estou ficando um pouco mimada.
No próximo capítulo, Cassia fala da Croácia e de outros destinos de bate e volta dentro da Europa
Veja na próxima página hotéis, restaurantes e passeios em Andaluzia e Valência
Espanha (DDI 34)
Andaluzia
FICAR
O Parador de Ronda (Plaza de España, 952/877-500, parador.es; diárias desde € 120; Cc: todos) tem uma das mais belas vistas da cidade. O Hotel Macià Gran Via (Gran Vía, 25, 958/285-464, maciahoteles.com; diárias desde € 60; Cc: M, V) tem um bom café da manhã e uma excelente localização.
COMER
Em Ronda, experimente o típico rabo de toro no Almocábar (Calle Ruedo Alameda, 5, 952/875-977; Cc: todos). Ao Bodegas Castañeda (Calle Elvira com Almireceros, 958/ 215-464; Cc: M, V), em Granada, é bom chegar cedo. As tapas são excelentes. A comida é boa, mas a vista da Alhambra é tudo no Terraza Las Tomasas (Calle Carril de San Agustin, 4, 958/224-108, lastomasas.com; Cc: todos).
PASSEAR
Tire um dia para esquiar em Sierra Nevada (Carretera A-395, km 31, 902/708-090, sierranevada.es; 8h/16h30). No verão, trekkers e ciclistas ocupam o lugar. Visite os jardins e o Palácio Nazaríes, no interior de Alhambra (902/441- 221, alhambra.org; 8h30/20h; € 13). Na Catedral de Granada (Gran Vía de Colón, 5, 958/ 225-488, granadatur.com; 2ª/ sáb 10h45/13h30 e 16h/19h, dom 16h/19h; € 4), repare nos dois órgãos no centro da nave e descubra mais sobre a família García Lorca na Huerta de San Vicente (Calle Virgen Blanca, 958/258-466, huertasanvicente.com; € 3).
Valência
COMER
Paella com coelho e escargot a € 15 é no Miramar (Paseo Neptuno, 32, 963/715-142, petitmiramar.com; Cc: todos). Com bocadillos (sanduíches), há a franquia 100 Montaditos (Plaza de la Reina, 10, 963-520-378, 100montaditos.com; Cc: todos). Para badalar, vá ao moderninho Café Ubik (Calle Literato Azorín, 13, 963/741-255, ubikcafe.blogspot.com.es; Cc: todos) ou ao queridinho dos valencianos Xino Xano (Calle Alta, 28; Cc: M, V).
PASSEAR
Veja a cidade do alto das Torres de Serranos (Plaza de lós Fueros, 963/919-070, valencia.es; € 2, sáb/dom grátis). Frente a frente na Plaza del Mercado estão a La Lonja (963/525-478, valencia.es; € 2, sáb/dom grátis) e o Mercado Central (mercadocentralvalencia.es). Uma vez na Catedral de Valência (Plaza de la Reina, 963/918- 127, valencia.es; € 3, sáb/dom grátis), suba ao campanário gótico. Vale a pena alugar uma bicicleta no Parque Turia e visitar a Cidade das Artes e das Ciências (902/100-031, cac.es; 10h/21h; entrada combinada, € 32,90, e crianças, € 25), com as curvas do arquiteto Santiago Calatrava e o maior oceanário da Europa.
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