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Fui fotografar a guerra, mas encontrei a paz e a beleza na dança

Por Da Redação
Atualizado em 22 fev 2017, 08h09 - Publicado em 2 nov 2016, 10h59

Estive em Kabadio, comunidade muçulmana no sul do Senegal, onde cerca de 95% da população, estimada em aproximadamente 3 mil pessoas, é de seguidores do sufismo, vertente mais mística do Islã. Meu objetivo aqui era cobrir os conflitos liderados por grupos separatistas que há mais de 30 anos buscam a independência da região. Cheguei para fotografar a guerra e encontrei a paz em forma de dança.

Ao contrário do Oriente Médio, o Islã praticado aqui é uma versão mais relaxada, e isso é notável no dia a dia da comunidade: as mulheres não cobrem o rosto nem qualquer outra parte do corpo. Dançar e cantar a plenos pulmões nunca foram problema. Pelo contrário, elas já faziam isso antes de o islamismo chegar, por volta do século 9. Assim como os dervixes rodopiantes na Turquia, aqui se dança para se comunicar com Deus. Mas, ao contrário dos turcos, em que rodopiar é restrito aos homens, em Kabadio são as mulheres que dominam a arte de balançar o esqueleto. Com roupas coloridas, elas dançam descalças, com os braços em riste enquanto os pés batem forte no chão em alinhado compasso.

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Em Kabadio, o ensino da religião é levado muito a sério. Jovens estudam o islamismo desde muito cedo, nas duas casas corânicas. Todos os dias, por volta das 7 da noite, eles se sentam ao redor do fogo para estudar o Alcorão em voz alta. Quando o estudo termina, ouvem-se as primeiras batidas do tambor. As crianças se levantam e andam, enfileiradas, ao redor do fogo. Quando o cantor entoa os versos em homenagem a Alá e ao profeta Maomé, a atmosfera é tão vibrante que homens e mulheres se juntam às crianças, cantando cada vez mais alto. Eu não saberia dar palavras ao arrepio que tomou conta de mim ali.

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O fogo que ilumina o estudo dos jovens e a fumaça que sai da fogueira durante o culto são chamados de Karanta. El Hadji Souané, um dos principais líderes religiosos da comunidade, me explicou: “Não há nenhuma luz que possa chegar ao céu senão o fogo da Karanta. Quando acendemos a Karanta, sua luz penetra no céu e, nesse momento, até mesmo os anjos percebem que a Karanta está acesa”. E eu que tinha ido até lá para fotografar a guerra…

Fellipe Abreu não pode ver uma fogueira que já vai atrás de um tambor (foto: arquivo pessoal)

Fellipe Abreu não pode ver uma fogueira que já vai atrás de um tambor (foto: arquivo pessoal)

Texto publicado na edição 239 da revista Viagem e Turismo (setembro/2015)

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