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Final da Libertadores: fogo na Bomba!

Nosso repórter corintiano se arriscou no meio da torcida rival, mas presenciou a final da Libertadores no La Bombonera. Certamente não se arrependeu.

Por Fernando Souza, de Buenos Aires
Atualizado em 16 dez 2016, 08h34 - Publicado em 28 jun 2012, 13h12

Na tarde de ontem (27), depois de perder o horário da parrilla La Brigada (os restaurantes fecham às 3 da tarde em Buenos Aires), comi um sanduba no hotel mesmo, acompanhei o trabalho do fotógrafo argentino Hernán (para uma matéria sobre essa viagem que você verá em agosto na VT), coloquei a camisa do Boca e fui para a Calle Lima com a Rivadavia, como o e-mail do Nacho indicava. Meu jaco encobria o distintivo do Boca, mas não o peito amarelo e a gola azul da camiseta. E o ponto que o Nacho indicou, carajo, era o da concentração da Gaviões… Fui logo colando num mano e, em português bem paulistano, deixei claro que meu ingresso era para a torcida do Boca, por isso a camiseta. Escalei o time do Corinthians pra quem não acreditou, e aí não teve mais stress.

As vans chegaram, havia ingresso pra todo mundo e não era na geral tretada da La Doce, mas na bandeja média, logo abaixo da Fiel e acima da geral. Na van estavam o guia, dois gringos e uns doze corintianos – com camisa de torcida, do time, vai vendo… e eu de Boca. Perto da Bombonera, quando a galera viu que desembarcaria num ninho de bosteros, começaram a me dar razão e esconderam a camisa. Na fila do estádio, compraram até bandeira. Passada a catraca, a felicidade: “Entramo, porra!”, “Tamo dentro!”. Depois de subir as escadas encardidas que conectam os andares do estádio, chegamos ao setor. Os turistas das outras vans foram se encontrando, tudo Coríntia, e, quando vi, já éramos uns 40. No meio de uns 5 mil torcedores do Boca, só naquele setor. 

O argentino que era o nosso guia foi claro, ainda na van: “En la cancha, hoy no se habla portugues y son todos cariocas, cearenses o paranaenses“. Mas a duas horas e meia do jogo, dentro do estádio, já dava pra ver o SCCP escrito na camisa de um figura. Outro avisou: “Se sair gol, vamo gritá pra car…”. E os caras eram grandes. Do Corinthians e do Boca. Ia dar merda. Com o português fluente nas conversas, um argentino que eu apelidaria de Montanha perguntou ao torcedor do meu lado se ela era “de Corinthian”. O gênio afirmou que era, mas que tava ali só pra “mirar”, e o portenho respondeu “mirar o carajo“, esticando o dedo médio coberto de tatuagens toscas. Meio tenso.

Provocações perigosas

Prá piorar, ao final dos cantos da torcida do Boca, já tinha nego gritando “Vaaaai Corinthians!”. A treta que eu já dava como certa (gente já morreu por bem menos na Bombonera) parecia imediata quando a corintianada toda saiu no pinote, em bloco, do alto da arquibancada onde estávamos para a escadaria. Vazei na cola, no susto, sem saber do que se tratava, mas a expressão geral era de alegria, sinal que o Eldorado se aproximava, alguém tinha feito um corre pra liberar todo mundo na bandeja alta, onde tava a FIEL TORCIDA CORINTIANA, porra! Papai Noel existe! Impossível não lembrar das vezes que empurramos a porcada e os pó-de-arroz vários gomos dentro da arquibancada do Morumbi, por causa do tamanho da nossa torcida. E tinha corintiano demais na torcida do Boca.

A fila formada pelos policiais para realojar os corintianos descia a escadaria do estádio de volta para a calçada, atravessava uma rua externa e terminava na entrada dos torcedores do Corinthians, com muita gente ainda do lado de fora. Do alto do estádio, uns 40 metros acima, torcedores do Boca atiravam garrafas d’água com força na nossa direção, mas ninguém se feriu. A fila dos expatriados era separada da outra, pois já tínhamos o ingresso validado (logo, invalidado) pela catraca, por isso ele nem era pedido. Assim, muuuuitos ingressos entravam no bolso do torcedor, voltavam para outro torcedor sem ingresso na grade, entravam, saíam, voltavam, saíam… Se no espaço destinado aos visitantes cabem mesmo 4,5 mil torcedores, havia pelo menos uns 6 mil. O Eldorado era assim, um prensadão de gente equilibrada em degraus de dois palmos cada um. Mas ali eu podia gritar CORINTHIAAAANS!!!

Não vou me ater à análise do jogo, mas, sem ter lido nada a respeito e nas condições em que eu vi a peleja (atrás de um dos gols e sem replay), Alessandro foi grande, talvez o melhor do Corinthians, Emerson perdeu quase todas (apesar do passe pro gol) e jogou muito isolado, Danilo tava em câmera lenta e cansou rápido, Liedson incomodou pouco ou nada. Volantes, meias e atacantes erraram muitos passes, e em vários momentos do jogo o Corinthians não conseguiu trocar três bolas. A marcação não estava tão compacta como de costume e a bola rondou demais a área do Cássio. O time também cometeu faltas demais na defesa e permitiu cruzamentos à vontade, tanto que o gol do Boca e a bola na trave no finalzinho vieram de cabeçadas. E a vibe do time parecia exageradamente tranquila, quase uma pasmaceira. O Boca vive um tanto de Riquelme (inteligente até a medula), é incrivelmente forte na Bombonera (ontem deve ter sobrado em posse de bola), mas erra (ou errou) demais na finalização das jogadas. São times parelhos, embora o Boca tenha jogado mais.

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Eram 28 do segundo tempo quando o cântico imparável dos bosteros virou um barulho ensurdecedor e a cara dos irmãos se abateu, embora fosse justo o 1 a 0. Eram 40 quando nosso rastaboy predestinado deu um totó por sobre o goleiro, que chegou a resvalar na bola, mas ela entrou bem na nossa cara, e os irmãos piraram, GOOOOOOLCORINTHIAAAAAAANSPORRRRRRAAAAAAHIJOSDEPUTA!!!!, e cada um pode gritar como quis. Gol mais do que merecido praquela torcida, porque tinha gente sem ingresso que invadiu a Bombonera à tarde e ficou brincando de gato e rato com a polícia nas escadarias do estádio até dar a hora do jogo, teve gente que viajou dois dias de busão para entrar com 30 minutos de bola rolando, tinha gente com a camiseta do Boca escondida no bolso do jaco, tinha de tudo.

Feliz, madrugada adentro

A noite ainda foi longa porque nos seguraram uma hora dentro do estádio, as vans já tinham ido embora, não passa táxi em La Boca e o que eu temia aconteceu, teríamos que atravessar o bairro a pé, na madruga. Éramos uns 600, mas tinha mulheres e crianças. Por sorte, caímos fácil nas margens do Riachuelo e, de lá, caminhamos pelo meio da Avenida Almirante Brown, sob provocação de torcedores, princípios de tretas, tijolos atirados dos prédios… A escolta policial era mínima, pra não dizer ausente. Táxis começaram a aparecer, e foi num deles que eu embarquei, com mais três corintianos, pra chegar no hotel umas 3h30.

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Semana que vem é a volta, no Pacaembu, e quem ganhar leva. Acho que será mais difícil conseguir ingresso em São Paulo do que aqui, então deverei ficar em casa ou assistir a finalíssima na casa dos amigos, a não ser que alguma alma bondosa ou um Nacho da vida apareça pelo caminho. Agora, vou com o Hernán de volta a La Boca para comer um asado no El Obrero, uma das melhores parrillas da cidade. À tarde, volto ao hotel para terminar o trabalho e, às 20h, embarco de Ezeiza para São Paulo. Fiquei de contar mais sobre o Hotel do Boca, e reafirmo que ele tem padrão executivo, o café tava ótimo e tudo é muito moderno e de bom gosto (exceto as portas estampadas com aquarelas de jogadores).

Aos que se preocuparam comigo (“Volta vivo!”), amanhã estarei na área. A todos os corintianos que vieram a Buenos Aires e não conseguiram entrar no estádio, eu dedico esta reportagem.

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