Feitiço da Villa

Em Villa La Angostura, que se recuperou de seu inverno cinzento de 2011, a natureza não cobra imposto agregado por tanta beleza

Por Cecilia Arbolave
Atualizado em 16 dez 2016, 00h26 - Publicado em 14 jun 2013, 18h30

Meu pai conta que, aos 7 anos, no primeiro dia de aula uma professora pediu que se desenhasse um lugar especial visitado nas férias. Os rabiscos dele mostravam o Lago Nahuel Huapi, na Patagônia Argentina. Ela elogiou, mas não se conformava com que as montanhas tivessem sido pintadas de azul. Insistia em que a cor que ele deveria ter usado era o marrom. Convicto de sua escolha, meu pai replicou: “É porque você não conhece Villa La Angostura!”

Assim como ele, eu sempre vi aquelas montanhas distantes azuis, bem azuis. É essa cor que torna mágica a pequena Villa La Angostura. Mas não só ela. Por estar dentro de um parque nacional, andando de carro ou a pé você se sente incrivelmente próximo da vegetação, silvestre, que cresce em abundância. Nos meses mais quentes, arbustos com flores amarelas e violetas trazem colorido aos pinheiros e coihues, uma árvore nativa parecida com o carvalho. Além disso, o grande barato dessa  vizinha de Bariloche é ter mantido o espírito de pequena vila. Apenas as ruas principais são asfaltadas, e, mesmo que você os procure, não vai encontrar prédios, semáforos ou shoppings. Casas, hotéis, lojinhas, supermercados e até bancos respeitam o mesmo visual. Nada de fachadas de concreto ou tijolo aparente: tudo é feito de madeira e pedra, estética que lhe rende comparações com a Suíça.

Essa vila encantada de apenas 13 mil habitantes sofreu um baque dois anos atrás com a erupção do Vulcão Puyehue. Foi uma das localidades mais afetadas pela montanha chilena. A nuvem de cinzas, pedras e areia vulcânica pairou durante seis meses. Villa La Angostura se tornou monocromática, como um filme em preto e branco. As montanhas azuis desapareceram. Munidos de pás e carrinhos de mão, moradores limparam o pó dos telhados, dos pórticos e da grama. Ao todo foi retirado 1,5 milhão de metros cúbicos de cinzas do município (para ter uma dimensão disso, calcule: cada caminhão de descarga conseguia levar 6 metros cúbicos por viagem). Nos lagos e nas praias, cuja areia sempre foi vulcânica, a natureza encarou o trabalho sozinha, como em outros acidentes naturais.

Cinzas passadas

Aquela temporada de inverno, naturalmente, não existiu. Mas já na Páscoa do ano seguinte o destino mostrou sinais de recuperação. Neste inverno, Villa La Angostura já pode se gabar de voltar a ser vista como charmosa e exclusiva. Que o digam os esquiadores que a procuram em busca de um algo a mais.

Enquanto milhares se preparam para esquiar no Cerro Catedral de Bariloche, o Cerro Bayo, a 15 minutos de La Angostura se apresenta como um centro de esqui butique. Com pistas de esqui e snowboard, inaugura agora um novo teleférico: além daquele que ia da base aos 1 500 metros de altura, este leva até o cume. E não se trata do topo já conhecido por esquiadores, mas do ponto mais alto, aonde só se chegava caminhando pela neve.

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O teleférico também dá acesso a duas novas pistas, mais altas e, portanto, com mais garantia de neve. Quem preferir um passeio sem fortes emoções pode deixar os esquis de lado e subir para apreciar a paisagem lá do alto, um quadro perfeito em que se veem o Nahuel Huapi, a Cordilheira dos Andes e a própria vila. A vista pode ainda ser degustada em restaurantes, como no badalado 180 Club Gastronómico de Montaña, sob o comando do Martín Zorreguieta, irmão da argentina Máxima, rainha da Holanda.

Passeios a granel

O nome da aldeia surgiu por causa da faixa de terra estreita (em espanhol, angosta) que une o continente à Península Quetrihué. Essa formação geográfica deu lugar a duas baías de características diferentes: a Mansa, maior e bem calma, e a Brava, com águas um tanto mais agitadas.

Do Porto da Bahia Mansa partem catamarãs e pequenas embarcações para a Península Quetrihué

Dos cais de ambas partem diariamente catamarãs e embarcações privadas até a ponta da península, onde fica o Bosque de Arrayanes, famoso por abrigar a única concentração de árvores arrayanes do mundo (pouco tempo atrás desapareceu a outra, que ficava no Japão). Um idílico circuito de 800 metros, bem estruturado com deques e parapeitos, apresenta o exuberante ecossistema dessas espécies em extinção, algumas com mais de 400 anos.

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Se não dá para pisar diretamente no solo, nada impede de tocar as árvores para sentir como seus troncos magros são curiosamente fios. Com superfície lisa, de cor canela salpicada de pintas brancas, os arrayanes chegam a até 15 metros de altura e, seja qual for a estação do ano, ficam sempre com o mesmo visual. Caminhe sem pressa nesse cenário alaranjado, e, de preferência, em silêncio para ouvir o som das aves patagônicas.

O passeio fica ainda melhor – porém um pouco mais cansativo – se você fizer a ida ou a volta andando pelo chamado Camino de Arrayanes, uma trilha inspiradora de 12 quilômetros, a maior parte deles plana, mas com algumas subidas sinuosas. Se não houver fortes nevadas, é possível encará-lo no inverno. Seja qual for a escolha, não deixe de conhecer os dois mirantes, nos primeiros quilômetros. Um mostra a famosa “angostura” e outro revela a imensidão do lago e, lá no fundo, a Cordilheira dos Andes. Cansa um pouco, mas as vistas panorâmicas justificam a subida.

Conhecer as diferentes facetas dos aproximados 550 quilômetros quadrados do Lago Nahuel Huapi a bordo de um barco é quase obrigatório. Um passeio exclusivo na região e oferecido apenas por agências autorizadas, pois se trata de uma área protegida, é ir até o chamado Brazo Rincón, uma das ramificações do lago, e caminhar até o Brazo Machete durante uma hora e meia para terminar em uma praia isolada e escondida onde você se sente dono dos Andes por alguns momentos. E que o fio não o iniba de embarcar em um caiaque e remar olhando para as belíssimas montanhas nevadas. Bem agasalhado e em um dia de sol, nada é impossível.

Além do centrinho

O Centro de Villa La Angostura, conhecido antigamente como El Cruce, se desenvolveu na Avenida Arrayanes, que na verdade é um trecho da Ruta 40 (antiga Estrada 231). O nome se deve ao cruzamento de três caminhos: um vai para a Península Quetrihué, outro, para Bariloche, e um último, para San Martín de los Andes e Chile. Quatro quarteirões e algumas ruas transversais concentram galerias com pequenos comércios de artesanato, tecidos típicos, equipamentos de pesca, roupa de fio e artigos de decoração. Entre eles, misturam-se aos restaurantes as chocolaterias artesanais e os cafés. São lugares perfeitos para fazer aquelas pausas intermináveis se deliciando com tortas de futas do bosque, brownies e cheesecakes.

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Em vários destinos, ficar no Centro da cidade é fundamental. Mas, em se tratando de Villa La Angostura, onde o grande atrativo é a natureza, afastar-se um pouco pode ser a melhor alternativa. Nesse caso, vale alugar um carro, pois o transporte público deixa bastante a desejar.

Numerosos hotéis foram se espalhando pela região, à procura da melhor vista, praia ou bosque. E vários integram redes internacionais, como o pioneiro Correntoso Lake & River, da Small Luxury Hotels. Construído em 1917 sobre a foz do Rio Correntoso, na união com o Lago Nahuel Huapi, oferece uma linda vista panorâmica – que fica ainda mais bonita quando apreciada de seu luxuoso spa. Outro do gênero é o Las Balsas, da rede Relais & Chateaux e premiado pela World Travel Award como o melhor resort da Argentina.

Todos os hotelões costumam ter restaurantes de alta gama e que nem sempre são exclusividade dos hóspedes. Tal é o caso do exclusivo Delfina, que oferece almoços e jantares patagônicos na Hostería La Escondida. Esta, aliás, está situada logo na entrada de Puerto Manzano, uma península supertop a 7 quilômetros do Centro, que concentra 80% da oferta hoteleira. O lugar tem uma vantagem: muitos terrenos ficam sobre o lago, o que possibilita que centenas de quartos de hotel deem de cara com aquela água cristalina e as montanhas ao fundo. Nessa península também estão os bosques abundantes de coihues, arrayanes e pinheiros, que envolvem charmosas cabanas, para quem quer uma experiência mais isolada.

A harmonia de Puerto Manzano, península hoteleira de La Angostura
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Depois de dias de descanso extremo, uma hora chega o momento da partida. Dá vontade de levar num potinho um pouco do ar puro e fesco daquele lugar, do forte aroma dos pinheiros, desse lago tão bonito e do azul daquelas montanhas. Difícil não prometer a Villa La Angostura uma futura visita. 

 

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Ela é o máximo (até no verão)

A fama do sul argentino no Brasil foi construída em volta da neve. E com razão. Mas o verão, já descoberto pelos vizinhos há décadas, também tem suas vantagens. Por sinal, a rainha da Holanda, a argentina Máxima Zorreguieta (na foto, em família), é apaixonada pela cidade, que visita geralmente em dezembro. Como os dias são mais longos, no fim da tarde dá para encarar uma nova atividade, pois só anoitece às 22 horas. A temperatura média oscila entre 10ºC e 30ºC, mas também pode ir aos 2 ºC, então não é raro ver pessoas andando com casacos e cachecóis de lã. As lareiras, aliás, não tiram férias e continuam acesas nessa época do ano. Com a falta de neve, é possível fazer mais atividades outdoor. Os topos não costumam degelar – ficam com a chamada neve eterna, caso do Vulcão Tronador, o mais alto da região, com 3 491 metros, a 2h30 de carro de Villa La Angostura. Atividades lacustres certamente não faltam no Nahuel Huapi, mas é consenso que o melhor dele está submerso: trutas patagônicas. A temporada de pesca vai de novembro a abril.

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