Um roteiro pela Grécia: de Atenas, para as ilhas e ao Peloponeso
Seja de barco ou de carro, você vai se deliciar pelas paisagens de Atenas, Mykonos, Santorini, Creta e muito mais
A temperatura à sombra era de 35ºC. As ruas estavam desertas e silenciosas, a não ser pelo burburinho tímido que vinha do outro lado da muralha milenar. Ao cruzar o paredão através de uma brecha, deparei com o Mar Egeu liso como um espelho naquela tarde tórrida de outubro.
Alheios às agruras que assolam a humanidade, alguns moradores do povoado de Monemvasia se dedicavam ao sublime ato de boiar. Eu me uni a eles. E, deitada no colchão azul-cobalto, fiquei observando a cidade a distância, com suas casinhas incrustradas na montanha e seu jeito de fim de mundo.
A geografia de Monemvasia lembra a do Mont-Saint-Michel, na França. O cocuruto rochoso se destacou do continente durante um terremoto no ano 375 e, pontilhado de igrejas datadas do século 10 ao 16, está unido à Península do Peloponeso por um istmo. O fato de um lugar assim ainda ser um ilustre desconhecido dá uma ideia do poder de fogo da Grécia, um dos destinos turísticos mais sedutores e inesgotáveis do mundo.
Com paisagens agressivamente belas e monumentos dignos de seu papel de berço da civilização ocidental, o país tem 16 mil quilômetros de costa, em grande parte pulverizados por cerca de 6 mil ilhas e ilhotas (apenas 227 delas habitadas). Isso sem contar os sítios arqueológicos, a gastronomia, as cidadezinhas charmosas, os museus de Atenas…
Quer viajar de barco entre as ilhas? Você vai precisar de: tempo
O estilo de vida grego e a geografia do país clamam por uma viagem sem pressa – o famoso slow travel. Por menos hippie que você seja, verá que a parte “sensorial” da empreitada acaba sendo tão ou mais importante do que colecionar destinos: os mil tons de laranja de cada pôr do sol, o cheirinho de polvo assado na brasa com orégano silvestre, o calor do ouzo (bebida alcoólica feita com anis) descendo pela garganta, uma boiada no mar cristalino…
Para ajustar o ritmo ao modo bem-bom, é melhor que o lema “menos é mais” prevaleça sobre o raciocínio “já que estou aqui, não seria o caso de também fazer…” Isso porque saltar de ilha em ilha é um processo bem mais lento que uma viagem pinga-pinga de carro. Para fincar o guarda-sol em um pout-pourri de areias, além do trabalho normal que cada deslocamento demanda (check-out, check-in, arrumação de mala etc.), você precisará ter paciência extra com possíveis atrasos – que ainda acontecem com frequência, apesar de o sistema de barcos e ferries ter melhorado muito nos últimos anos.
É importante ter em mente que as distâncias são maiores quando percorridas por via líquida. Ir de Creta a Santorini, ilhas relativamente próximas, requer duas horas em barco de alta velocidade ou cerca de seis horas de ferry normal. Para ir de Santorini a Mykonos, a viagem dura mais de três horas, com direito a paradas em outros portos pelo caminho. Ou seja, para cada mudança de ilha, lá se vai meio dia das suas preciosas férias, na melhor das hipóteses.
Também é preciso estudar bem (e com antecedência) a rota dos ferries em sites como o Greek Ferries. Fazer concessões em benefício da logística é uma boa forma de economizar tempo, já que algumas rotas são circulares – e funcionam em apenas um sentido.
Para não ter erro, garanta o bilhete de barco (ou pelo menos cheque os percursos) antes de reservar hotéis. Para encurtar caminho, vale a pena fazer de avião os trechos mais longos – por exemplo, a viagem do porto de Piraeus, em Atenas, a Santorini (oito horas de ferry) ou a Creta (entre seis e nove horas de ferry).
A seguir, alguns roteiros práticos, ideais para uma semana. Podem ser combinados entre si para períodos maiores. Antes ou depois, vale a pena passar pelo menos três dias em Atenas.
Começando pelo começo: um rolê por Atenas
Menosprezar Atenas é um sacrilégio que o turista apressado comete com frequência. Não se trata apenas de dar uma pincelada na Acrópole e em seu high-tech museu. No centro da cidade, muitas outras ruínas monumentais estão cercadas por magníficos calçadões de mármore, fruto da reviravolta pela qual a cidade passou para receber as Olimpíadas de 2004.
O Museu Arqueológico Nacional é um dos mais importantes do mundo. De quebra, a gastronomia é excepcional, e a vida noturna está em plena ebulição. Tem certeza de que Mykonos não pode esperar uns diazinhos?
Como em toda metrópole que se preze (Atenas tem 660 mil habitantes), há muito que ver fora do bairro de Plaka, aos pés da Acrópole (lindinho, mas inflacionado para comer e beber). Exárchia, com seus muros grafitados, cafés e centros culturais que são ponto de encontro de jovens politizados, é um belo retrato da Atenas de hoje, com personalidade forte, restaurantes bons e baratos e inúmeros bares. Ali começaram muitas das manifestações contra as medidas de austeridade que dera a volta ao mundo pela TV.
Outro lugar do momento é a Praça Agias Eirinis, a cinco minutos de Monastiraki, uma das grandes veias boêmias da cidade. Decadente até pouco tempo atrás, ela ganhou cafés e bares charmosos que espalham mesinhas e cadeiras entre as árvores, ideais para pedir um café ou uma Mythos gelada e passar hooooras conversando (um hábito grego por excelência).
Ali pertinho, outro endereço em alta é a Rua Kololotroni, com o burburinho de seus arredores, onde se enfileiram bares e casas noturnas frequentados por uma multidão de atenienses moderninhos que tomam as calçadas sem medo de ser felizes.
O que você precisa saber sobre as Cíclades e outras ilhas clássicas
Um penhasco negro com nuances avermelhadas desaba sobre o azul infinito do Mar Egeu. Casinhas brancas de portas coloridas escorrem pela encosta, permeadas por igrejinhas de cúpulas azuis e moinhos. Diante desse cenário que não parece deste mundo, o sol desaparece no mar e arranca aplausos da “torcida”, empoleirada sobre as ruínas de um castelo no vilarejo de Oia (pronuncia-se “ia”).
Eis o maior clichê de Santorini, que não perde o encanto jamais, apesar da multidão e dos recentes drones que registram o espetáculo para os turistas que desejam levar uma lembrança do momento. Hospedar-se no vilarejo mais bonito da ilha (talvez de toda a Grécia) é estratégico para que você possa curtir o lugar com mais tranquilidade, antes das 10 horas, quando milhares de cruzeiristas desembarcam em Santorini, e depois do pôr do sol, quando eles voltam ao navio.
Mas, para quem está precisando economizar, uma alternativa é ficar na capital da ilha e também sua maior cidade, Thira (ou Fira). Ali estão os hotéis e restaurantes mais econômicos, enquanto Oia é provavelmente o lugar mais caro da Grécia, onde diárias de menos de três dígitos são raridade.
Nas horas de aglomeração, o melhor a fazer é esconder-se na piscina do hotel ou num dos cantinhos mais mágicos e sossegados da ilha, a Baía de Amoudi, um pequeno porto à beira de um mar absurdamente cristalino onde existem algumas tavernas que servem peixe fresco. O motivo para tanta tranquilidade é simples: 250 enormes e inclinados degraus separam Amoudi do centro de Oia.
Se pisar na areia for mesmo indispensável, ainda que as praias de Santorini não sejam lá essas coisas, a mais interessante é a Red Beach, cujo semblante negro-avermelhado faz com que atinja temperaturas que nem todos os mortais são capazes de suportar.
Por essas e muitas outras, o ideal é complementar a empreitada com uns dias em Creta, onde estão algumas das melhores areias da Grécia. A maior das Ilhas Gregas ocupa uma área de 8 mil quilômetros quadrados (20 vezes o tamanho da Ilha de Santa Catarina, a parte insular de Florianópolis) pela qual se espalham povoados charmosos, montanhas áridas e as ruínas da civilização minoica, que dominou a região entre os séculos 3 e 15.
Os cafés à beira-mar e a fortaleza veneziana que adorna o porto formam a comissão de frente de Chaniá (pronuncia-se “râniá”), a cidadezinha mais encantadora de Creta. Plantas, flores e trepadeiras gloriosas adornam ruelas e becos. Verde e cheia de vida, a cidade é estratégica para provar a gastronomia cretense em seus ótimos restaurantes – peixes, carne de cordeiro, queijos frescos, vegetais, além de muito azeite de oliva. E também para viajar pela região oeste, onde estão algumas das praias e paisagens mais espetaculares da ilha.
Abrindo alas a duras penas em meio a cânions profundos e estreitos (que os aventureiros podem explorar em passeios de escalada e outras modalidades), a estradinha que leva de Chaniá à Praia de Elafonisi atravessa olivais, vinhedos e sítios de apicultura. Ao longo do trajeto, os agricultores vendem mel, geleias e aguardente.
Arrebatadora e boa para o kitesurfe, Elafonisi é um istmo de areia branca que avança sobre águas rasas e transparentes, de onde se veem as montanhas que chegam quase até a areia. À medida que a profundidade da água aumenta, os tons de azul enfileiram-se em degradê.
Na direção oposta, a viagem entre Chaniá e Heraklion (capital de Creta), ambas na face norte da ilha, dura pelo menos duas horas. Vale dar uma paradinha na Praia de Stavros, onde fica a famosa montanha à beira-mar que serviu de cenário para o filme Zorba, o Grego, de Michael Cacoyannis. Outro pit stop bacana é em Rethymno, que compete em charme com Chaniá.
O único motivo para passar um dia em Heraklion, além dos bons restaurantes, é a proximidade com o Palácio de Knossos, grande hit de Creta. As origens do palácio remetem ao ano de 1900 a.C. Destruído no terremoto de 1700 a.C., ele foi reconstruído entre 1500 a.C. e 1450 a.C., num formato mais grandioso.
Novamente devastado por um incêndio, Knossos teve suas ruínas descobertas em 1900 pelo arqueólogo britânico sir Arthur Evans. Obcecado pela reconstrução desse grande monumento da civilização minoica, o explorador trabalhou 35 anos no lugar e investiu ali grande parte de sua fortuna.
Graças a ele, podemos ter uma boa ideia de como era o palácio, ainda que o modo como foi restaurado seja motivo de eterna polêmica entre historiadores, que consideram que Evans foi mais fiel à sua imaginação que aos indícios históricos.
Os hits do agito
As ilhas mais boêmias da Grécia são parte de uma das rotas bem redondinha do ponto de vista logístico. Partindo de Santorini, o ferry passa por Ios, a queridinha dos notívagos na faixa dos 20 e poucos anos, que requebram até o chão movidos a doses industriais de álcool barato.
Depois segue em direção a Paros. A ilha é uma excelente alternativa para quem quer um agito um pouco mais light. O epicentro da badalação soft, por lá, é Naoussa, ponto de encontro dos atenienses bem-nascidos. A cidadezinha tem ruas de pedras, casas branquinhas e muitas fachadas adornadas com flores. O jeito de vila de pescador (eles ainda descarregam o peixe no fim da tarde e estacionam seus barquinhos por lá) esconde bares e casas noturnas intimistas e estilosas que fazem sucesso entre os gregos antenados.
O gran finale acontece em Mykonos, para a qual barrigas tanquinho vindas dos quatro cantos do planeta convergem para dançar como se não houvesse amanhã. Durante o dia, o beach club Nammos sacode a Praia de Psarou, enquanto o Kalua marca o ritmo na Praia de Paraga.
Na hora do pôr do sol, o lugar certo para estar é o Scorpios, na Sunset Beach. Outra boa do fim de tarde é peregrinar pelo bairro de Alefkandra, o hors concours no quesito charme. Conhecido como Little Venice, esse pedacinho de Chora (a vila de Mykonos) tem casinhas apoiadas sobre palafitas, ocupadas por bares e restaurantes para ver a noite chegar com os pés na água. Não importa em que lugar a noite começa desde que ela termine no eterno Cavo Paradiso, a meca eletrônica que ferve até o amanhecer e recebe DJs-celebridade.
As ilhas menos badaladas da Grécia
Não é preciso desviar tanto assim da rota clássica para encontrar sossego nas Ilhas Cíclades. Conectada por ferry direto a Santorini, Folegandros é um dos segredos mais bem guardados do arquipélago. A capital da ilha, a encantadora Hora, tem pracinhas arborizadas, casinhas brancas com janelas coloridas impecáveis, ruas de pedras e ótimos restaurantes. Árida, ela tem apenas 12 quilômetros de extensão por 4 de largura – e uma igrejinha matadora em seu ponto mais alto, a 414 metros de altitude.
Seguindo o fluxo da rota dos ferries, a trilha do sossego pode continuar até Milos. Depois que a Vênus do Louvre foi encontrada ali, em 1820, a sensação é a de que a humanidade nunca mais quis saber da ilha. Rico em minérios, o lugar não depende exclusivamente do turismo, que se desenvolveu com menos voracidade a despeito de a ilha concentrar o maior número de praias das Cíclades, além de importantes sítios arqueológicos.
Pelas estradinhas, algumas ainda sem asfaltar, você verá pastores conduzindo rebanhos de cabras e povoados minúsculos parados no tempo. Suas praias vulcânicas são deslumbrantes. Sarakiniko, por exemplo, é uma loucura, adornada por uma formação rochosa que parece um grande suspiro furadinho com túneis e cavernas.
O charme do Peloponeso
Se você não escapuliu das aulas de história, vai deparar com vários nomes familiares ao longo da viagem. Na Península do Peloponeso, ao sul da Grécia continental, ergueram-se cidades como Esparta, Micenas, Corinto, Olímpia e tantas outras importantes na história grega.
Ofuscada pela fama das ilhas, a região ainda tem jeitão de mundo perdido, com seus campos pontilhados de oliveiras, montanhas, praias desertas, monastérios solitários e estradinhas panorâmicas. Monemvasia, meu maior achado no Pelô, fica no extremo sudeste da região da Lacônia, palco de passagens da Ilíada de Homero.
Se seus habitantes são efetivamente lacônicos (a palavra teve origem na região), eu não saberia dizer. Mas o fato é que há pouca gente com quem conversar. Durante o inverno, o centro histórico do povoado, uma fortaleza medieval (kastro) à qual se tem acesso através de um túnel, abriga apenas duas dezenas de pessoas. As demais só retornam nos meses de calor para abrir os poucos hotéis, restaurantes e lojinhas que ocupam casarões milenares feitos de pedra.
Além da surpreendente Monemvasia, outro destino indispensável no Peloponeso é Náfplio, um balneário elegante em que os atenienses endinheirados passam o fim de semana. As paisagens do caminho eram tão encantadoras que demoramos umas cinco horas para percorrer os 170 quilômetros que separam as duas cidades.
É difícil acreditar que a Grécia esteja em uma crise econômica tão severa ao ver tantos restaurantes elegantes, sempre lotados de locais glamourosos. Contornando uma baía no Golfo Argólico, Náfplio foi a primeira capital da Grécia independente e um importante porto em tempos ancestrais. Três fortalezas formam um belo conjunto com os casarões do centro antigo – muitos deles transformados em modernosos hotéis-butique.
A cidade também serve de base para um bate e volta para o magnífico Anfiteatro de Epidauros, famoso não só pelo tamanho como pelas lendas em torno de sua acústica perfeita. De lá se pode dar um pulo até as impressionantes ruínas da antiga Micenas – e tomar mais um banho de história. É possível fazer as duas coisas no mesmo dia sem muito esforço.
No caminho de carro de volta a Atenas, vale ainda a pena parar pra dar uma olhada no Canal de Corinto, aberto no século 19 com a função de conectar o Golfo de Corinto ao Mar Egeu, separando a Península do Peloponeso do continente. E resta quase nada para ver das antigas Olímpia (berço das Olimpíadas) e Esparta, outro nome familiar desde a época do colégio. Então, se estiver com pouco tempo, releve.
QUANDO IR
Quem quer agito nas ilhas deve ir em julho ou agosto. Em maio, junho, setembro e outubro as temperaturas são mais amenas, e os preços, mais baixos, mas rotas de ferry e de voos são restritas. No inverno, muitos hotéis fecham.
LÍNGUA
O grego é o idioma oficial. As placas dos locais turísticos costumam ter os nomes em alfabeto latino, e boa parte dos que trabalham com turismo fala inglês ou italiano.