São Paulo não tem o Centro dos sonhos de todos os seus moradores. É proverbial a dificuldade para ocupar a região à noite, por exemplo. Mas o lugar vem atraindo cada vez mais paulistanos a seus museus, restaurantes e lojas. Poucas regiões têm tantos prédios de relevância histórica ou arquitetônica (763 imóveis tombados). Ali você pode viajar para mundos tão diferentes quanto a casa da marquesa de Santos e um salão black power. A VT propõe três roteiros a pé a partir de três estações de metrô.
ROTEIRO 1
República
Vale a pena gastar uns instantes nessa estação antes de sair para o agito. Num dos acessos à Praça da República, dê uma olhada na instalação Momento Antropofágico com Oswald de Andrade, do artista plástico Antonio Peticov. No teto, uma mancha disforme é a senha para o grande barato da obra. Refletida num tubo de inox, ela forma o rosto do escritor modernista. ao pé da obra, pode-se ler “tupi or not tupi”, famosa sacada antropofágica de Oswald com a frase de Shakespeare. Da praça, siga pela Avenida Ipiranga, que guarda duas pérolas arquitetônicas. A primeira é um ícone italiano concebido por um alemão, Franz Heep, em 1965. Falamos do modernista Edifício Itália (Avenida Ipiranga, 344, 2189-2990), de 46 andares – o afamado restaurante Terraço Itália (2189-2929; Cc: A, D, M, V) fica no 42º. Nos dias úteis, das 15 às 16 horas, pode-se visitar gratuitamente o terraço, com sua vista para um perder de vista dos edifícios da cidade. Logo ao lado está o Copan (no nº 200, 3259-5917), projetado por Oscar Niemeyer e inaugurado em 1966. Grande postal paulistano, ele tem 30 andares e também permite visitas ao terraço nos dias úteis (das 10h às 10h30 e das 15h às 15h30), de onde se veem os limites da cidade.
Setembro reserva uma novidade no Copan: a inauguração do Pivô, um espaço cultural, prevista para o dia 4. Paralelamente à Bienal de São Paulo, ele sediará a Bienal de Chernobyl, com artistas emergentes e consagrados, como Carmela Gross. Depois disso, talvez você precise de gás extra para continuar o passeio. Tome o “café cremoso”, que é na verdade o bom e velho expresso, no balcão do Café Floresta (loja 21, 3259-8416; R$ 3), que fica no térreo. Agora, se a fome vier, saiba que o Copan tem uma das melhores cozinhas de bar da cidade, a do Dona Onça (loja 27, 3257-2016; Cc: A, D, M, V), que serve arroz de galinhada caipira com quiabo (R$ 49).
O sinuoso Copan – Foto: Germano Luders
Satisfeito, volte pela Ipiranga e, se quiser sobremesa, vire na avenida São Luís e conheça o novato Ramona (nº 282, 3258-6385; Cc: A, D, M, V), cujos fogões são pilotados por Bruno Fischetti (ex- P.J. Clarke’s), que se orgulha de seu pudim de leite (R$ 15). Caso queira deixar para almoçar de verdade ali, prove o delicioso fusilli aos cinco cogumelos (R$ 35). Atravesse então a avenida para curtir a Praça Dom José Gaspar, seu bulevar e seus cafés. Aos sábados há ali os shows do Piano na Praça (3397-0000; 15h/17h), que devem voltar em setembro. Depois, retorne à Ipiranga e ande até a Rua Barão de Itapetininga. É surpreendente saber que um de seus brinquedos de infância (como um robô ou uma miniatura do bat-móvel) pode custar até R$ 3 000 nas lojas da Galeria Itapetininga (nº 267), que é visitada por colecionadores como o ator Dalton Vigh, um apaixonado por Forte Apache. Além de jogos, você acha camisas antigas de futebol – uma do Corinthians dos anos 1990 custa R$ 120 na Galeria dos Brinquedos (loja 12). E dá para encomendar uma tela a óleo do seu super-herói predileto na loja 7 (R$ 70).
Na saída da galeria é provável que você cruze com seguidores da Cultura Racional, a seita que fez Tim Maia criar grandes arranjos de soul para letras de pregação confusa. Os raros discos desse período (Tim Maia Racional I e II) são vendidos um pouco mais adiante, no segundo andar da Galeria Nova Barão (nº 37), onde há descoladas lojas de discos de vinil. No fim da rua está o belíssimo Teatro Municipal (Praça Ramos de Azevedo, 3397- 0300), que também propicia visitas guiadas com agendamento prévio. Ali perto, note que a Galeria do Rock (Rua 24 de Maio, 62) já não é tão roqueira. As tradicionais lojas de CDs, como a Baratos Afins (loja 316), dividem espaço com vitrines street wear e salões de cabeleireiros afro, sem falar que o subsolo é dedicado ao rap. Um corte na Primo Black Power (loja 26) sai por R$ 30. Escolha a saída da São João e celebre com o famoso bauru do Ponto Chic (Largo do Paissandu, 27; R$ 15), aqui em seu endereço original e mais famoso. Siga pela São João até o cruzamento com a Ipiranga – não se preocupe se nada acontecer com o seu coração – e volte à Praça da República, onde as linhas amarela e vermelha do metrô o esperam. Se fizer esse roteiro em um fim de semana, você ainda vê a velha Feira da República (9h/17h).
ROTEIRO 2
São Bento
Ao sair da estação você já vê o conjunto do Mosteiro de São Bento (Largo São Bento), que começou a ser erguido em 1598. Vale uma visita à bela Basílica, que abriga uma lojinha com os quitutes da ótima panificadora do mosteiro – com filial chique nos Jardins. Aos domingos, as concorridas missas com cantos gregorianos começam às 10 horas. Em seguida, se quiser conhecer uma das menores lanchonetes paulistanas, vá à Ladeira Porto Geral e aperte-se nos 3,75 metros quadrados da Quickies (nº 14, loja 101), que faz inusitados croquetes de talharim (R$ 1). Quem gosta de eletrônicos (com ou sem pedigree) pode cruzar o Viaduto Santa Ifigênia, em estilo art nouveau, e cair na rua homônima, com suas galerias comerciais. Se não for o caso, siga pela Rua Líbero Badaró, pegue a São João e curta o Edifício Martinelli (nº 35, 3104-2477), com seus 30 andares, onde há visitas guiadas de segunda a sábado. Quando foi inaugurado, em 1929, ele era o prédio mais alto do mundo fora dos Estados Unidos. Continue subindo pela São João até a Praça Antônio Prado, em frente à Bovespa. Com ares interioranos, a praça tem relógio, coreto, engraxates e cabine telefônica. Não deixe de conferir o magnífico saguão do Banco de São Paulo (nº 9), onde o piso é um mosaico de pastilhas de cerâmica. Dali também é fácil chegar à torre art déco do Banespa (Rua João Brícola, 24, 3249-7180; visitas de 2ª/6ª 10h/15h).
O Centro Cultural Banco do Brasil – Foto: Daniela Toviansky
Cansou de prédios? Siga pela Rua XV de Novembro, vire na Rua do Comércio e aviste a vintage Barbearia 9 de Julho (nº 43), onde um corte sai por R$ 30. Depois vire na Rua Álvares Penteado e visite o Centro Cultural Banco do Brasil (nº 112, 3113-3651; 3ª/dom 10h/22h), a antiga sede do banco, concluída em 1927, que desde 2001 abriga exposições em seu prédio em estilo eclético. Antes de voltar ao metrô São Bento, veja a mostra Paris: Impressionismo e Modernidade, com obras de mestres como Cézanne e Van Gogh vindas do Musée d’Orsay, de Paris. É grátis, mas as filas, em especial nos fins de semana, exigem paciência.
ROTEIRO 3
Sé
Esse é talvez o mais “excitante” dos três roteiros. É aqui que se concentra boa parte dos prédios mais antigos de São Paulo. E é aqui que se concentram os punguistas profissionais do pedaço. O expressivo número de guardas ao redor da estação Sé evidencia um certo clima de tensão. Dito isso, é legal deixar objetos de valor em casa e circular com atenção, principalmente perto da Sé e da contígua Praça Clóvis. Como já dizia a velha canção de Paulo Vanzolini, “na Praça Clóvis / minha carteira foi batida”… Logo na saída da estação Sé você enxerga a grandiosa Catedral Metropolitana (Praça da Sé, 3107- 6832). Projetada em 1912 em estilo neogótico, conta com uma enorme cúpula de inspiração renascentista e tem capacidade para 8 mil pessoas. Aproveite para apreciar os 54 vitrais e a ornamentação com motivos brasileiros, como o tatu, o tucano e o cacau.
Depois, ande pela Rua Senador Feijó, à direita da Catedral, vire também à direita na Rua Quintino Bocaiuva e vá até a esquina com a Rua José Bonifácio. Preste atenção no Edifício Triângulo (nº 24), que recebeu tal nome por razões óbvias. É mais um rebento de Oscar Niemeyer, e sua entrada tem um belo (mas deteriorado) mosaico de Di Cavalcanti. Continue na José Bonifácio e pegue a Rua Direita. No fim dela, já de volta à Praça da Sé, você encontrará a Caixa Cultural SP (nº 111, 3321- 4400; 3ª/sáb 9h/21h). A velha sede da Caixa Econômica Federal, de 1939, é um prédio com grandes colunas de estilo jônico que hoje é espaço de exposições. Deixe a instituição e caia na travessa do Pátio do Colégio, seguindo os protetores de ferro. É difícil não intuir que ali é o local de fundação da cidade (com a realização da primeira missa, em 25 de janeiro de 1554). Hoje o Pátio abriga a capela, o Café do Páteo (3101- 8512; 3ª/dom 9h/16h30) e o Museu Padre Anchieta (3105-6899; 3ª/ dom 9h/17h; R$ 6), com uma coleção de 700 objetos da antiga construção – a pia batismal em que os jesuítas convertiam indígenas é uma atração.
A grandiosa Catedral da Sé – Foto: Luiz Aymar
Depois de ver onde a megalópole nasceu, ande um pouquinho até o Marco da Paz e seu sino de 300 quilos. Não tenha receio de tocá-lo. O som é alto e chama a atenção de quem passa por ali. A ideia é essa mesmo: a badalada tem a “missão” de inspirar a humanidade na cultura da paz. Para saber mais sobre os primórdios paulistanos, contorne a capela para chegar ao Solar da Marquesa de Santos (Rua Roberto Simonsen, 136, 3241-1081; 3ª/dom 9h/17h), uma construção do século 18 que foi o lar de Maria Domitila de Castro, célebre por seu caso com dom Pedro 1o. Ao lado, mais história na Casa da Imagem (3106-5122; 3ª/ dom 9h/17h), voltada à memória fotográfica paulistana, e no Beco do Pinto (3396- 6047; 3ª/dom 9h/17h), antiga passagem para o rio tamanduateí que preserva o calçamento colonial feito de dolomita. Após esse passeio pelo passado, ainda na Roberto Simonsen, recupere-se com uma pasta no restaurante Pateo do Collegio (nº 122, 3107- 4205; 2ª/6ª 11h/15h30). Depois, se quiser voltar para casa, lembre-se de que a estação Sé está próxima. Mas talvez você queira caminhar mais, como quem não quer nada, e continuar a ver a gostosa agitação urbana que não cessa.
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