A Bahia de Jorge Amado
Fazendas de cacau, terreiros de candomblé, saveiros. O melhor de Ilhéus, Salvador e Mangue Seco segundo Jorge Amado
Se Jorge Amado estivesse vivo, teria completado 100 anos em 2012. O autor de Gabriela, Cravo e Canela – que virou novela da Globo – elegeu a Bahia como a grande estrela de suas obras. Ele escreveu mais de 20 livros tendo o destino como pano de fundo. Neles há a Bahia imaginária, com personagens que ainda fazem muito leitor acreditar que existiram de verdade, mas tem também a Bahia real, aquela em que Jorge Amado viveu e que é estampada nos cartões-postais. São fazendas de cacau, terreiros de candomblé, cais e casarões coloniais que estão lá até hoje – como você verá nas fotos acima. Lugares muitos citados em suas obras, como a região de Ilhéus, cenário de Gabriela e também de obras célebres como Cacau; Salvador, em particular a zona do Pelourinho e a Cidade Baixa, retratados com primor em Dona Flor e Seus Dois Maridos e Capitães da Areia; e Mangue Seco, visto em Tieta do Agreste. Esta reportagem é uma parte do livro Viagem à Bahia de Jorge Amado, produzido pela revista BRAVO!, que traz as mais belas paisagens descritas nos romances do escritor.
A Ilhéus de Gabriela
Jorge Amado passou a infância em Ilhéus e voltou várias vezes para visitar a família e os amigos. Do que ele viu (e não viu) na zona cacaueira nasceram obras-primas como São Jorge dos Ilhéus e, mais tarde, Gabriela, Cravo e Canela. Muitos lugares que ilustram suas histórias continuam ali, como o Bataclan, o mais célebre cabaré de Ilhéus durante as três décadas em que o cacau comandou os destinos da cidade. A casa reabriu em 2004 como “espaço cultural” com bar, restaurante, café e museu. Tem cortesãs e dançarinas de cancã, agora só de mentira, interpretadas por um grupo de atrizes. E Gabriela está presente em todos os cantos. Ali há uma Pizzaria Gabriela, uma rádio Gabriela FM e um certo Torneio de Pesca da Gabriela. Tem até uma Gabriela oficial, a modelo Fabíola Hala, que participa de eventos públicos.
História das águas
Jorge amado não era um homem do mar, mas nutria aquele fascínio que acomete todos os que passam uma boa parte de sua existência à beira do oceano. Há gente do mar em romances como Capitães da Areia, Os Pastores da Noite e Tereza Batista Cansada de Guerra. E, em Jubiabá, o próprio protagonista, antônio Balduíno, embarca no saveiro de Mestre Manuel. Personagens como esses, cabe dizer, são espécimes em fanca ameaça de extinção na Bahia de hoje. Mas quem procura algo de poesia nesse mar certamente a encontrará nas histórias dos pescadores artesanais e dos velhos mestres de saveiro. Eles são poucos, mas estão ali – nas praias do sul, no cais de Salvador, nas águas da Baía de Todos os Santos –, tais como Jorge Amado os deixou em seus romances. Ou quase.
A Bahia sem retoques
Em todos os livros ambientados em Salvador que escreveu, Jorge Amado fez da cidade, sobretudo do Centro Histórico, o grande teatro em que a Bahia se expõe nua e sem retoques. Nesse palco trafegam prostitutas, boêmios, malandros, artesãos, capoeiristas, quituteiras, pais e mães de santo. Ele chegou, inclusive, a dedicar um volume inteiro à capital baiana: Bahia de Todos os Santos, que descreveu como um “guia das ruas e dos mistérios de Salvador”. Outra marca de suas obras é o cordel, arte popular presente nas ruas da capital baiana. “Se Jorge Amado não fosse romancista, seria cordelista”, diz Antonio Barreto, um dos mais consagrados cordelistas da região. No Pelourinho há praças com nomes de seus personagens, como Largo Tereza Batista e Praça Quincas Berro d’Água, que hoje servem de palco para shows de axé.
Santos e orixás
Apesar de se autodefinir como “materialista convicto”, Jorge Amado foi ministro de Xangô no terreiro do Opô Afonjá (cargo da mais alta honra), amigo pessoal de uma infinidade depais e mães de santo e visitante assíduo dos mais diversos terreiros de Salvador. Para ele, o candomblé era uma das mais expressivas manifestações da cultura popular baiana. Ardente advogado do sincretismo, o escritor fez da ficção um poderoso instrumento de tolerância religiosa. E a capital baiana é o melhor lugar para apreciar o universo contadoem seus livros. Segundo levantamento da Universidade Federal da Bahia, a cidade tem cerca de 1 200 terreiros na ativa. Mas o que se diz é que o número chega a 2 mil. Entre os mais famosos estão o Gantois, no bairro da Federação, e o Opô Aganju, no Alto da Vila Praiana.
Para entrar no clima
Os livros, os lugares e quem leva aos passeios relacionados ao escritor
OS LIVROS
Cacau (1933): fala do dia a dia de uma fazenda cacaueira.
Terras do Sem-Fim (1943): narra, com ares de saga, os primeiros anos da era de ouro do cacau.
Gabriela, Cravo e Canela (1958): história da morena que chegado agreste para enlouquecer os homens da cidade.
O Menino Grapiúna (1981): relata, em tom autobiográfico, os episódios mais significativos da infância do autor e, a partir deles, como foram os tempos de glória do período cacaueiro.
Tocaia Grande (1984): históriada fictícia Irisópolis, cidadenascida na esteira do cacau.
Mar Morto (1936): descreve o cotidiano dos pescadores no cais de Salvador.
Capitães da Areia (1937): relata a luta dos meninos de rua pela sobrevivência na região do cais.
A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água (1961): fala do universo da boemia nos anos de decadência do Pelourinho.
Dona Flor e Seus Dois Maridos (1966): na trama, o malandro Vadinho morre e volta como fantasma para incendiar a vida da esposa Florípedes, agora casada com o pacato Teodoro.
Tenda dos Milagres (1969): por meio do personagem Pedro Archanjo, o autor toma partido da defesa dos costumes do povo mestiço da Bahia.
Bahia de Todos os Santos (1945): espécie de guia das ruas e dos mistérios de Salvador.
Tieta do Agreste (1977): na trama, a sensual Antonieta volta à fictícia Sant’Ana do Agreste para se vingar da irmã Perpétua e do pai, que no passado a havia escorraçado de casa.
OS LUGARES
Bar Vesúvio (Praça Dom Eduardo, 190, 73/3634-2164; 2a/sáb 10h/0h, dom 16h/0h): cenário de Gabriela, Cravo e Canela.
Bataclan (Avenida 2 de Julho, 73/3633-7670; 2a/5a 10h/23h, 6a/sáb 10h/0h): cabaré que virou espaço cultural. Tem apresentação teatral (R$ 40).
Casa de Cultura (Rua Jorge Amado, 21, 73/3634-8986; 2a/6a 9h/12h e 14h/18h, sáb 9h/13h; R$ 4): antiga residência do escritor.
Fazenda Vila Rosa (BA-654, distrito de Taboquinhas, Itacaré, 73/9915-3754; R$ 45): fazenda do início do século 20, período áureo do cacau na região.
Cidade Baixa: é onde ficam o porto e o Mercado Modelo (Praça Visconde de Cairu; 2a/sáb 9h/19h, dom 9h/14h).
Feira de são Joaquim (Avenida Oscar Pontes; 2a/sáb 5h/18h, dom 5h/14h): barracas de frutas e temperos regionais, aves e bodes vivos misturam-se a lojas de artigos de candomblé.
Pelourinho: o centrinho histórico é formado por igrejas dos séculos 17 e 18 e casarões coloridos que abrigam bares, restaurantes e lojinhas.
Terreiro do Gantois (Alto do Gantois, 23, Federação, 71/3331-9231; 3a/6a 9h/12h e 14/17h, sáb 9h/12h): um dos mais famosos terreiros de Salvador. Os rituais não são abertos ao público, mas dá para visitar o Memorial de Mãe Menininha, ialorixá da casa entre 1922 e 1986.
Praia de Mangue Seco: cenário de Tieta do Agreste, é lotada de montanhas de areia em toda a sua extensão – 30 quilômetros ao todo. Chega-se a ela, a partir da vila, a pé ou de bugue.