Bordeaux é a nova Paris! Roteiro pela capital do vinho francês:
Bordeaux é ligado por trem às maravilhas da região: a sensacional Saint-Émilion, os vinhedos de Médoc, a praiana Arcachon e as históricas Sarlat e Périgueux
Quando o trem começa a tomar distância do litoral, a aridez rochosa do Mediterrâneo vai sumindo e entra na moldura da janela uma espessa camada de verde. Sudoeste francês adentro, os trilhos atravessam campos com ovelhas felpudas, cavalos, vaquinhas. É uma paisagem de fazendinha Playmobil com efeito hipnótico nas três crianças pequenas que vão ao meu lado.
Após quase nove horas de viagem sem um pio infantil – a partir de Nice e a bordo do Intercités (trem que cobre largas e médias distâncias) –, Bordeaux aparece sem avisar, imersa na garoa fina. Capital da Aquitânia, uma das 22 regiões administrativas da França continental, a cidade tem 250 mil habitantes. Oui, Bordeauxcapital é a porta de entrada para Bordeaux- região do vinho, uma área onírica e totalmente rural, coalhada de vinhedos, pastos, bosques. Mas, oui, a cidade é também uma metropolezona em plena erupção cultural. Nos últimos anos, a que antes era conhecida como la belle au bois dormant (a bela adormecida) saiu da sombra das parreiras e assumiu o posto de la belle du jour. Recentemente, deu no New York Times: Bordeaux é a nova Paris!
Nas ruas
A sacudida de Bordeaux foi arquitetada pelo ex-primeiro-ministro Alain Juppé, prefeito praticamente vitalício da cidade. A reforma começou com uma recauchutada nas fachadas neoclássicas dos edifícios, o que demandou esforço titânico das arcas públicas e privadas. Trabalho recompensado. Em 2007, metade da capital do vinho virou Patrimônio Universal pela Unesco, somando mais de 350 edifícios tombados. A saga continua. Atualmente, as ruas de acesso à belíssima igreja Saint-Michel estão em obras, bem como a fonte da apoteótica Place de la Bourse, a joia da coroa do Centro, cujos edifícios se refletem num espelho-d’água formando uma imagem sublime.
A reboque do lifing do patrimônio veio muito mais. Um sistema de transporte público de ponta, por exemplo. Linhas de bondes elétricos (tramway) novinhos conectam o Centro aos bairros e são complementadas por 1 545 bicicletas públicas distribuídas em 139 estações. “Cansada? Pega uma vèlo”, sugere um simpático ciclista ao me ver escorada numa fonte. Também há carros elétricos, os Bluecub, que podem ser alugados por algumas horas, com inscrição no site, e retirados nas estações de recarga. Se não bastasse, uma bicicleta-patinete desenhada por Philippe “Onipresente” Starck, a Pibal, é testada desde 2013 por cidadãos. Dói de tão civilizado.
Boa parte das ruas do Centro foi convertida em calçadões para pedestres. As margens do rio Garonne agora são um grande parque onde os moradores correm, pedalam e passeiam seus (muitos) cães, e as zonas degradadas da área ressuscitaram. Velhos armazéns se transmutaram em bares, discotecas e lojas. A modinha da vez é a região de Chartrons, onde acontece a feira dominical Marché des Quais. O bairro também tem um skate park à beira do rio, restaurantes, lojas – e muitos e muitos bares.
Programe-se para Bordeaux
Diante do peso e do clima novidadeiro que impera em Bordeaux, convém reservar dois ou três dias para ficar por ali, e só depois aproveitar os trens regionais (os TERs) para dar umas bandas em pelo menos três cidadezinhas dos arredores: a praiana Arcachon e as históricas Sarlat e Périgueux. Viagem de 50 minutos desde a capital (€ 11,50), Arcachon é um lugar meio desenxabido à beira da baía homônima. Vale muito por três motivos: degustar as célebres ostras, ir até a Dune de Pilat, a mais alta duna da Europa, e pegar uma prainha.
Périgueux (1h30, € 22,50) é uma das cidades medievais mais bonitas da região, à beira do rio Isle. Tem uma belíssima catedral do século 17. Menor e ainda mais charmosa, Sarlat, um pouco mais longe (2h45, € 28,20), é uma típica cidade medieval conservada, com casinhas de telhado pontudo que formam um emaranhado de becos, pontes e praças.
Périgueux – FrançaPérigueux é uma das cidades medievais mais bonitas da região
Harmonia dos sabores
Você pode até ensaiar uma imersão no universo do vinho Bordeaux sem sair da capital, a começar pelos workshops e degustações do Bar a Vin, administrado pelo CIVB (Conseil Interprofessionnel du Vin de Bordeaux). Mas é um sacrilégio da pesada deixar escapar o mar de vinhedos que cerca a cidade, e seus míticos châteaux (como são chamadas as vinícolas, ainda que nem todas sejam castelos ao pé da letra).
Sobretudo é indispensável e facílimo pegar um trem regional e viajar de Bordeaux até a magnífca vila medieval Saint-Émilion (€ 9,50). Ao redor da colina que sustenta a cidadezinha, o vinho é produzido desde o domínio do Império Romano para atender os peregrinos do Caminho de Santiago. Após meia hora de viagem através de bosques e campos cobertos de florzinhas amarelas, o desembarque é feito em pleno vinhedo, numa estação desativada.
Na caminhada de 20 minutos até o Centro da vila, passei por dezenas de châteaux, até que as lojinhas de vinhos e macarons (o docinho é a segunda maior vocação do vilarejo) começassem a aparecer. Parada no tempo, com ruas íngremes e irregulares, Saint-Émilion tem a maior igreja monolítica da Europa, talhada a partir do século 9. As pedras calcárias extraídas do solo para a construção da cidade resultaram em 200 quilômetros de túneis subterrâneos e catacumbas, muitos deles aproveitados como caves. No topo da vila, o escritório de turismo informa sobre as visitas às vinícolas e organiza tours guiados. Na anexa Maison du Vin, há cursinhos e degustações.
Macarons – França Não são só os vinhos que fazem a fama de Bordeaux, os macarons também são um ponto forte
Também a partir de Bordeaux, outros acachapantes bate e volta: os vilarejos Margaux e Pauillac, duas pequenas grandes coisas de Médoc, a mais famosa das sub-regiões dos vinhedos que cercam a cidade. Tudo é pertinho, na mesma linha do TER. Margaux (1h, € 7,70) abriga o château de todos os châteaux: o Margaux, ícone da excelência e do mito do vinho Bordeaux. Uma garrafa de 12 litros da safa de 2009 foi vendida em 2013 em Dubai por US$ 190 000 – a mais cara de todos os tempos. Além de produzir o tinto número 1 em termos de pompa, a vinícola é uma das que de fato têm castelo para chamar de sede. A propriedade recebe pouquíssimos turistas (só com reserva), e as degustações são privilégio de visitantes ilustres. Mas, de fora, é possível ver direitinho o belo edifício do século 19, concebido pelo arquiteto Louis Combes como o “Versalhes do Médoc”.
Já Pauillac (1h15, € 11,20) fica à beira do estuário da Gironda, onde é gostoso passear de barco. Tem três vinícolas legendárias: Lafte-Rothschild, Latour e Mouton-Rothschild. A cidade também é a melhor da região para um pit stop de almoço. O Saint Martin, por exemplo, tem um menu com um bom apanhado da culinária local, por € 33.
Como é preciso agendar as visitas às vinícolas de Médoc e fazer longas caminhadas até os châteaux, uma ótima opção é embarcar, a partir de Bordeaux, no passeio guiado da Ophorus, especializada em tours de degustação para grupos pequenos. Nas mãos da competentíssima Marion, fizemos um apanhado pelas principais AOCs (as subdivisões das sub-regiões de vinhedos). Pelo caminho, sacrossantos do vinho emergiam entre vinhas cobertas com as primeiras folhas da primavera: Château Latour, Château Mounton Rothschild, Château Margaux…
O discurso das nuances do vinho pode ser uma chatice quando rola na casa do seu cunhado. Mas coisas como as notas de cereja e uma textura aveludada começam a fazer sentido em um lugar como o Château Lagrange, tacinha em mãos, na companhia de um dos enólogos. Nada como um bom vinho, em um baita contexto.
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